Autoria de Lu Dias Carvalho
Não resta dúvida de que a matéria-prima de quem escreve é a sensibilidade envolta pela ternura e, muitas vezes, pela indignação. O escritor pode dominar a língua com maestria e conhecer todos os elementos da técnica literária, mas, se lhe faltar a capacidade de interagir com o meio em que se insere, quer física ou mentalmente, através das emoções, pode-se dizer que ele é apenas um anotador. O mesmo se pode dizer sobre os mais diferentes tipos de artífices, ao manipular a matéria-prima de seu dom.
A arte não é senão a capacidade que possui o artista de sentir o mundo, cujos olhos veem o que passa despercebido às pessoas comuns, antes de liberar o fruto de seu talento. A arte é contemplativa, pois leva o artífice a se isolar do mundo externo ainda que seja por um breve tempo, centrando seus sentimentos num único objetivo, no intuito de se embebedar com uma gama de sentimentos despertados, deixando de lado o cotidiano, para depois burilar tudo aquilo que suas emoções captaram.
Não resta dúvida de que o autor da foto acima é uma pessoa dotada de extrema sensibilidade. É um artista! Quantas pessoas devem ter passado por esse homem embevecido com os pombos que o afagam, possivelmente um morador de rua no banco de madeira de uma cidade qualquer, talvez de uma metrópole, sem tê-lo percebido. Para muitos, essa figura humana é apenas mais um elemento agregado à paisagem urbana, sem nenhum motivo para merecer atenção. Mas para o artista ele é especial, único e quase divino. Por isso, captou-o primeiro com os sentimentos, depois com os olhos, e com suas lentes ele o eternizou nesta fotografia belíssima.
Está latente na fisionomia desse homem idoso, com seus cabelos ralos e esbranquiçados e de mãos maltratadas pelo tempo, a ausência de carinho humano. Ele fecha os olhos ternamente, abaixa a cabeça e faz de suas mãos um assento para que as aves possam melhor tocá-lo, sem que tenha de aprisioná-las, para melhor sentir o carinho que delas emana. Dois pombinhos, pousados em seus ombros, reverenciam-no como se fosse um rei, enquanto cinco sentinelas, no alto do gradil, velam por ele, às suas costas. À sua direita, no topo do banco, um pombinho mira os companheiros, e no colo, outro mais curioso tenta saber o que traz sua mão esquerda. Muitas aves estão espalhadas pelo chão, como vassalos daquele rei sem trono ou coroa, mas simplesmente cidadão do mundo, sem teto ou vintém.
Eu sinto vontade de chorar, tamanho é o meu encantamento.
Bendito seja o homem!
Benditas sejam as aves!
Bendito seja o artista!
(*) Imagem copiada de oloboeocordeiro.wordpress.com
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