Arquivo da categoria: História da Arte

O mundo da arte é incomum e fascinante. Pode-se viajar através dele em todas as épocas da história da humanidade — desde o alvorecer dos povos pré-históricos até os nossos dias —, pois a arte é incessante.

PINTURAS RUPESTRES E ESCULTURA (Aula nº 7)

Autoria de Lu Dias Carvalho

                  

Antes mesmo da invenção da escrita, acontecida por volta de 4.000 a. C., o homem já produzia arte. Até agora as pinturas e desenhos mais antigos encontrados datam do Período Paleolítico, também conhecido como Idade da Pedra Lascada, quando os instrumentos usados eram de pedra lascada, osso e madeira. As pinturas “rupestres” — termo que intitula as representações artísticas pré-históricas criadas em paredes, tetos e outras superfícies de cavernas e abrigos rochosos ou mesmo sobre superfícies rochosas ao ar livre —, portanto, são o exemplo do vestígio humano mais antigo, tendo varado muitas eras até chegar aos nossos dias. A pintura rupestre mais antiga do mundo, com cerca de 73 mil anos de idade, descoberta até agora, foi encontrada na caverna Blombos, na África do Sul.

A arte rupestre pode ser dividida em dois tipos: pintura rupestre — composta por pinturas feitas com pigmentos nas paredes e em outros espaços; gravura rupestre — imagens feitas com incisões na própria pedra. É possível encontrar registros dessa arte espalhados por todo o planeta. Algumas pinturas e gravuras mais bem preservadas estão localizadas em Portugal, Itália, França, Alemanha, Sibéria, Balcãs (norte mediterrâneo da África), Espanha e Austrália. No Brasil, o Parque Nacional da Serra da Capivara no Piauí (Nordeste) abriga o maior e mais antigo acervo rupestre da América e o Parque Nacional do Catimbau em Pernambuco (Nordeste) também possui registros de pinturas rupestres, sendo ao todo 27 sítios arqueológicos só nessa região. Esse parque é considerado o segundo maior do Brasil. Além dos sítios mencionados, existem muitos locais no Brasil e no mundo com registros de arte rupestre e, sem dúvida, muitos outros ainda não descobertos (ilustração à direita).

Mesmo os arqueólogos, ao depararem-se com as pinturas rupestres, tiveram dificuldades para acreditar que muitas daquelas representações (imagens de bisões, mamutes ou renas) criadas com tanto realismo, imitando a natureza, pudessem remeter à última Era Glacial. Contudo, ao encontrarem objetos rudimentares feitos de ossos nesses locais, concluíram que as pinturas tinham sido gravadas ou pintadas por homens que, por serem caçadores, conheciam bem aqueles animais. Usavam cores vibrantes para pintá-las, feitas a partir de gordura e sangue de animais, vegetais, argila e carvão das fogueiras. Eram pintadas com pincéis toscos feitos de pelos de animais, soprando com a boca ou fazendo uso dos próprios dedos. O homem do Período Paleolítico também criou esculturas em pedra, cuja maioria trazia a figura feminina estilizada.

Muitas pessoas especulam sobre qual é o real motivo de alguém ter se arrastado até as escuras entranhas da terra — em muitos casos — e ali deixar sua obra. O certo é que ninguém empreenderia uma viagem tão perigosa apenas para ornamentar esse local. Segundo a compreensão do Prof. E. H. Gombrich em seu livro “A História da Arte”, “A explicação mais provável para essas pinturas rupestres ainda é a de que se trata das mais antigas relíquias da crença universal no poder produzido pelas imagens: dito em outras palavras, parece que esses caçadores primitivos imaginavam que, se fizessem uma imagem de sua presa — e até a espicaçassem com suas lanças e machados de pedra — os animais verdadeiros também sucumbiriam ao seu poder”. Sua análise baseia-se no uso da arte entre os povos primitivos do nosso tempo que ainda vivem em conformidade com seus antigos costumes, ou seja, que vinculam à maior parte de sua produção artística a ideias semelhantes sobre o poder das imagens. Há também aqueles que dizem ser elas o resultado de ervas alucinógenas.

Exercício:

  1. O que são pinturas rupestres e como se subdividem?
  2. Quais são os dois principais parques de arte rupestre no Brasil?
  3. Suponhamos que você seja um daqueles que deixaram sua pintura na caverna de Blombos, na África do Sul. O que o levou a fazer isso?

Ilustração: 1. Pinturas rupestres no Parque Nacional da Serra da Capivara; 2. Vênus de Willendorf ou Mulher de Willendorf encontrada na Áustria.

Fonte de pesquisa:
A História da Arte/ E. H. Gombrich
Manual Compacto da Arte / Editora Rideel
https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/artes/arte-rupestre

Views: 41

TUDO TINHA FINALIDADE (Aula nº 6)

Autoria de Lu Dias Carvalho

                                                    (Clique nas imagens para visualizá-las melhor)

Não se sabe como a arte teve origem. O que se tem como certo é que nenhum povo jamais se privou de ter a sua própria arte. Sabe-se também que a visão que se tem hoje sobre arte (artigo de museus, objeto de exposições ou decorações, etc.) diz respeito a um desenvolvimento relativamente recente na história da humanidade, uma vez que no passado a arte era meramente utilitária. As pinturas e as estátuas, por exemplo, não eram vistas como meras obras de arte, mas, sim, como objetos com uma função utilitária específica. Quanto mais a humanidade retroceder em sua história, mais evidentes (e muitas vezes bizarras) serão as provas das funções definidas encontradas nas obras de arte de tempos atrás.

Em muitas partes do nosso planeta é possível encontrar povos cujo modus vivendi ainda é muito semelhante ao de nossos ancestrais bem distantes, conhecidos como povos “primitivos”. Contudo, a palavra “primitivo” não significa que sejam inferiores ao homem atual, mas, sim, que se aproximam mais do estado em que, num determinado momento, a humanidade teve origem. Para os povos primitivos todas as coisas criadas possuíam uma utilidade, uma serventia. As imagens (estatuetas), por exemplo, tinham por objetivo protegê-los contra os poderes da magia que consideravam tão real quanto as forças da natureza, as quais reverenciavam. Assim, tanto as pinturas quanto as estátuas estavam ligadas à magia. Aos povos primitivos não importava a beleza de sua criação, mas apenas que ela cumprisse uma determinada finalidade.

Algo que parece inverossímil para muitos de nós é a crença que possuíam os povos primitivos de que aquilo que se impingia à representação de uma pessoa era também transmitido ao indivíduo representado. É impossível dizer que não haja culturas — mesmo nos dias de hoje — na quais não exista a presença de feiticeiros, videntes, pajés e bruxos, Algumas delas usaram (ou ainda usam) pequenas imagens do inimigo para dele se vingar, como faziam nossos remotos antepassados.  O Vodu — crença surgida no século 4 a.C —, por exemplo, usa os famosos bonecos espetados tanto como amuletos para atraírem a sorte, saúde, dinheiro e amor, como também para afastar alguém, só que o fato de espetar as agulhas no suposto inimigo não o faz sentir dor, como apregoa o cinema de terror. Não seria a “Queima de Judas” também um remanescente de tais superstições a prevalecer em nossos dias?

O Prof. E. H. Gombrich em seu livro “A História da Arte” conta que de uma feita um artista europeu, ao visitar uma aldeia africana, ali fez desenhos de animais domésticos em suas anotações, o que deixou seus habitantes confusos e nervosos. Eles achavam que o artista, ao levar os desenhos consigo na volta para seu país,  também estaria levando os animais da aldeia, ou seja, a mera representação desses já era capaz de transportá-los para um lugar diferente. Ao tomarmos conhecimento de fatos como este, a nossa compreensão sobre as pinturas antigas e estatuetas de nossos antepassados que resistiram bravamente ao tempo, ficam imbuídas de um maior significado e também nos faz mais compreensivos em relação à arte daquele tempo.

Exercícios

1. Qual a diferença entre a arte primitiva e a arte de nossos dias?
2. Como você explica o uso da palavra “primitivo” na arte?
3. Que objetivo possuíam os povos primitivos em relação às suas criações?

Ilustração: Arte no Paleolítico e Neolítico.

Fonte de pesquisa:
A História da Arte/ E. H. Gombrich

Views: 2

ARTE CRISTÃ E O PRECONCEITO (Aula nº 5)

Autoria de Lu Dias Carvalho

     arte12   arte1234

A imagem de Cristo com seus cabelos longos e loiros, pele branca e grandes olhos azuis, mesmo sendo um galileu, está tão enraizada na mente dos cristãos que a grande maioria deles se esquece de que nada se encontra na Bíblia que se refira à aparência física de Jesus. Os Evangelhos não o descrevem.  Segundo Isaías, é possível dizer que Cristo era feio, mas o Salmo 45 refere-se a ele como “a mais bela das crianças dos homens”. Na arte vista nas catacumbas Cristo era representado por figuras simbólicas: o monograma formado pelas duas primeiras letras de seu nome grego (Kristos), o peixe, o cordeiro, o pescador de almas, o Bom Pastor.

As imagens conhecidas hoje tratam, na verdade, de meras criações dos artistas do passado que tiveram como fonte unicamente a imaginação. Apesar disso, qualquer mudança nas imagens tradicionais leva muitos religiosos a qualificar o artista como ímpio e profanador. Como veem os leitores, é nas pinturas bíblicas que residem os mais arraigados preconceitos. Não se aceita que outros artistas possam ter uma visão diferenciada da que tiveram os do passado, num impiedoso conservadorismo. O Prof. E. H. sempre afirmava que “Não existe maior obstáculo à fruição de grandes obras de arte do que a nossa relutância em descartar hábitos e preconceitos”.

O grande mestre italiano Caravaggio (1571–1610) foi vítima de uma dessas formas de preconceito que ocasionou, na sua época, um grande escândalo, quando recebeu a encomenda de um quadro de São Mateus — um dos quatro evangelistas — que deveria ornamentar o altar de uma igreja romana. Na sua obra o santo deveria ser representado enquanto escrevia o Evangelho.  O objetivo do quadro era ensinar aos fiéis que os Evangelhos eram a palavra de Deus e, para que a composição ganhasse maior veracidade, um anjo deveria também estar representado na obra, como fonte de inspiração para a escrita do evangelista.

Caravaggio representou São Mateus como se fosse um velho e pobre trabalhador (ilustração à direita), já com a cabeça calva, a testa enrugada, denotando preocupação e dificuldade na escrita, com os pés descalços e sujos de terra, ou seja, em sua real condição humana, inclusive sem o uso da auréola que denotaria sua santidade. O santo escreve com o caderno escorado sobre a perna esquerda na falta de uma mesa. A seu lado, o artista pintou um anjo que docemente conduz sua mão, ajudando-o a contornar a dificuldade encontrada na transposição do Evangelho para o papel, tarefa  que lhe parece árdua. Observem que o anjo não desce do céu, mas se encontra humildemente no chão, recostado ao santo, numa atitude bem infantil.

Após a entrega da obra encomendada, Caravaggio foi duramente criticado por autoridades eclesiásticas e pessoas de alto poder aquisitivo que viram na sua pintura uma total falta de respeito para com a Igreja e para com o evangelista. A obra foi imediatamente devolvida ao pintor, cabendo-lhe a incumbência de pintar outra com a mesma temática. O artista prontamente obedeceu, pois precisava do dinheiro.

Na segunda pintura de Caravaggio, São Mateus encontra-se bem vestido, embora descalço, empunhando com facilidade a pena e um pouco surpreso com o anjo que vem do alto e que não o toca, como se interrogasse sobre qual seria o motivo de ele se encontrar ali. Agora ele escreve sobre uma enorme mesa, tendo a perna esquerda recostada num banco. Sua cabeça está cingida por um halo para demonstrar a sua divindade. Enquanto o anjo do primeiro quadro parece ensinar o santo a escrever, o do segundo parece apenas lhe dar explicações sobre os assuntos teológicos, enumerando-os com os dedos. A nova pintura foi plenamente aceita.

A humildade e a compaixão estão bem mais visíveis na primeira composição de Caravaggio, enquanto na segunda o que se destaca é a surpresa com a chegada do anjo, como se a sua presença fosse desnecessária. Portanto, o primeiro quadro suplanta o segundo em sensibilidade, energia, amor e verdade. Enquanto na primeira obra o belo alia-se à simplicidade e à pobreza do retratado, na segunda o belo diz respeito à sua condição de homem bem vestido e versado nas escrituras.

Exercícios

1. Por que é nas representações bíblicas que residem os mais arraigados preconceitos?
2. Muitos artistas representam Cristo de acordo com a sua própria raça (negra, asiática, indígena, etc). O que você pensa sobre isso?
3. Qual dos dois quadros mais o emociona? Por quê?

Fontes de pesquisa:
A História da Arte/ E. H. Gombrich
Cristo na Arte/ Manuel Jover

Views: 2

ARTE E IDEIAS PRECONCEBIDAS (Aula nº 4)

Autoria de Lu Dias Carvalho

Nós, humanos, temos o péssimo hábito de achar que as pessoas e as coisas devem ser exatamente como imaginamos ou queremos que sejam, esquecendo-nos de que cada um de nós se encontra num grau espiritual ou cultural diferente do outro, ou vê a vida por um prisma muito diferente. O indivíduo que se encontra num patamar mais elevado é o responsável pela descida de alguns degraus em direção à compreensão do outro. Ao invés de impor seus argumentos, deve primeiro entender o porquê de o outro pensar assim ou assado, para depois contestar ou aceitar seus argumentos.

O nosso pensamento relativo à arte não é diferente. Basta acompanharmos a mudança de seus estilos através dos tempos para sermos capazes de compreender a intolerância que críticos de arte e público tiveram em relação às mudanças perpetradas na sua longa caminhada até os nossos dias, quer fossem elas relativas a formas, cores, elementos utilizados, etc. Um exemplo interessante e bem ilustrativo diz respeito à descrição de cavalos a galope na arte, tempos atrás, quando os olhos do artista,  incapazes de captar a velocidade desses animais, descrevia-os como julgavam ser.

As pinturas e gravuras esportivas, até antes de as máquinas fotográficas captarem com precisão os cavalos galopando velozmente, mostravam-nos como os vistos na composição ilustrativa acima, trazendo as pernas dianteiras e traseiras esticadas ao mesmo tempo, o que não tinha nada a ver com a realidade, fato este até então desconhecido dos artistas e do público. Pensando bem, se esses animais se movessem como na pintura acima, estariam a voar ou se estatelariam com a barriga no chão.  

Após a comprovação sensacional da fotografia, ao mostrar que os cavalos movem suas pernas alternadamente em razão do impulso seguinte e cientes de tal informação, os artistas passaram a aplicar em suas obras a nova descoberta. No entanto, tal mudança redundou em reclamações por parte do público ignorante e desatualizado sobre a descoberta fotográfica, passando a criticar enfaticamente as mudanças introduzidas, dizendo que as pernas dos animais, ao correr, mostravam-se  incorretas nas obras dos artistas.

Inconformados também se mostraram críticos de arte e público, quando artistas, fugindo às formas e cores tradicionais, mudaram o formato ou colorido da natureza. Onde já se viu um céu amarelo ou um gramado azul? — questionavam eles. Ainda não se mostravam cientes de que a arte em seu poder criativo tinha licença para fazer tais mudanças, pois o que conta é a sensibilidade do artista e não a sua rejeição às noções preestabelecidas e a todos os preconceitos. É ele quem escolhe o caminho a tomar.

O Prof. E. H. Gombrich ensina-nos que, ao admirarmos uma obra de arte devemos “tentar esquecer tudo o que ouvimos… e olharmos o mundo como se estivéssemos acabando de chegar de outro planeta numa viagem de descoberta…”. Não resta dúvida de que os velhos hábitos e os preconceitos são os maiores inimigos, não apenas em relação ao modo como pensamos a arte, mas também como gerimos nossa própria vida.

Os temas bíblicos também geraram (e ainda geram) muitas contendas ao serem inseridos na arte. Os artistas de antigamente se viam enredados por uma infinidade de convenções que deveriam seguir, conhecidas por todos eles, mas que acabavam por tolher-lhes a criatividade. A aparência física de Jesus Cristo — desconhecida para qualquer ser humano — sempre foi, por exemplo, um deus nos acuda, quando um pintor “ousava” fugir das regras convencionais.

Todos sabem que foram os artistas de um longínquo passado os responsáveis por criar as obras cristãs com as quais a humanidade se acostumou. Tudo foi fruto da criatividade desses homens, mas, mesmo assim, ainda existem pessoas nos dias atuais que consideram uma blasfêmia desapegar-se desses modelos tradicionais — fruto da criação de artistas de um remoto passado — e dar existência a outros diferentes.

O brilhante e revolucionário pintor italiano Michelangelo Merisi — conhecido como Caravaggio — foi um dos artistas que tiveram que conviver com uma situação de intransigência da religião, após a entrega de uma encomenda de um quadro intitulado “São Mateus” que tinha por objetivo ornamentar o altar de uma igreja em Roma (Itália), no ano de mais ou menos 1600. O relato desse fato encontra-se na próxima aula.

Exercício

1. O que a autora do texto quis dizer com “O indivíduo que se encontra num patamar mais elevado é o responsável pela descida de alguns degraus em direção à compreensão do outro”.
2. O que o Prof. E. H. Gombrich quis nos ensinar com suas palavras?
3. Para você, como seria a aparência física de Jesus Cristo?

Ilustração: Corrida de Cavalos em Epsom, 1821/ obra de Théodore Géricault.

Fonte de pesquisa:
A História da Arte/ E. H. Gombrich

Views: 5

NAVEGANDO PELA ARTE (Aula nº 3)

Autoria de Lu Dias Carvalho

                                 

                                                     (Clique nas imagens para ampliá-las)

A capacidade que nós  possuímos para navegar por mares dantes navegados, ou seja, para direcionar o nosso olhar e atenção para certos fatos e coisas que até então nos eram desconhecidos ou indiferentes é latente, uma vez que o desejo de aprender, conhecer e investigar é inerente ao nosso ser. Mas, para que essa fagulha ganhe vida e transforme-se numa imensa chama, faz-se necessário que estejamos aberto ao novo, sem ideias preconcebidas, com o espírito acessível às informações e, sobretudo, carregue a humildade de quem reconhece que não sabe tudo — esse sentimento invejável que permeia a mente daqueles que são ávidos pelas descobertas e fazem dela seu caminho para a sabedoria. É o interesse em buscar, informar-se, desvendar e prosseguir, o responsável pelo saber humano, por suas grandes descobertas e criações. Sem ele não teríamos alcançado qualquer progresso como espécie.

A arte é um universo deslumbrante e mágico, onde inexistem regras, uma vez que o academicismo (obediência às normas tradicionais criadas para a arte) foi jogado por terra, pois não se pode regular a criação. Somente o artista é capaz de saber quais elementos deve usar, que caminho deve tomar ou qual é o momento em que sua obra encontra-se concluída. É por isso que é tão prazeroso conhecer a vida dos gênios da arte e, pelo menos, suas obras-primas. O estudo a eles dirigido abre nossos olhos para belezas jamais vistas. A cada passo dado é possível sentir como o nosso gosto vai se aprimorando, nossa capacidade de apreender vai sendo desenvolvida e nossa sensibilidade vai se aflorando. Exercitamos nosso olhar e a perspicácia diante de uma obra de arte, não importando seu estilo ou época. Aprendemos a nos deleitar quando de encontro a algo novo, até então despercebido. Como consequência desenvolvemos a habilidade de enxergar a vida com mais agudeza de percepção, com mais sensibilidade e compassividade. É por isso que a arte é tão importante na formação humanística do indivíduo, embora a maioria venha a desconhecê-la durante sua vida.

Ao apreciarmos uma obra de arte faz-se necessário abrirmos a mente aos mais variados padrões de beleza, expressos em numerosos estilos e em diferentes épocas. Eleger apenas um estilo ou um artista é ficar encalhado no tempo, ainda que para o deleite pessoal se possa preferir esse ou àquele. A arte possui inumeráveis caminhos que estão aí para serem trilhados por todos nós. Podemos viajar desde a Pré-história, passando pela Idade Medieval, pela Idade Média, até chegarmos aos nossos dias — Idade Contemporânea. Podemos contemplar desde as pinturas rupestres às abstratas. É preciso, muitas vezes, entender um pouco do estilo do artista. Compreender que o céu pode ser pintado de azul ou amarelo e que a floresta pode ser verde ou vermelha… A arte vai mudando com os tempos assim como a nossa própria vida.

A arte é tão incrível que muitas vezes, guiados pela nossa falta de entendimento, achamos que esse ou aquele pintor não sabe desenhar e que sua obra é muito malfeita. Mas tudo não passa de um engano. O artista assim fez de livre e espontânea vontade, atendendo aos objetivos de sua criação. Tomemos por exemplo um dos artistas mais geniais e conhecidos da Idade Contemporânea — Pablo Picasso — que transitou por vários estilos. Ele fez dois desenhos muito interessantes. O primeiro, criado em 1941, tem o nome de “Galinha com Pintinhos”; o segundo, criado em 1938, traz o nome esquisito de “Galo Novo”. Enquanto o primeiro é todo arrumadinho, desenhado dentro dos padrões normais, segundo a nossa noção de uma galinha “normal” rodeada de pintinhos, o segundo traz um galo meio abestalhado e zangadiço. A pessoa mais desavisada poderá achar que Picasso só foi aprender desenhar alguns anos depois de ter feito seu galo birrento. Nada disso! O seu objetivo era desenhar um galo tal e qual este que avistamos acima, no centro.

O julgamento de uma obra de arte exige muito cuidado, pois à visão é preciso ajuntar a vontade de lidar com o novo e a agudeza de espírito. O artista não é obrigado, por exemplo, a retratar a natureza, como nós a vemos. Ao contrário, ele se encontra sempre em busca de experiências novas. E, se assim não fosse, ainda estaríamos na fase dos desenhos rupestres. A título de ilustração, conta-se que o pintor e professor inglês Sir Joshua Reynolds, muito apegado às regras acadêmicas, em uma de suas aulas ensinou aos alunos que a cor azul era reservada apenas para fundos distantes — colinas diluindo-se gradualmente no horizonte — e jamais poderia ser usado no primeiro plano de uma pintura (parte mais próxima do observador). Para contradizê-lo, seu rival Thomas Gainsborough pintou o famoso “Menino Azul” (ilustração à direita), o que nos prova que a arte não tem regras fixas.

Exercício

1. O que é necessário para nos entranharmos pelo mundo da arte?
2. O que nos ensinam os dois desenhos de Pablo Picasso?
3. Como o pintor Thomas Gainsborough se contrapôs a Sir Joshua Reynolds?

Ilustração: 1.Galinha com Pintinhos (1941) – Picasso / 2. Galo Novo (1938) – Picasso / 3. Menino Azul (1770) – Thomas Gainsborough.

Fonte de pesquisa
A História da Arte / Prof. E. H. Gombrich

Views: 53

O BELO NA ARTE (Aula nº 2)

Autoria de Lu Dias Carvalho

                                          

Diz um velho ditado que “a beleza está nos olhos de quem a vê”, contudo, para ver o belo é necessário que estejamos abertos ao novo, ao diferente, ao incomum, assim como o filósofo e a criança que jamais são preconceituosos ou apressados no julgamento. Quando não entendem algo, eles buscam a compreensão quer através da observância quer através da indagação. É necessário, portanto, descartarmos velhos hábitos e preconceitos para desfrutarmos do maravilhoso e benéfico mundo da arte, não nos esquecendo de que viver é estar em permanente aprendizado, numa constante transformação. Pobres de espírito são aqueles que estão sempre a dizer que nunca mudam de opinião. O contato com a arte ajuda-nos a estimular a nossa sensibilidade, pois o gosto é predisposto a mudanças e ao desenvolvimento.

A arte não retrata apenas o belo, ela é capaz de tornar formoso mesmo aquilo que é considerado feio. O que conta é a sensibilidade do artista e a receptividade do observador. O que não podem faltar são emoções, sensações e sentimentos. Existe hoje uma nova percepção, bem mais aguçada e inteligente quanto ao conceito de arte no campo visual figurativo que se define como “qualquer atividade que, por meio das imagens, procure comunicar sensações, emoções e sentimentos”. Concluímos, portanto, que gostos e padrões estéticos variam de acordo com as diferentes culturas, havendo variações até mesmo dentro da mesma cultura, sem falar que os conceitos não estão imunes ao tempo, ou seja, eles se encontram em constante transformação.

O famoso pintor alemão Albrecht Dürer fez um retrato de sua mãe idosa, já com as marcas da velhice por todo o rosto, enquanto o não menos famoso pintor flamengo Peter Paul Rubens fez um desenho de seu filhinho Nicholas. No primeiro caso nós nos defrontamos com uma senhora já desgastada pelo tempo e pelas labutas da vida, enquanto no segundo vemos o rosto de um garotinho angelical, ainda no limiar de sua vida. A beleza de ambas as composições é real, porque tanto o pai embevecido com seu filho ainda bebê quanto o filho cheio de amor por sua mãe envelhecida pelos anos fizeram sua obra com muito desvelo e sensibilidade, resultando em duas belas obras de arte. Tais exemplos levam-nos à compreensão de que o encanto de uma obra artística não está na beleza do tema, mas na maneira como ela foi feita, no cuidado e desvelo que o artista dispensou ao seu trabalho.

Outro exemplo de que o encanto de uma obra artística não é consequência do tema pode ser visto nas crianças esmolambadas, descalças e sujas dos quadros do espanhol Murillo Bartolomé Esteban. A obra intitulada “Murillo – MENINOS COMENDO MELÃO E UVAS” (cliquem no link para conhecê-la) é um primor , ainda que ver crianças judiadas pelas ruas seja triste. O artista usou toda a sua sensibilidade ao captar o encontro dos três garotos. Assim como a obra de Murillo, não podemos ignorar, por exemplo, a beleza da letra e da composição musical de Chico Buarque de Holanda em “Meu Guri” ou “Assum Preto” do genial Luiz Gonzaga. Ainda que ambos os temas sejam dolorosos, a obra em si é arrebatante, capaz de tocar profundamente a nossa sensibilidade.

Sabemos que gostos e padrões de beleza são os mais variados, contudo, a falta de conhecimento também nos afeta numa avaliação, sobretudo quando essa diz respeito a uma obra de arte. Temos a tendência de apreciar somente aquilo que já conhecemos ou que entendemos com mais destreza e, em razão disso, acabamos deixando de lado o diferente, aquilo que exige mais acuidade e tempo na sua compreensão. Daí a necessidade de adquirirmos maior conhecimento em relação a obras que não sejam tão óbvias, na tentativa de captar os sentimentos do artista, seja ele antigo ou moderno. Além do mais, nós também passamos a exigir mais do nosso cérebro, o que é muito importante para desenvolver suas habilidades.

Exercício

1. Como podemos ampliar o nosso gosto em relação à arte?
2. O que une o desenho de Dürer e o de Paul Rubens?
3. Por que o tema não é o ponto principal a ser avaliado numa obra de arte?

Ilustração: Dürer – Retrato de Sua Mãe (1514) / Rubens / Retrato de Nicholas (c. 1620) –

Fonte de pesquisa
A História da Arte / Prof. E. H. Gombrich

Views: 156