ARTE E IDEIAS PRECONCEBIDAS (Aula nº 4)

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Autoria de Lu Dias Carvalho

Nós, humanos, temos o péssimo hábito de achar que as pessoas e as coisas devem ser exatamente como imaginamos ou queremos que sejam, esquecendo-nos de que cada um de nós se encontra num grau espiritual ou cultural diferente do outro, ou vê a vida por um prisma muito diferente. O indivíduo que se encontra num patamar mais elevado é o responsável pela descida de alguns degraus em direção à compreensão do outro. Ao invés de impor seus argumentos, deve primeiro entender o porquê de o outro pensar assim ou assado, para depois contestar ou aceitar seus argumentos.

O nosso pensamento relativo à arte não é diferente. Basta acompanharmos a mudança de seus estilos através dos tempos para sermos capazes de compreender a intolerância que críticos de arte e público tiveram em relação às mudanças perpetradas na sua longa caminhada até os nossos dias, quer fossem elas relativas a formas, cores, elementos utilizados, etc. Um exemplo interessante e bem ilustrativo diz respeito à descrição de cavalos a galope na arte, tempos atrás, quando os olhos do artista,  incapazes de captar a velocidade desses animais, descrevia-os como julgavam ser.

As pinturas e gravuras esportivas, até antes de as máquinas fotográficas captarem com precisão os cavalos galopando velozmente, mostravam-nos como os vistos na composição ilustrativa acima, trazendo as pernas dianteiras e traseiras esticadas ao mesmo tempo, o que não tinha nada a ver com a realidade, fato este até então desconhecido dos artistas e do público. Pensando bem, se esses animais se movessem como na pintura acima, estariam a voar ou se estatelariam com a barriga no chão.  

Após a comprovação sensacional da fotografia, ao mostrar que os cavalos movem suas pernas alternadamente em razão do impulso seguinte e cientes de tal informação, os artistas passaram a aplicar em suas obras a nova descoberta. No entanto, tal mudança redundou em reclamações por parte do público ignorante e desatualizado sobre a descoberta fotográfica, passando a criticar enfaticamente as mudanças introduzidas, dizendo que as pernas dos animais, ao correr, mostravam-se  incorretas nas obras dos artistas.

Inconformados também se mostraram críticos de arte e público, quando artistas, fugindo às formas e cores tradicionais, mudaram o formato ou colorido da natureza. Onde já se viu um céu amarelo ou um gramado azul? — questionavam eles. Ainda não se mostravam cientes de que a arte em seu poder criativo tinha licença para fazer tais mudanças, pois o que conta é a sensibilidade do artista e não a sua rejeição às noções preestabelecidas e a todos os preconceitos. É ele quem escolhe o caminho a tomar.

O Prof. E. H. Gombrich ensina-nos que, ao admirarmos uma obra de arte devemos “tentar esquecer tudo o que ouvimos… e olharmos o mundo como se estivéssemos acabando de chegar de outro planeta numa viagem de descoberta…”. Não resta dúvida de que os velhos hábitos e os preconceitos são os maiores inimigos, não apenas em relação ao modo como pensamos a arte, mas também como gerimos nossa própria vida.

Os temas bíblicos também geraram (e ainda geram) muitas contendas ao serem inseridos na arte. Os artistas de antigamente se viam enredados por uma infinidade de convenções que deveriam seguir, conhecidas por todos eles, mas que acabavam por tolher-lhes a criatividade. A aparência física de Jesus Cristo — desconhecida para qualquer ser humano — sempre foi, por exemplo, um deus nos acuda, quando um pintor “ousava” fugir das regras convencionais.

Todos sabem que foram os artistas de um longínquo passado os responsáveis por criar as obras cristãs com as quais a humanidade se acostumou. Tudo foi fruto da criatividade desses homens, mas, mesmo assim, ainda existem pessoas nos dias atuais que consideram uma blasfêmia desapegar-se desses modelos tradicionais — fruto da criação de artistas de um remoto passado — e dar existência a outros diferentes.

O brilhante e revolucionário pintor italiano Michelangelo Merisi — conhecido como Caravaggio — foi um dos artistas que tiveram que conviver com uma situação de intransigência da religião, após a entrega de uma encomenda de um quadro intitulado “São Mateus” que tinha por objetivo ornamentar o altar de uma igreja em Roma (Itália), no ano de mais ou menos 1600. O relato desse fato encontra-se na próxima aula.

Exercício

1. O que a autora do texto quis dizer com “O indivíduo que se encontra num patamar mais elevado é o responsável pela descida de alguns degraus em direção à compreensão do outro”.
2. O que o Prof. E. H. Gombrich quis nos ensinar com suas palavras?
3. Para você, como seria a aparência física de Jesus Cristo?

Ilustração: Corrida de Cavalos em Epsom, 1821/ obra de Théodore Géricault.

Fonte de pesquisa:
A História da Arte/ E. H. Gombrich

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12 comentaram em “ARTE E IDEIAS PRECONCEBIDAS (Aula nº 4)

  1. José Eduardo Alves Santos

    Sim, não faz sentido esse apego aos dogmas, uma vez que se “Deus é imagem e semelhança do homem”, não poderia existir uma imagem única, de um Deus muito bonito de olhos azuis. Se Deus é imanente, ou seja, se ele já está dentro de você, ainda que inconsciente, segundo Espinoza, então poderá ser de qualquer cor, inclusive da cor de quem nele se encontra.

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      José Eduardo

      Você foi na essência da verdade!

      As ideias preconcebidas sempre tiveram como objetivo privilegiar essa ou aquela classe social em detrimento de outras. Deus deve ter a cor do coração de cada homem e não de sua pele.

      Abraços,

      Lu

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  2. Matê Autor do post

    Lu

    O artista não é obrigado a relatar a natureza como nós a vemos. Não se pode regular sua criação.

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Matê

      Seria muita prepotência nossa querer que a criatividade do artista estivesse de acordo com os nossos desejos. Ainda assim certas culturas fizeram isso.

      Abraços,

      Lu

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  3. Leila Gomes

    Lu

    A arte sempre revoluciona nossas percepções, é preciso liberdade para senti-la e acolhê-la.

    Abraços

    Leila

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Leila

      É verdade! A arte oferece-nos diferentes maneiras de olhar o mundo e interpretá-lo. Conhecer a história da arte é ter conhecimento de toda a história humana.

      Abraços,

      Lu

      Responder
  4. Moacyr Autor do post

    Lu

    A máquina fotográfica foi muito importante para a arte em geral, sem falar que a fotografia transformou-se numa das mais belas artes. Achei muito interessante o modo como os artistas viam as corridas de cavalo antes desse invento incrível. Vivendo e aprendendo!

    Beijos

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Moacyr

      Realmente é incrível a maneira como a fotografia vem se transformando numa arte cada vez mais completa e bela. Também ri muito ao olhar a pintura dos cavalos. A mim pareceu que eles estavam a voar. Ainda assim a obra é linda.

      Beijos,

      Lu

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  5. Antonio Messias Costa

    Lu

    Sobre a questão 1 – Cada um é o reflexo de sua história de vida sob vários aspectos. Cada um no seu tempo e oportunidade de ascensão pelo conhecimento. Se isto acontece, vem o mais difícil: domar o “leão primitivo” que pode estar dentro de cada um de nós. Quem conseguir ganhar a batalha tem a chance de tornar uma pessoa melhor, compassiva e compreensiva perante outrem.

    Sobre a questão 2 – A arte é essência, é o profundo brotado de outrem. A meu ver o Prof. E. H. Gombrich ensina a palavra “respeito” pelo autor da obra. Seria como entrar numa floresta desconhecida sem pisar nos canteiros ou danificar as árvores, guiado apenas pela sua compreensão e busca contemplativa.

    Sobre a questão 3 –
    Seguramente Cristo não seria o homem de tez branca e olhos azuis, de padrão nórdico. Acredito que clima e povos que habitavam aquela região não possuíam tais características. A questão: é um direito retratá-lo como a rara beleza pelo direito de livre expressão? Creio que sim, mas não soa coerência, mas intencionalidade e sedução comercial. O meio termo seria mais crível aos devotos!

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Antônio

      Todas as suas respostas estão corretas em relação à humanidade que habita em cada um de nós, assim como no que diz respeito à arte. É muito bom contar com a sua participação.

      Abraços,

      Lu

      Responder
  6. Hernando Martins

    Lu

    A nossa mente é alimentada por conceitos estabelecidos pelas instituições que regem nossa vida desde criança. A família é responsável pelas orientações básicas na formação do caráter, a escola é fundamental para o aprendizado, a religião também tem um papel influenciador na formação do pensamento e, por último, o Estado que em tese é a instituição normatizadora que determina os deveres e as obrigações imprescindíveis à manutenção da harmonia entre os povos.

    Somos resultado dos conceitos preestabelecidos pelas instituições responsáveis pelo controle do que pensamos e de como agimos. Para conseguirmos sair dessa caixinha, desse controle e comando do inconsciente, é necessário criar conceito e experiências novos, aprofundando o intelecto e clareando a mente com novas ideias. Para que isso possa se concretizar é preciso estar aberto ao novo, rompendo conceitos preestabelecidos. Às vezes é necessário fechar uma porta para abrir outras janelas de possibilidades.

    Assim como a vida, a arte é dinâmica, está sempre se reinventando, pois a criatividade é igual ao céu, não tem limites! Nós só conseguimos enxergar algo que parece estar oculto, quando temos olhos treinados para ver, porque, do contrário, podemos ver, mas sem conseguir enxergar. Quem não tem percepção suficiente, capaz de romper barreiras, preconceitos e mudar a ótica de visão, mudando o estado de consciência para a chegada do novo, jamais será capaz de compreender a arte.

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    1. LuDiasBH Autor do post

      Hernando

      O último parágrafo de seu comentário resume brilhantemente tudo aquilo que foi explicitado no texto:

      “Assim como a vida, a arte é dinâmica, está sempre se reinventando, pois a criatividade é igual ao céu, não tem limites! Nós só conseguimos enxergar algo que parece estar oculto, quando temos olhos treinados para ver, porque, do contrário, podemos ver, mas sem conseguir enxergar. Quem não tem percepção suficiente, capaz de romper barreiras, preconceitos e mudar a ótica de visão, mudando o estado de consciência para a chegada do novo, jamais será capaz de compreender a arte.”

      Abraços,

      Lu

      Responder

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