Arquivo da categoria: História da Arte

O mundo da arte é incomum e fascinante. Pode-se viajar através dele em todas as épocas da história da humanidade — desde o alvorecer dos povos pré-históricos até os nossos dias —, pois a arte é incessante.

TRÊS DE MAIO EM MADRI (Aula nº 79 D)

Autoria de Lu Dias Carvalho

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 Eu pinto estas obras para ter o gosto de dizer eternamente aos homens que não sejam bárbaros. (Goya)

 Esta é a primeira grande obra que se pode chamar revolucionária em todos os sentidos do termo, no estilo, no tema e na intenção. (Kanneth Clark)

 O pintor Francisco José de Goya y Lucientes (1746-1828) foi um dos grandes nomes da pintura espanhola ao lado de Diego Velasquez. A família de Goya pertencia à classe média baixa, o que significava que levava uma vida de dificuldades sendo que dois de seus filhos mais novos morreram ainda pequenos. Ainda muito novo Goya deu início à sua formação artística, frequentando uma escola de desenhos, onde ficou conhecendo o pintor José Luzán que o levou a copiar os trabalhos mais importantes dos grandes mestres do passado. O escritor, jornalista, filósofo e crítico de arte espanhol Eugeni d’Ors definiu o pintor: “Goya é um fenômeno extraordinário. É o artista que a opinião universal qualifica como revolucionário, o renovador audaz, cujos arrojos de conceito e de técnica serviram mais tarde como exemplo e modelo, nunca tornado obsoletos, a sucessores dispersos nos ambientes mais longínquos e livres ao longo de um século e meio de mudanças de gosto, de renovações de escolas”.

Esta composição, também conhecida como o Fuzilamento de Moncloa, retrata um dos trágicos acontecimentos da vida do povo espanhol, perpetrado pelas forças napoleônicas. Goya mostra, com patriotismo e revolta, o sofrimento de seu povo durante a invasão francesa. Um grupo de cerca de cem espanhóis mal vestidos, muitos deles inocentes, foi executado numa colina fora da cidade. O grupo que se amotinou contra os invasores franceses foi preso no dia anterior e fuzilado no dia seguinte, na madrugada do dia 3 de maio.

O massacre ocorreu ao entrar as primeiras horas do novo dia. Ainda reinava a escuridão. O céu que compõe quase um terço da composição está impiedosamente escuro, sem a presença da lua ou de estrelas, destacando ainda mais o clima de pavor. Uma enorme lanterna colocada no chão joga luz sobre os condenados que esperam a vez de serem executados. Um personagem ajoelhado, vestido com uma camisa branca, aberta no peito, levanta os braços heroicamente, semelhante ao Cristo crucificado, à espera do golpe fatal. Na palma de sua mão direita há também um estigma. Sua expressão dramática é ao mesmo tempo desafiadora.

Os condenados estão conscientes do próprio fim. Todo horror é exposto através de seus gestos. Um deles levanta o rosto para os céus, enquanto cerra os punhos, numa expressão de resignação. Alguns parecem rezar, enquanto outros tapam os olhos, numa impiedosa impotência. Um dos condenados é um frade franciscano que se encontra ajoelhado com as mãos unidas em oração. Outro grupo, à esquerda dos que se encontram em frente ao pelotão de fuzilamento, espera a sua vez de ser executado. O clima entre eles é o mesmo. Tapam os olhos, ajoelham-se e rezam. Um deles, ao lado do personagem de camisa branca, morde os dedos, enquanto seu rosto expressa um grande terror.

Goya colocou carrascos e vítimas a poucos passos uns dos outros para ampliar o clima de tensão. Ao contrário do pelotão de fuzilamento, visto em completa ordem, as vítimas estão em grande desalinho. E, excetuando o vermelho do sangue das vítimas e o branco da camisa de uma delas, as cores da composição são sombrias, acentuando a barbaridade da cena. À direita do grupo prestes a ser fuzilado estão empilhados no chão os corpos dos rebeldes que já foram executados. Uns se encontram de bruços, outros de costas. Um deles, com o rosto voltado para o observador, com um grande buraco na testa, tendo sido atingido na cabeça, jaz numa enorme poça de sangue. Seus olhos estão fechados e sua boca aberta.

Os soldados franceses com suas baionetas, perfilados de costas para o observador, todos representados na mesma postura, são mostrados como fantoches, não sendo possível ver-lhes o rosto. A imobilidade deles contrasta com o horror estampado nas vítimas. Eles usam sobretudo de modelos iguais, mas de cores diferentes. Goya pintou-os assim porque eram feitos de lã tingida que ia mudando de cor com o tempo. Seus sabres de cabo reto quase tocam o chão. Nos fuzis estão acopladas baionetas. As lâminas eram usadas caso as vítimas não morressem imediatamente ao fuzilamento. Os olhos do observador são atraídos pelo homem com roupas mais coloridas para depois se desviar para os demais.

O quadro de Goya transcende os acontecimentos da época, pois traz uma visão universal da crueldade que pode existir entre seres humanos em quaisquer que sejam os tempos e culturas. Esta obra foi pintada seis anos depois dos acontecimentos funestos. Veio a público depois de permanecer 40 anos num depósito.  É ainda hoje uma das mais famosas pinturas mostrando os horrores da guerra. Faz par com O 2 de Maio de 1808, do mesmo pintor.

Ficha técnica
Ano: 1814
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 266 x 345 cm
Localização: Museu do Prado, Madri, Espanha

Fontes de pesquisa
Goya/ Coleção Folha
Goya/ Abril Coleções

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NAVIO NEGREIRO (Aula nº 79 C)

Autoria de Lu Dias Carvalho

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 Se eu fosse reduzido a descansar a imortalidade de Turner em um único trabalho, eu deveria escolher este. (John Ruskin)

 No alto de todas as mãos, acerte os mastros superiores e despreocupe-os;/ Sol raivoso e nuvens de arestas ferozes/ Declare a vinda do Typhon./ Antes de varrer seus decks, jogue ao mar/ Os mortos e morrendo – não prestem atenção às suas correntes/ Esperança, esperança, esperança falaciosa! / Onde está o teu mercado agora? (poema inacabado de Turner que acompanhou a exibição do quadro em 1840)

O inglês Joseph Mallord William Turner (1775-1851) nasceu em Londres. Aos 15 anos de idade expôs suas primeiras aquarelas na Escola da Academia Real de Artes em Londres. Aos 25 já era Membro Associado, período em que visitou, pela primeira vez, outros países do continente europeu. Estudou em Paris, no Louvre, os antigos mestres, dando destaque às paisagens holandesas e composições de Claude Lorrain. A sua visita a outros países, incluindo a Itália, mudou radicalmente seu estilo, quando passou para as criações visionárias. Foi um dos mais brilhantes pintores românticos, tendo criado um tratamento revolucionário na pintura de paisagens através de temas românticos, mas cheios de dramaticidade. A abstração vista em muitas de suas obras antecipou a arte do século XX. É considerado um dos mais notáveis precursores do Impressionismo. É sem dúvida o mais importante e conhecido pintor de paisagens do século XIX. Pintou cidade e campo, montanhas, naufrágios, etc. Embora obtivesse grande sucesso em seu trabalho, Turner vivia recluso em sua vida pessoal. Morreu aos 76 anos de idade.

A composição O Navio Negreiro é uma obra-prima do artista, um exemplo clássico de seu pendor para o abstracionismo. Esta pintura de paisagem marítima romântica demonstra que Turner foi um dos mais sensacionais inovadores da história da pintura, ao usar como tema os próprios elementos da natureza (mar, céu, montanhas, neve, vento, chuva, etc.) e criá-la em termos de cor e luz.  As cores que mais sobressaem na pintura são o vermelho do pôr do sol que penetra na água e também o navio e o marrom dos corpos e mãos dos escravos.

Nesta pintura o artista usou muitas técnicas características dos pintores românticos. Suas pinceladas indefinidas têm por objetivo fazer com que a imagem pareça borrada, tornando objetos, cores e figuras indistintos, o que leva o observador a introduzir-se na cena através de sua imaginação. Ele expõe a força que a natureza possui e o poder que ela exerce sobre o ser humano.

Ao se deixar guiar pelo tema da obra, o observador poderá concluir enganosamente que o navio que navega em águas abertas ao longe, durante uma tempestade, mostrando a brutalidade humana, seja o ponto principal da composição. Mas não é. O grande astro é o sol poente no centro da tela, fonte de toda a luz, numa junção com o céu e o mar tempestuoso e a aproximação de um ciclone.

Os corpos dos escravos boiam na água em primeiro plano. Alguns são devorados por peixes e monstros marinhos, como mostra a perna vista com a corrente ainda presa ao pé. Gaivotas sobrevoam o local. O artista, um abolicionista, tinha por objetivo impactar o observador com a crueldade humana. Era um chamado à sociedade para ver e sentir a bestialidade da escravidão, pois, apesar de a Inglaterra já ter acabado com tamanha degradação, ela ainda persistia em outros países, inclusive no Brasil.

O livro intitulado “A História da Abolição do Tráfico de Escravos”, obra do escritor Thomas Clarkson, serviu de inspiração para Turner. A obra relata um incidente, ocorrido em 1783, envolvendo um navio negreiro. Como muitos dos escravos a bordo se encontrassem doentes e o pagamento da companhia de seguros do capitão só pagaria pelos perdidos no mar, o capitão exigiu que todos os doentes e moribundos saltassem no mar, acorrentados. O título completo desta obra de Turner é “O Navio Negreiro Jogando ao Mar os Mortos e os Moribundos”.

Convido o leitor a conhece outra obra-prima de Turner, eleita a pintura mais popular da Grã-Bretanha, intitulada Turner – A ÚLTIMA VIAGEM DO TEMERAIRE (link)

Ficha técnica
Ano: 1840
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 91,5 x 122 cm
Localização: Museu de Arte, Boston, EUA

Fontes de pesquisa
Enciclopédia dos Museus/ Mirador
http://britishromanticism.wikispaces.com/The+Slave+Ship
https://strengthoftheheart.wordpress.com/2017/07/26/an-analysis-of-slave-ship-by-
https://www.mfa.org/collections/object/slave-ship-slavers-throwing-overboard-the-

 

 

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CAMINHANTE SOBRE UM MAR DE BRUMAS (Aula nº 79 B)

Autoria de Lu Dias Carvalho

A arte é finita, finitos são o conhecimento e a capacidade de todos os artistas. (Caspar David Friedrich)

  Caspar David Friedrich foi um dos maiores pintores do sublime no paisagismo romântico. (Antony Mason)

  Fecha teu olho corpóreo para que possas antes ver tua pintura com o olho do espírito. Então traz para a luz do dia o que viste na escuridão, para que a obra possa repercutir nos outros de fora para dentro. (David Friedrich)

O pintor e escritor romântico alemão Caspar David Friedrich (1774-1840) era filho de um fabricante de sabão e velas. Estudou com Jens Juel, entre outros, na Academia de Copenhague. A seguir foi trabalhar em Dresden como pintor de cenografia, onde se tornou amigo de muitos pintores do movimento romântico alemão, entre os quais se encontravam Georg Friedrich Kersting e Carl Gustave Carus. Ali retomou a pintura em tela. Foi membro da Academia de Berlim e da de Dresden.

Friedrich apreciava pintar paisagens, mas sem se ater a uma construção objetiva das mesmas. Em vez de criar uma representação objetiva da natureza em seus trabalhos, procurou inserir em suas obras pensamentos e percepções metafísicas experimentadas por ele – um artista contemplativo. É tido como o criador da pintura paisagística alemã. Nutria uma grande reverência pela natureza. Acreditava que ela era dona de um poder grandioso e generosamente permitia ao homem dela desfrutar, mas com reverência.

A composição intitulada Caminhante sobre um Mar de Bruma – também conhecida como Viajante Observa um Mar de Bruma ou Andarilho Acima da Névoa ou ainda montanhista em uma Paisagem de Neblina – é uma obra-prima do artista contemplativo que gostava de retratar a dramaticidade da natureza. Esta pintura é tida como uma das obras mais representativas do Romantismo. Nos últimos dois séculos esta imagem transformou-se num ícone cultural. Tem sido dito que sua pintura traz embutido em si um significado simbólico, embora esse esteja muitas vezes imperceptível. Baseando-se nesta concepção, a pintura acima poderia simbolizar a decaída da esperança na Europa em razão das guerras napoleônicas.

A solitária figura humana – ampliada no que diz respeito à cena – de costas para o observador, encontra-se em primeiro plano, observando a paisagem alpina que se desenrola à sua frente. Parte do céu está coberta por nuvens. Ao fundo, próximo ao horizonte, o céu começa a mostrar-se luminoso.

O homem encontra-se de pé, ereto, sobre um monte de escuras rochas escarpadas. Seu olhar ultrapassa o mar de brumas para se fixar ao longe, onde se erguem montanhas azuladas, semicobertas pelo nevoeiro que começa a dissolver-se. Está vestido com um casaco verde-escuro sobre uma camisa verde-claro e usa botas. Segura uma bengala, apoiada na rocha, com a mão direita, enquanto a esquerda desce sobre o corpo. Seus cabelos dourados estão revoltos pelo vento.

Friedrich apresenta nesta obra uma constante em seu trabalho, que era o ato de contrastar espaços próximos e distantes. Entre a figura humana e o afastado pico ele criou um denso mar de névoa que deixa alguns rochedos sobressaírem-se aqui e acolá, repassando um clima de grande mistério e trazendo uma sensação de isolamento, perda e infinito. A presença do homem é paradoxal, pois ao mesmo tempo em que mostra seu domínio sobre a paisagem, também deixa claro a sua insignificância como ser humano em meio a ela. Ele parece reverenciar a natureza, mas também deixa impressa a sua solidão.

Ficha técnica
Ano: 1817/18
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 98,4 x 74,8 cm
Localização: Hamburguer Kunsthalle, Hamburgo, Alemanha

Fontes de pesquisa
1000 obras-primas da pintura europeia/ Ed. Könemann
Romantismo/ Editora Taschen
https://www.artsy.net/article/artsy-editorial-unraveling-mysteries-caspar-david-friedrichs-

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A JANGADA DA MEDUSA (Aula nº 79 A)

Autoria de Lu Dias Carvalho

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 A pintura atinge e atrai todos os olhos. (Le Journal de Paris).

Nem a poesia nem a pintura conseguirão um dia transmitir o horror e a angústia dos homens na jangada. (Théodore Géricault)

A composição A Jangada da Medusa, também conhecida como A Balsa da Medusa, é uma obra-prima do sensível pintor francês Théodore Géricault (1791-1824), um dos mais famosos artistas do estilo romântico em seu início, na França. Foi inspirada num fato real que diz respeito à fragata Medusa que em 1816 soçobrou na costa da África Ocidental, quando se dirigia ao Senegal. Levava cerca de 400 passageiros a bordo, mas os botes salva-vidas só podiam resgatar 250. Assim, 150 pessoas foram jogadas numa jangada feita às pressas. Dessas, apenas 10 sobreviveram depois de 13 dias perdidas no mar. Vitimados pela fome e sede, dizimaram-se uns aos outros. O fato tornou-se um acontecimento escandaloso, cuja responsabilidade caiu sobre o comandante, um homem arrogante, protegido pelo regime Bourbon.

Géricault fez inúmeros desenhos e esboços a fim de captar melhor aquilo que queria externar. Escolheu para pintar o momento em que os sobreviventes do naufrágio avistam ao longe o pequeno navio mercante Argus, responsável por salvá-los. Para criar sua obra de tom heroico, contatou dois sobreviventes (o médico Savigny e o cartógrafo Corréad) da tragédia, além de ler o livro escrito por ambos. Fez uma maquete de uma jangada em tamanho real a fim de melhor representá-la, dispondo figuras de cera sobre ela. Fez esboços de feridos, moribundos e cadáveres na tentativa de ser fiel à realidade. O artista chegou a visitar um hospital para compreender melhor os detalhes anatômicos humanos, levando uma cabeça cortada e membros do corpo, colhidos num necrotério, para seu atelier. Também fez uso de modelos vivos. A obra tornou-se tão real que é possível ao observador imaginar-se entrando na jangada que ocupa o primeiro plano da tela. A parte dedicada ao mar ganhou pouco destaque.

A obra – pintada quando o artista tinha apenas 27 anos – apresenta um grupo desesperado de pessoas sobre uma jangada feita dos escombros (tábuas, cordas, partes do mastro, etc.) da fragata Medusa, à deriva no mar, em meio a ondas bravias, aguardando socorro. Muitos dos náufragos já se encontram mortos. Apesar da tristeza e do desespero reinante é possível captar o intenso alívio e a emoção do pequeno grupo, à direita, à vista de socorro, o que imbui a obra de grande dramaticidade. O grupo forma uma pirâmide menor. Vale lembrar que os sobreviventes já se encontravam quase mortos e enlouquecidos, mas ainda assim foram pintados como jovens fortes e musculosos.

Corpos sem vida espalham-se por toda a jangada. Um deles em primeiro plano tem a cabeça na água. À esquerda, um pai com um pano vermelho nas costas lamenta a morte do filho, segurando seu corpo nu sobre a perna esquerda, sem mostrar interesse algum pela possibilidade de resgate. Atrás dele, mais ao fundo, um homem segura a cabeça com as mãos, lamentado a própria sorte. O restante dos sobreviventes traz os olhos voltados para a embarcação, ainda minúscula, ao longe, num ato de desespero e esperança, pois eles poderiam não ser vistos. Um homem sobre um caixote tenta levantar o mais alto possível a bandeira, sendo seguro por outro. Abaixo, recostado a um barril, outro homem ergue um pano branco. Outro se volta para trás, para anunciar aos companheiros o que acabara de ver, apontando para o horizonte distante.

À direita um vagalhão em forma de pirâmide ameaça a jangada, contrapondo-se à vela. A natureza mostra sua força através da vela inflada pelo vento e pelos movimentos tempestuosos do mar. Ainda assim, raios de luz entrecortam as nuvens, como se trouxessem um vestígio de esperança. A presença de um machado com sangue na cena, em primeiro plano, é uma referência ao canibalismo relatado pelos sobreviventes. A presença de uma figura em silhueta com o braço em perspectiva eleva os olhos do observador da parte baixa da embarcação para o topo dramático formado pelo pequeno grupo que tenta chamar a atenção do Argus.

O artista usou duas pirâmides para fazer sua obra. A primeira é formada pelas cordas que seguram a vela. A segunda é feita pelas figuras humanas, tendo na bandeira o ápice. Ela traz na sua base os doentes e agonizantes até chegar ao grupo que aguarda o resgate, ou seja, vai da agonia à esperança.  Uma melancólica e dramática paleta de cores, em que predominam os tons de carne está presentes nos corpos pálidos postados nas mais diferentes posições. Através do claro-escuro do estilo Caravaggio, eles recebem um destaque pungente. Tons quentes contrastam com o azul escuro do oceano em fúria, debaixo de um céu de nuvens revoltas, mas bem mais claro. O tom escuro da pintura parece fortalecer a desdita tenebrosa das vítimas. Uma infinidade de influências de artistas anteriores é vista na obra.

Há no conjunto desta obra, considerada um clássico do Movimento Romântico, movida por uma brutal e intensa paixão, muitos movimentos complexos e gesticulação. Sua estrutura é piramidal e tem no mastro o seu ápice. Antes de criá-la, o artista fez cerca de cinquenta estudos. A inclusão de um negro segurando a bandeira vermelha e branca serviu de elemento polarizador, ao trazer para a discussão o movimento abolicionista defendido pelo artista. Géricault criou esta pintura com o objetivo de repassar uma mensagem ao povo. Ainda sob o calor do terrível acontecimento, ela se tornou logo famosa, ganhando aplausos da crítica e do público. Foi mostrada no Salão de 1819, com o título “Cena de um Naufrágio”, sendo mal recebida. O júri não lhe concedeu nenhuma láurea. Em razão do boicote a seu trabalho, o artista foi a seguir para a Inglaterra, a convite, onde permaneceu dois anos. Só foi vendida após a morte prematura do artista, quando tinha 32 anos, ao amigo Dedreux-Dorcy.

A pintura, vista antes como um panfleto contra o governo, foi mudando aos poucos o seu enfoque diante do realismo e da comoção produzida, pois os fatos que se escondem por trás dela são ainda mais cruéis. A crítica política ficou em segundo plano, e o sofrimento humano, ou seja, a vida humana abandonada à própria sorte, passou a ocupar o primeiro lugar. Embora se trate de uma das primeiras pinturas do Movimento Romântico, com sua obra Géricault vislumbrou a chegada do Realismo, assim como o uso da mídia como uma ferramenta política.

Obs.: Esta pintura vem se degradando com o tempo, já tendo perdido muitas partes dos detalhes originais. O próprio pigmento (betume) utilizado pela artista tem contribuído para isso, sem possibilidade de restauração.

Ficha técnica
Ano: 1818
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 491 x 716 cm
Localização: Museu do Louvre, Paris, França

Fontes de pesquisa
Enciclopédia dos Museus/ Mirador
1000 obras-primas da pintura europeia/ Könemann
Arte em Detalhes/ Robert Cumming
http://www.louvre.fr/en/oeuvre-notices/raft-medusa
http://estoriasdahistoria12.blogspot.com.br/2013/08/a-jangada-da-medusa
http://www.artble.com/artists/theodore_gericault/paintings/the_raft_of_the_medusa

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UM NOVO ESTILO – ROMANTISMO (Aula nº 79)

Autoria de Lu Dias Carvalho

Nesta nossa viagem pela História da Arte já passamos por diferentes épocas da história da humanidade.  Iniciamos pela Pré-História (Período Paleolítico/ Período Neolítico/ Idade dos Metais). Seguimos depois pela Antiguidade, quando nos defrontamos com a arte do Mundo Antigo (Egito/ Grécia/ Roma) e fechamos esse portal do tempo com a Arte Bizantina. Na Idade Média tivemos contato com dois importantes estilos: Românico e Gótico. Na Idade Moderna travamos contato com os seguintes estilos: Renascimento, Maneirismo, Barroco e Rococó. Adentramos na Idade Contemporânea — esta em que vivemos e que se iniciou no século XVIII, continuando até os nossos dias —, responsável por um grande leque de estilos que se abre maravilhosamente diante de nós. Iniciamos nossa viagem pelo estilo conhecido como Neoclassicismo e hoje vamos conhecer o Romantismo.

O Romantismo foi um estilo ligado às artes que teve início no final do século XVIII e atingiu sua plenitude no início do século XIX. Nasceu da visão dos filósofos alemães — Immanuel Kant, Karl Schlegel e George Hegel —, para os quais o mundo interior do artista era a essência da esfera romântica. Para tal visão contribuíram certas precondições filosóficas, políticas, sociais e artísticas, existentes à época, que puseram em primeiro plano a imaginação individual e a criatividade, sem que essas ficassem atreladas a quaisquer impedimentos. O movimento romântico carregava em si uma visão emotiva e intuitiva em oposição ao tratamento comedido e racional que se dava ao “clássico”.  

A reação ao racionalismo iluminista do século XVIII foi em parte responsável pelo surgimento do Romantismo. Os pensadores do Iluminismo haviam tentado encontrar uma ordem racional que fosse capaz de eliminar as superstições e os ideais religiosos que se espalhavam pelo mundo do pensamento inteligente, o que acabou não se concretizando, resultando numa grande desilusão, uma vez que o caos e as guerras continuavam existindo. Isso acabou ajudando a estimular o novo estilo.

Outro fator responsável pelo desenvolvimento do Romantismo foi a Revolução Industrial europeia que deu início a um período de caos social, despertando nas pessoas um sentimento de impotência diante das forças antinaturais da mecanização que se fazia cada vez mais presentes. O Romantismo acabou fazendo com que essa frustração desaguasse na relação especial do homem com a natureza intocada, selvagem e inculta, como expôs o teórico francês Jean-Jacques Rousseau e como externou o pintou J.M.W. Turner em sua tela denominada “Vapor numa Tempestade” que veremos mais à frente.

Os românticos objetivavam fazer reaparecer o lado espiritual e fantástico da Idade Média, fundamentalmente moderno, sob a alegação de que esse fora corrompido pela regressão pagã do Renascimento materialista. As ideias relativas ao Romantismo espalharam-se por toda a Europa, mas França, Alemanha, Suíça e Grã-Bretanha abraçaram-nas com paixão. A arte dos Estados Unidos — principalmente a pintura de paisagem — também sofreu grande influência deste estilo que, ao se interessar pela Idade Média, contribuiu em grande escala para o ressurgimento da arte pré-rafaelista por parte dos nazarenos alemães, retomando o interesse pelo gótico na arquitetura, principalmente na Inglaterra.  A escultura foi enriquecida com a representação de animais e foi menos afetada pelas diretrizes românticas — ao contrário da pintura que era tida à época como uma arte totalmente antirromântica.

O termo “romântico”, usado livremente para referir-se a uma visão saudosista do passado, ganhou intensidade com o renascimento vigoroso do estilo Gótico na arquitetura, sobretudo na Inglaterra. Porém, no final do século XVIII, um grupo de autores alemães passou a fazer uso de tal termo, dando-lhe um sentido diferente, ou seja, como o oposto do Classicismo, no que dizia respeito aos valores tradicionais. Enquanto o Classicismo valorizava a razão e a ordem, o Romantismo prezava o poder da imaginação, as emoções e o individualismo.

Na França havia uma disputa entre românticos e classicistas. Enquanto os primeiros — liderados por Eugène Delacroix — eram coloristas e suas obras muitas vezes pareciam inacabadas, os segundos — liderados por Jean-August-Dominique Ingres — viam no traço e no acabamento esmaltado os dois pontos mais importantes da arte. Por sua vez os nazarenos (grupo de pintores românticos alemães do início do século XIX que pretendiam reviver a honestidade e a espiritualidade na arte cristã, e cujo nome nasceu como zombaria em razão de sua afetação do modo de usar roupas e estilo de cabelo segundo o modo bíblico) na Alemanha, inspiravam-se no passado, mas não se atinham às normas acadêmicas impostas pelo Neoclassicismo — estilo anterior. Outro ponto em que clássicos e românticos diferiam era na criação de paisagens. Os primeiros trabalhavam a natureza de modo que essa se adequasse a suas composições ordenadas, enquanto os últimos retratavam-na selvagem e afoita.  

Os valores queridos aos românticos podiam ser vistos de diferentes maneiras: opção por mostrar o indivíduo opresso pelas forças da natureza; o individualismo ancorado no espírito de revolta; levantes populares contra o Estado dominante; e os movimentos nacionalistas. Eles trabalhavam com um grande leque de temas: horror, violência, loucura, sobrenatural, ideias exóticas, visionárias e místicas. Era comum que reproduzissem cenas históricas ou lendárias referentes à Idade Média. O movimento romântico apregoava a exacerbação das emoções, a agitação da psicologia humana e a força incontida da natureza, capaz de sobrepor à da própria humanidade, como mostra a pintura do artista francês Theodore Géricault, intitulada “A Jangada da Medusa” que também veremos mais à frente.

O Romantismo foi muito mais uma questão de ponto de vista, o que torna quase impossível analisá-lo em termos de conjunto de características. No entanto, podem ser citadas algumas tendências pictóricas predominantes, como a extrema linearidade dos alemães e a acentuada “pictorialidade” dos franceses. Alguns artistas também mostraram grande interesse pela cor, quer seja por seu potencial vibrante, quer seja pela criação de efeitos vibrantes. No que diz respeito à pintura histórica, essa deixou para trás sua supremacia moral vista no estilo Neoclássico, passando a fundir-se, muitas vezes, à pintura de gênero. Por sua vez a paisagem alcançou seu auge, sendo tida por muitos como a mais importante forma de arte do novo estilo. O Romantismo passou a dar lugar aos realistas nos anos 1840, quando esses passaram a retratar o presente com uma visão menos afeita à emotividade.

Ilustração: A Liberdade Guiando o Povo, 1830, Delacroix

Fontes de pesquisa
Tudo sobre arte/ Editora Sextante
Manual compacto de arte/ Editora Rideel
A história da arte/ E. H. Gombrich
História da arte/ Folio
Arte/ Publifolha

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Teste – A ARTE DO NEOCLASSICISMO (Aula nº 78)

Autoria de Lu Dias Carvalho

O Neoclassicismo foi um estilo de arte que dominou o fim do século XVIII, indo até o início do século XIX. Ao contrário do que acontece com a maioria dos estilos de arte, o impulso inicial para o seu surgimento não veio de artistas, mas sim de pensadores (filósofos) — os portadores do “Iluminismo” na França. Nomes como Denis Didorot e Voltaire lideraram o movimento, ao fazer críticas ao relaxamento moral do estilo Rococó e, consequentemente, ao regime que o abrigava. Exigiam uma arte que fosse racional, moral e intelectualizada. Achavam que um reexame das artes da Antiguidade traria novos ares às normas criativas que vigoravam até então. Tais exigências podiam ser encontradas na cultura do mundo clássico.

  1. A Europa Ocidental do final do século XVIII retomou a cultura clássica com o objetivo de:

    1. Buscar afinidade com os deuses da mitologia.
    2. Reviver o ideal de beleza em detrimento da realidade.
    3. Buscar inspirações na história, literatura e mitologia.
    4. Fazer vigorar as leis do Renascimento.

  2. Ao retomar o estilo greco-romano, o Neoclassicismo objetivava:

    1. Adaptar os princípios clássicos à modernidade.
    2. Retornar ao estilo greco-romano, fazendo uso de técnicas apuradas.
    3. Cultuar a Teoria de Aristóteles e o ideal de democracia.
    4. Todas a alternativas estão corretas.

  3. O termo “academicismo” surgido à época significava:

    1. Liberdade no ensino artístico nas academias de arte europeias.
    2. Adoção dos princípios da arte greco-romana apenas na pintura.
    3. Obediência estrita nas artes, seguindo os preceitos acadêmicos.
    4. Retorno aos princípios do Barroco e do Rococó.

  4. São características da arte Neoclássica na arquitetura, exceto:

    1. O uso de formas regulares simétricas e geométricas.
    2. Edificações com cúpulas monumentais, pórticos com colunas.
    3. O uso de materiais nobres como mármore, granito e madeira.
    4. Busca de efeitos teatrais causados pelo uso de luz e sombra.

  5. O Neoclassicismo deixou de lado a temática religiosa. Contribuíram par isso, exceto:

    1. A Revolução Francesa.
    2. A ruptura com o Absolutismo.
    3. A Segunda Guerra Mundial.
    4. A nova percepção de mundo surgida com o Iluminismo.

  6. São afirmações corretas acerca da pintura neoclássica, menos:

    1. Não abandonou a estética barroca.
    2. Tornou-se clara e simples.
    3. Passou a retratar a vida cotidiana.
    4. Fez uso de cenas mitológicas e históricas.

  7. Trata-se de um dos mais brilhantes pintores do estilo Neoclássico, considerado o “Pintor da Revolução Francesa”:

    1. Foucout
    2. Jaques-Louis David
    3. Jean-Auguste-Dominique Ingres
    4. John Flaxman

  8. A pintura mais famosa do pintor acima, tida como a primeira obra-prima do Neoclassicismo, chama-se:

    1. O Juramento dos Horácios
    2. A Morte de Marat
    3. A Apoteose de Virgílio
    4. A Morte de Sócrates

  9. A escultura neoclássica tinha como características, exceto:

    1. Predominância de formas mais naturais.
    2. Abandono quase completo da policromia.
    3. Contorcionismo e dramaticidade como nas esculturas barrocas.
    4. Princípios de ordem, clareza, austeridade e equilíbrio.

  10. A edificação neoclássica (ilustração acima) que atualmente serve como cemitério de homens ilustres como Voltaire e Rousseau chama-se:

    1. Partenon
    2. Panteão Romano.
    3. Duomo
    4. Panteão de Paris.

Gabarito
1.c / 2.d / 3.c / 4.d / 5.c / 6.a / 7.b / 8.a / 9.c / 10.d

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