Após a experiência dos ataques repetidos, convém-me a humildade. Assim, pois, paciência. Sofrer sem se queixar é a única lição que se deve aprender nesta vida. (Van Gogh)
Ele nunca deu a impressão de que era um demente. Embora quase não comesse, bebia sempre em excesso. Quando terminava sua jornada diária, depois de passar o dia inteiro sob o sol abrasador e um calor tórrido, costumava se sentar na varanda de um café, já que não tinha um verdadeiro lar. E os absintos e brandies (bebidas) se sucediam rapidamente. Como seria possível resistir. Era o encanto personificado. Amava a vida de forma apaixonada. Era uma pessoa ardente e boa. (Paul Signac)
Existem teorias de que Van Gogh era vítima de demência sifilítica ou que sofria de esquizofrenia. Mas, ultimamente, tem sido reforçada a crença de que era vítima de psicose epileptoide de fundo hereditário, agravada por circunstâncias pessoais, como a possível sífilis, alcoolismo, desnutrição e esgotamento, o que o exime da loucura. Tanto Theo, quanto a irmã Wilhelmina foram vítimas da mesma doença. A saúde de Van Gogh era oscilante. Muitas vezes, ele se mostrava muito bem, vibrante de alegria e entusiasmado com o trabalho, embora tivesse uma alimentação escassa e pobre. Noutras, passava por profundas crises de depressão. Para alguns também era tido como bipolar.
A vida de Van Gogh encheu-se de entusiasmo durante a criação da famosa casa amarela. Pretendia criar um espaço dedicado a um grupo de artistas, onde pudesse discutir a arte, organizar um efetivo esquema de venda das obras produzidas, compartilhar bens materiais e praticar a espiritualidade. Para dar início à comunidade, contava entusiasmado com a chegada do pintor Gauguin, em quem depositava toda a sua crença. Mas a falta de sensibilidade do pintor francês começou a gerar uma enorme tensão entre ambos, principalmente pelas diferenças de personalidade. Gauguin era altivo, prático e mundano, e muito mais preocupado com a venda de suas obras de que com a comunidade. Van Gogh, por sua vez, cultivava hábitos simples, era sensível, apaixonado, terno e totalmente indefeso.
Com o tempo, a convivência entre Van Gogh e Gauguin foi se tornando insuportável. Mas, quando o pintor holandês percebeu que o amigo abandonaria aquele projeto, que lhe era tão caro, e ao qual dispensou gastos e energia, ficou totalmente fora de si. Tentou agredir Gauguin com uma lâmina de barbear e, naquela mesma noite, decepou o lóbulo de sua orelha esquerda, enrolou-o num lenço e o presenteou a uma amiga prostituta, pedindo-lhe que o guardasse com cuidado. Deitou-se como se nada tivesse acontecido, sendo encontrado ensanguentado e sem sentidos. Levado ao hospital, ali permaneceu 14 dias. Ao retornar, pintou o Autorretrato com a Orelha Cortada.
Com a confusão entre os dois pintores, sendo Gauguin francês, foi gerada uma grande polêmica entre os moradores de Arles, que se colocaram contra o pintor holandês. De modo que um grupo pediu a internação de Van Gogh num manicômio, alcunhando-o de “o doido ruivo”. A polícia fechou sua casa com todos os quadros dentro. Rejeitado por Gauguin, por quem nutria grande amizade e admiração, desprezado pelos moradores da cidade e com a certeza da derrocada de seus planos em relação à casa amarela, o estado do pintor tornou-se cada vez mais sério. O casamento do irmão Theo foi a gota d’água, pois ele passou a temer pelo afastamento da única pessoa com quem podia contar, e por quem sentia uma grande amizade. Passou por uma forte crise de insônias e alucinações, dizendo-se perseguido por alguém que tentava envenená-lo. Mesmo assim, continuou trabalhando incessantemente.
Houve um ciclo na vida do artista holandês em que aconteceram crises, cansaços, recuperações, desânimos, esgotamentos, trabalho árduo e momentos de êxtase. Só que, após o incidente, a parte ruim do ciclo passou a ser uma constante em sua vida. Tanto é que Van Gogh sentiu necessidade de se internar num manicômio e, por conta própria, fê-lo. Ali permaneceu um ano, com altos e baixos. O que pode ser comprovado numa carta enviada a Theo:
Tanto na vida, como na pintura, posso muito bem ficar sem Deus; mas não posso, sem sofrer, ficar sem algo que é maior do que eu, que significa a minha vida inteira: a força de criar.
No manicômio, Van Gogh perdeu o medo da loucura, doença que ele mesmo admitia sofrer, demonstrando grande ternura pelos internos. E assim se expressou sobre eles:
Antes, esses seres me repugnavam e eram algo desolador para mim, pensar que tanta gente de nosso ofício tinha terminado assim (…). Agora, penso em tudo sem temor; isto é, não considero isso mais atroz do que se essas pessoas tivessem sucumbido por outras razões, como tuberculose ou sífilis.
Já no final de sua vida, Van Gogh aceitou a proposta de um amigo para ir morar em Auvers-sur-Oise, perto de Paris, para ser tratado pelo Dr. Paulo Gachet. Aceitou-a, e se instalou na hospedaria Ravoux. Mostrava-se animado e trabalhava intensamente, até que uma carta de Theo, descrevendo as dificuldades pelas quais passava, assim como a sua debilidade física e a da esposa, acabou com a sua tranquilidade. Mesmo depois de visitar o irmão querido, ele não conseguiu se acalmar. Rompeu relações com seu médico. Sozinho no campo, Van Gogh teve um novo surto de depressão e atirou contra seu estômago, vindo a falecer, dois dias depois, nos braços de Theo.
Após a morte do irmão, Theo ficou inconsolável. Acalentava muitos projetos para os dois. Passou a sofrer de depressão e ansiedade. Com a saúde cada vez mais frágil, foi levado para a Holanda, onde veio a falecer de “demência paralítica” (neurossífilis), seis meses após o irmão. Willemina, irmã de Van Gogh, era esquizofrênica, e viveu durante 40 anos internada, e Cornelius, outro irmão, cometeu suicídio aos 33 anos de idade. Van Gogh e seu irmão Theo encontram-se enterrados lado a lado, como sempre estiveram em vida.
Ao acompanharmos a vida de Van Gogh, percebemos que a arte foi-lhe de muita valia, para dar vazão à sua vida emocionalmente turbulenta, que ia do arrebatamento à depressão, da imobilidade aos ataques de loucura, inclusive, fez inúmeros autrorretratos com a finalidade de encontrar em si a razão do próprio desespero. Contudo, a arte não conseguiu impedir que, num ato de total desequilíbrio, ele desse fim à própria vida, aos 37 anos, privando o mundo de um homem terno e compassivo e de um dos maiores talentos da pintura.
Era um homem honesto e um grande artista, e, para ele, só havia duas coisas: a compaixão e a arte. A arte era para ele o mais importante de tudo e é nela que ele estará vivo. (Dr. Gachet – seu médico em Auvers)
Nota: Autorretrato com a orelha cortada (1889)
Fontes de pesquisa:
Mestres da Pintura/ Editora Abril
Grandes Mestres da Pintura/ Coleção Folha
Van Gogh/ Editora Taschen
Para Entender a Arte/ Maria Carla Prette
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