Autoria do Dr. Ivan T. Large
1- Meu próximo paciente, Pedro Paulo, é advogado. Na sua consulta anterior, um ano atrás, havia me contado que estava estudando para um concurso para ser juiz. Eu indago do resultado. É com indignação que ele me conta que, após a prova, foi publicada uma lista com as notas obtidas pelos candidatos. Ele teve a grande satisfação de constatar que tinha conseguido, com a terceira melhor nota, uma das três vagas disponíveis.
Estava comemorando o seu sucesso, quando foi publicado um edital onde ele teve a desagradável surpresa de ver o nome de outro candidato aparecer no lugar do seu, na lista dos aprovados. Pensou que se tratava de um erro fácil de ser resolvido. Marcou uma reunião com o juiz responsável pela organização do concurso que, após escutar seus argumentos, respondeu-lhe simplesmente:
– Tudo bem. Então o que você pensa em fazer?
Como Pedro Paulo não conseguia entender o sentido desta réplica, o seu eminente interlocutor explicou-lhe friamente que não pretendia mudar o conteúdo do edital, que se Pedro Paulo não estivesse satisfeito, poderia recorrer judicialmente, mas que não tinha nenhuma chance de ganhar esta causa, já que o poder judiciário não perde na justiça, e, que nunca mais na sua vida conseguiria ser juiz. Completou, com um ar reconfortante, que se Pedro Paulo fosse bastante ajuizado para aceitar a decisão de seus futuros “colegas”, teria o prazer de ajudá-lo na ocasião do próximo concurso.
Moral da história: Só haverá justiça VERDADEIRA quando todos nós, inclusive os juízes, começarmos a acreditar nela.
2 – Durante a narração de Pedro Paulo, a temperatura da minha sala parece ter subido um pouco. Levanto-me para regular meu climatizador de ar. Isso me faz lembrar um fato que me contou Roger, um antigo paciente que consertava climatizadores.
Um dia, ele encontra publicada no jornal a licitação de uma repartição pública querendo contratar uma empresa especializada no conserto de climatizadores. Apesar de pouco interessado em fazer negócios com algum órgão do poder público por causa da sua fama de mau pagador, resolve, sem saber por que, mandar uma resposta, colocando, entretanto, um valor dez vezes superior à media dos preços praticados no mercado. E grande é a sua surpresa, dois dias depois, ao receber uma carta convidando-o para comparecer no dia seguinte à diretoria da tal repartição pública, onde é recebido pessoalmente pelo diretor geral:
“A sua proposta chamou nossa atenção. Recebemos dezenas de outras, mas comparando-as com a sua, podemos constatar que você é um verdadeiro “cara de pau”. Você é exatamente a pessoa que nós procurávamos, e estamos prontos a contratar sua empresa com uma condição: no final de cada mês, quando vier receber o seu cheque, no meu escritório, terá que me entregar, em mãos, a metade do seu valor em dinheiro vivo.”.
Roger calcula que mesmo tirando a propina de cinquenta por cento do valor do contrato, este continua superfaturado e aceita a oferta. E mais, uma rápida avaliação do sistema de climatização lhe permite constatar que sua tarefa será das mais fáceis, e, após uma semana de trabalho, ele não tem mais nada para fazer.
No final do mês e dos meses seguintes, ao receber o seu cheque das mãos do diretor, a quem ele entrega um envelope contendo o valor combinado, aproveita, a fim de justificar o seu gordo salário, para fazer uma revisão completamente inútil de um ou dois aparelhos.
Esta agradável rotina continua durante mais de um ano, até o dia em que, no momento de entrar na sala do diretor, Roger é avisado pela secretária, que o seu chefe havia sido demitido. Pego de surpresa, ele se prepara para voltar para trás quando a secretaria o avisa de que o novo diretor já esta informado dos detalhes da sua contratação e esta impaciente em recebê-lo.
Moral da história: O fato de demitir um corrupto não significa que o sistema que ele implantou acabará automaticamente.
3 – A terceira história aconteceu, alguns anos atrás, durante a minha residência em oftalmologia no Hospital do Estado do Haiti.
Um dia, eu recebo a ligação telefônica de um cirurgião plástico americano, de passagem no país, querendo conversar comigo. Nós nos encontramos na entrada do hotel, onde ele estava hospedado. Ricardo tem trinta anos, é de origem cubana e mora em Miami. Após os cumprimentos de costume, vai direto ao assunto:
“O motivo da minha viagem não tem nada a ver com medicina. O seu nome foi-me dado por um amigo comum, que acha que você poderia me ajudar a estabelecer alguns contatos necessários à realização do meu projeto. Preciso, antes de tudo, explicar-lhe que Republicanos e Democratas costumam alternar-se na maioria do congresso americano, já que o povo sempre fica insatisfeito com o partido no poder e, nas próximas eleições, acaba votando no outro partido. Atualmente, o Partido Republicano está em maioria no Congresso, e eu tenho um tio deputado membro desse partido. Você deve saber que os países do primeiro mundo têm muita dificuldade em livrar-se do seu lixo tóxico. O meu tio vai propor ao Congresso uma ajuda ao Haiti, para a construção de uma usina de alguns milhões de dólares, numa ilha deserta, situada ao norte do seu país. Na verdade, essa usina será apenas uma fachada para um depósito de lixo nuclear. Por isso, precisamos da permissão das autoridades políticas do seu país. Sua única participação nesse negócio consistirá em me colocar em contato com elas e, por sua ajuda, receberá uma pequena recompensa que lhe permitirá não precisar mais trabalhar pelo resto dos seus dias. Temos, entretanto, que nos apressar, já que, em menos de dois anos, o Partido Democrata assumirá a maioria no Congresso, no lugar dos Republicanos.”
Moral da história: A generosidade dos grandes esconde, às vezes, interesses escusos.
Nota: ilustração do autor
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