Autoria de Lu Dias Carvalho
Se temos a verdade diante de nós, esta é ela, não há outra: o sudário que nós teremos que usar está diante dos nossos olhos. Se você se lembrar que será coberto com terra que será pisada por todos, irá facilmente esquecer as honras e o status desta vida. Lembre-se também das vis minhocas que comerão seu corpo. (Miguel de Mañara)
O pintor e gravador barroco espanhol Juan de Valdés Leal (1622 – 1690) era filho de um ourives português e de uma sevilhana. Não existem informações sobre sua formação. Presume-se que tenha sido aluno de Antonio del Castillo Saavedra em Córdoba. Possuía uma oficina em sua casa, ali realizando seus primeiros trabalhos. Com o surgimento da epidemia de cólera em 1649, o artista mudou-se com sua família para Sevilha onde angariou uma boa clientela, ainda assim sua precária economia acompanhou-o pelo resto da vida. Juan de Valdés Leal possuía um estilo barroco tendendo para o tenebroso. Em seu estilo dramático, ele valorizava mais a expressão do que a beleza. Sua arte possuía um desenho forte, uma cor brilhante, uma sensação de movimento e uma iluminação dramática. O artista é tido, ao lado de Murillo, como um dos mais renomados representantes da pintura barroca na Espanha.
A composição intitulada In Ictu Oculi (Num Piscar de Olhos) é uma obra do artista que faz uso de um realismo sombrio para mostrar a transitoriedade da vida terrena e a inevitabilidade da morte. Ele tomou por base o texto de Miguel Mañara. O ser humano tem que se decidir entre buscar a salvação ou a condenação eterna, ciente de que somente os que praticarem boas obras de caridade terão acesso à salvação eterna.
Esta obra faz par com “Finis Gloriae Mundi” na ornamentação da entrada da capela do Hospital de São Jorge em Sevilha. Ambas foram encomendadas pela confraternidade leiga da Irmandade da Caridade, Sevilha/Espanha — local de descanso para os idosos e um cemitério para os pobres.
Um esqueleto ameaçador personifica a morte. Ela se encontra de pé à direita, trazendo um caixão fúnebre debaixo do braço para colher a vida dos mortais, uma foice na mão ossuda e uma mortalha jogada nas costas. Sua mão direita apaga uma vela — representando a chama da vida — numa referência ao piscar de olhos com que chega e dá cabo na vida humana, pois de nada valem a futilidade dos objetivos e ambições mundanas. Por isso, seu pé direito descansa sobre um globo terrestre, numa mensagem clara de que nada no mundo poderá detê-la. Ao extinguir a chama da vida, a escuridão e o esquecimento recaem sobre os atributos de riqueza, poder e saber.
Vários objetos (pergaminhos, cartas, o globo, joias, coroas, capas, vestes finas, armaduras, livros arquitetônicos, etc.) estão espalhados na parte inferior da pintura, representando a vaidade ocasionada pelos prazeres e pelas glórias terrenas que serão destruídos pela morte. O livro aberto em primeiro plano mostra uma gravura do arco triunfal, onde os vencedores das batalhas eram recebidos, o que, segundo o pintor, não tinha valor algum diante da morte. Os caminhos da glória conduzem unicamente à sepultura (ver estudo do quadro “Finis Gloriae Mundi” neste espaço). O fundo escuro da composição contrasta o brilho dos objetos, trazendo dramaticidade à cena. O título do quadro encontra-se acima da mão do esqueleto.
Esta pintura é uma alegoria da morte, ou memento mori, pois se destina a lembrar o observador sobre a transitoriedade da vida terrena e sobre a universalidade da morte. O artista descreveu esta obra como sendo “hieróglifos da nossa vida após a morte”. A implicação é que a salvação na vida após a morte é primordial, depende do aqui e agora e só pode ser alcançada através da caridade. Este é um tema recorrente no barroco que recebeu o nome de Vánitas (Vaidade) e tem como objetivo mostrar a brevidade da vida em contraste com os prazeres mundanos.
Ficha técnica
Ano: 1667/72
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 220 x 216 cm
Localização: La Caridad, Sevilha, Espanha
Fontes de pesquisa
Pintura na Espanha/ Cosac e Naify Edições
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