TRÊS DE MAIO EM MADRI (Aula nº 79 D)

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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 Eu pinto estas obras para ter o gosto de dizer eternamente aos homens que não sejam bárbaros. (Goya)

 Esta é a primeira grande obra que se pode chamar revolucionária em todos os sentidos do termo, no estilo, no tema e na intenção. (Kanneth Clark)

 O pintor Francisco José de Goya y Lucientes (1746-1828) foi um dos grandes nomes da pintura espanhola ao lado de Diego Velasquez. A família de Goya pertencia à classe média baixa, o que significava que levava uma vida de dificuldades sendo que dois de seus filhos mais novos morreram ainda pequenos. Ainda muito novo Goya deu início à sua formação artística, frequentando uma escola de desenhos, onde ficou conhecendo o pintor José Luzán que o levou a copiar os trabalhos mais importantes dos grandes mestres do passado. O escritor, jornalista, filósofo e crítico de arte espanhol Eugeni d’Ors definiu o pintor: “Goya é um fenômeno extraordinário. É o artista que a opinião universal qualifica como revolucionário, o renovador audaz, cujos arrojos de conceito e de técnica serviram mais tarde como exemplo e modelo, nunca tornado obsoletos, a sucessores dispersos nos ambientes mais longínquos e livres ao longo de um século e meio de mudanças de gosto, de renovações de escolas”.

Esta composição, também conhecida como o Fuzilamento de Moncloa, retrata um dos trágicos acontecimentos da vida do povo espanhol, perpetrado pelas forças napoleônicas. Goya mostra, com patriotismo e revolta, o sofrimento de seu povo durante a invasão francesa. Um grupo de cerca de cem espanhóis mal vestidos, muitos deles inocentes, foi executado numa colina fora da cidade. O grupo que se amotinou contra os invasores franceses foi preso no dia anterior e fuzilado no dia seguinte, na madrugada do dia 3 de maio.

O massacre ocorreu ao entrar as primeiras horas do novo dia. Ainda reinava a escuridão. O céu que compõe quase um terço da composição está impiedosamente escuro, sem a presença da lua ou de estrelas, destacando ainda mais o clima de pavor. Uma enorme lanterna colocada no chão joga luz sobre os condenados que esperam a vez de serem executados. Um personagem ajoelhado, vestido com uma camisa branca, aberta no peito, levanta os braços heroicamente, semelhante ao Cristo crucificado, à espera do golpe fatal. Na palma de sua mão direita há também um estigma. Sua expressão dramática é ao mesmo tempo desafiadora.

Os condenados estão conscientes do próprio fim. Todo horror é exposto através de seus gestos. Um deles levanta o rosto para os céus, enquanto cerra os punhos, numa expressão de resignação. Alguns parecem rezar, enquanto outros tapam os olhos, numa impiedosa impotência. Um dos condenados é um frade franciscano que se encontra ajoelhado com as mãos unidas em oração. Outro grupo, à esquerda dos que se encontram em frente ao pelotão de fuzilamento, espera a sua vez de ser executado. O clima entre eles é o mesmo. Tapam os olhos, ajoelham-se e rezam. Um deles, ao lado do personagem de camisa branca, morde os dedos, enquanto seu rosto expressa um grande terror.

Goya colocou carrascos e vítimas a poucos passos uns dos outros para ampliar o clima de tensão. Ao contrário do pelotão de fuzilamento, visto em completa ordem, as vítimas estão em grande desalinho. E, excetuando o vermelho do sangue das vítimas e o branco da camisa de uma delas, as cores da composição são sombrias, acentuando a barbaridade da cena. À direita do grupo prestes a ser fuzilado estão empilhados no chão os corpos dos rebeldes que já foram executados. Uns se encontram de bruços, outros de costas. Um deles, com o rosto voltado para o observador, com um grande buraco na testa, tendo sido atingido na cabeça, jaz numa enorme poça de sangue. Seus olhos estão fechados e sua boca aberta.

Os soldados franceses com suas baionetas, perfilados de costas para o observador, todos representados na mesma postura, são mostrados como fantoches, não sendo possível ver-lhes o rosto. A imobilidade deles contrasta com o horror estampado nas vítimas. Eles usam sobretudo de modelos iguais, mas de cores diferentes. Goya pintou-os assim porque eram feitos de lã tingida que ia mudando de cor com o tempo. Seus sabres de cabo reto quase tocam o chão. Nos fuzis estão acopladas baionetas. As lâminas eram usadas caso as vítimas não morressem imediatamente ao fuzilamento. Os olhos do observador são atraídos pelo homem com roupas mais coloridas para depois se desviar para os demais.

O quadro de Goya transcende os acontecimentos da época, pois traz uma visão universal da crueldade que pode existir entre seres humanos em quaisquer que sejam os tempos e culturas. Esta obra foi pintada seis anos depois dos acontecimentos funestos. Veio a público depois de permanecer 40 anos num depósito.  É ainda hoje uma das mais famosas pinturas mostrando os horrores da guerra. Faz par com O 2 de Maio de 1808, do mesmo pintor.

Ficha técnica
Ano: 1814
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 266 x 345 cm
Localização: Museu do Prado, Madri, Espanha

Fontes de pesquisa
Goya/ Coleção Folha
Goya/ Abril Coleções

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6 comentaram em “TRÊS DE MAIO EM MADRI (Aula nº 79 D)

  1. Marinalva Autor do post

    Lu
    “Três de Maio em Madri”, pintura histórica, estilo romântico, é uma bela obra-prima do pintor espanhol Francisco Goya (1746 – 1828). A revolta espanhola sofreu uma repressão muito violenta, como nos mostra o artista. Ele vai direto ao assunto. O emprego da luz e os contrastes fortes retratam fielmente os algozes e suas vítimas e nos leva à reflexão sobre a violência e os horrores da guerra, o sofrimento, a crueldade, a repressão, os instintos piores que existem no ser humano. É uma pintura sombria que transmite muita tristeza, mas que ao mesmo tempo nos faz refletir sobre o tema que ele retratou com tanta maestria. Só de olhar já entendemos tudo o que ele quis nos dizer. Fantástica!

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    1. LuDiasBH Autor do post

      Marinalva

      Goya realmente retratou com exatidão “os algozes e suas vítimas e nos leva à reflexão sobre a violência e os horrores da guerra, o sofrimento, a crueldade, a repressão, os instintos piores que existem no ser humano”. O mais triste é pensar que tudo isso nasce da ambição pelo poder. A espécie humana parece não ter jeito. Em todos os tempos nós nos deparamos com governantes cruéis. Enquanto houver artistas como Goya, eles serão lembrados pela história em função da maldade perpetrada.

      Abraços,

      Lu

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  2. Hernando Martins

    Lu

    Que obra extraordinária é essa! O grande artista romântico espanhol,Francisco de Goya, utiliza sua obra para denunciar a insurreição do povo espanhol contra as atrocidades do exército de Napoleão Bonaparte que tinha invadido a Espanha, nesse período da história. A obra apresenta soldados de costas, fuzilando um grupo de resistentes, defensores da liberdade. Ao fundo predominou o tom escuro e, com muita luminosidade, o artista mostra pessoas sendo massacradas. Destaca-se um homem alto de branco e amarelo,com os braços abertos, fazendo os mesmos gestos de Cristo, simbolizando uma postura de grandeza e desprendimento diante da vida e em prol da liberdade humana.

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    1. LuDiasBH Autor do post

      Hernando

      São obras como esta que nos mostram o quanto o homem pode ser perverso na luta pelo poder e status. Napoleão foi um dos muitos que existiram (e continuam existindo) na história da humanidade, cuja crueldade superou todos os limites. O Romantismo permitiu que verdades como essa ficassem gravadas através da pintura, como vimos com outras obras aqui. É uma pena que no nosso tempo a pintura perdeu essa postura de denúncia.

      Abraços,

      Lu

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  3. Adevaldo R. Souza

    Lu

    Espantoso esse quadro de Francisco José de Goya y Lucientes em que o artista mostra simpatia pelas ideias liberais. O projeto inicial napoleônico era conquistar toda a Europa, sendo a Espanha e Portugal países fundamentais para viabilizar esse projeto. À época existia uma pedra no sapato do ditador Bonaparte: a Inglaterra, que cobrou a preço de ouro pela proteção aos portugueses, pago com os recursos naturais vindos do Brasil. Chamou minha atenção na composição de Goya o personagem de camisa branca com braços levantados em forma de cruz, desafiando os soldados e mostrando ao observador seu estigma de mártir. Não sei se foi essa a intenção do artista.

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    1. LuDiasBH Autor do post

      Adevaldo

      O texto diz: “Um personagem ajoelhado, vestido com uma camisa branca, aberta no peito, levanta os braços heroicamente, semelhante ao Cristo crucificado, à espera do golpe fatal. Na palma de sua mão direita há também um estigma. Sua expressão dramática é ao mesmo tempo desafiadora.”

      Sim, essa foi a intenção do artista em sua comovente composição. Nosso ouro foi então para os cofres da Inglaterra, a mando da família real portuguesa, para proteger Portugal. E não foi pouco!

      Abraços,

      Lu

      Responder

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