Arquivo da categoria: Mestres da Pintura

Estudo dos grandes mestres mundiais da pintura, assim como de algumas obras dos mesmos.

Michelangelo – DAVI

Autoria de Lu Dias Carvalho

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É certo que as partes da arquitetura têm relação com as partes do homem. Quem não sabe reproduzir a figura humana e não é especialista em anatomia também não entenderá de arquitetura. (Michelangelo)

O jovem artista ficou profundamente impressionado ante a vista de todas aquelas rochas de mármore de Carrara, as quais pareciam esperar pelo seu cinzel para se converterem em estátuas como jamais o mundo vira. ] …] Queria libertar as figuras do cerne das pedras, onde estavam adormecidas. (E.H. Gombrich)

A pedra marmórea, da qual Michelangelo fez nascer seu Davi, já havia sido fustigada por outros escultores, dentre eles Agostino de Duccio que a abandonou por sentir-se incapaz de esculpi-la. Foi então que a Irmandade de Santa Maria del Fiore — dona do bloco de mármore —  repassou a Michelangelo a tarefa de dar vida ao herói hebreu, Davi, tomando Hércules como inspiração, para que se transformasse no símbolo das virtudes da cidade de Florença.

Outros escultores já haviam esculpido Davi, tais como Donatello e Verrochio, mas foi Michelangelo o responsável por uma das mais belas e perfeitas estátuas do jovem herói, considerada uma obra-prima da história da arte. Nas obras de Donatello e Verrochio, Davi é retratado sobre a cabeça decepada de Golias, ao contrário da obra de Michelangelo, esculpida como se ele estivesse a sondar o inimigo feroz, aguardando o momento certo para usar a sua funda contra ele.

O Davi de Michelangelo carrega um semblante franzido e olhos perscrutadores, misto de força e ira. Seu rosto não denota nenhum temor, confiante que está na sua vitória. Ao virar sua cabeça para a esquerda, a tensão ressalta os músculos do pescoço. Seu olhar firme, sobrancelhas contraídas e os lábios fechados mostram a máxima concentração em que se encontra. A tensão da mão esquerda que se levanta até o ombro e prende a funda com os dedos flexionados mostra que ele está pronto para atirar a pedra contra o gigante. O braço direito está estendido ao longo do flanco e a mão oculta em sua palma a pedra, que será atirada contra o feroz inimigo. Maravilhosamente trabalhada, a mão direita mostra detalhes realistas: a unha do polegar, os nós dos dedos, as veias salientes e as articulações flexionadas do pulso (imagem menor). Os músculos abdominais também são magistralmente trabalhados.

Davi, com seu belo corpo nu de músculos e veias visíveis, foi chamado de o “gigante” pelo povo de Florença. E, embora sua pose seja ereta, concebida para a visão frontal, não há rigidez nela. O tronco tem uma ligeira inclinação, estando o ombro esquerdo um pouco mais alto do que o direito. O rosto do herói está emoldurado por cabelos cacheados e fartas sobrancelhas.

Após a expulsão dos Médici, a estátua de Davi transformou-se no símbolo da República, uma vez que a situação política de Florença era favorável aos republicanos. E, embora uma comissão de artistas famosos, entre os quais se encontravam Botticelli, Andrea della Rubbia e Leonardo da Vinci, tivesse estabelecido que ela fosse colocada na Piazza della Signoria, pois suas gigantescas dimensões tornavam inviável sua permanência num lugar fechado, foi necessária a sua transferência para a Galleria dell’Academia em 1873 em razão da degradação do mármore. No seu lugar foi colocada uma réplica.

Curiosidade:

Davi, herói bíblico, é retratado por Michelangelo com impressionante realismo anatômico, sendo extraído de um único bloco de mármore. À época a estátua teve que contar com um corpo de vigilância para protegê-la contra a raiva dos difamadores.

Ficha técnica:
Data: 1501 – 1504
Altura: 4,34 m
Material: mármore
Localização: Galleria della Academia. Florença, Itália

Fontes de pesquisa:
Gênios da Arte/ Girassol
Grandes Mestres da Pintura/ Coleção Folha
Grandes Mestres/ Abril Cultural
Renascimento/ Taschen
Tudo sobre Arte/ Sextante
1000 Obras da Pintura Europeia/ Könemann
Os Pintores mais Influentes/ Girassol
Arte em Detalhes/ Publifolha
Góticos e Renascentistas/ Abril Cultural

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Michelangelo – TONDO DONI

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Esta pintura foi encomendada a Michelangelo, em 1500, por um florentino de nome Agnolo Doni, por ocasião de seu casamento com Madalena Strozzi. O nome da obra, portanto, refere-se ao formato do quadro (tondo: redondo, circular) e ao sobrenome do cliente. A pintura é também conhecida como uma das primeiras obras pictóricas do artista.

Trata-se de uma composição complexa, com cores vibrantes e figuras monumentais. É tida como uma das obras-primas da arte ocidental. Nela não existe nada a lembrar-nos de que se trata de uma arte sacra. O pintor usou a forma piramidal, em vez de triangular, para resolver os problemas da corporalidade e do movimento das figuras, centralizando a Sagrada Família na composição. A obra foi executada como se fosse uma escultura, como se as figuras tivessem sido esculpidas num bloco de mármore.

O tema da obra é a Sagrada Família, que está unida de modo a criar uma composição viva. Em primeiro plano, a Virgem Maria, com os braços nus, levanta seu vigoroso Menino, usando uma torção difícil, para repassá-lo a seu esposo São José, que se mostra bem envelhecido, com suas longas barbas brancas e escassos cabelos, contrastando com a juventude exuberante da Virgem.

Próximo ao muro, entre a Sagrada Família e os nus, está o pequenino João Batista, quase esboçado, com suas vestes de pele de ovelha, segurando um galho seco, como se separasse o mundo pagão do divino, olhando extasiado para a Virgem Maria, São José e o Menino. Sua presença na pintura lembra que ele é o percussor da salvação, que virá através de Jesus Cristo.

Ao fundo está um grupo de cinco nus esculturais, que exibem belos músculos e apresentam luz sobre a superfície do corpo. Alguns críticos interpretam-nos como um grupo de neófitos, já despidos, esperando pelo sacramento do batismo. O fato é que a presença dos nus tem sido interpretada de maneiras diferentes. Para alguns, tratam-se de símbolos pagãos, simbolizando o mundo clássico, antes da chegada do Salvador, enquanto para outros tratam-se de figuras angelicais. Dizem também se tratar de figuras proféticas, anunciando a chegada da Igreja, que é simbolizada pela Virgem Mãe e São José, enquanto o Menino simbolizaria o mundo sob a graça de Deus. E São João Batista simbolizaria a união entre o mundo clássico e o cristão.

A Virgem é a figura mais volumosa da obra. Sua cabeça esta voltada para a direita, em direção ao filho, que brinca despreocupadamente com seus cabelos. São José, agachado, traz o corpo inclinado para a direita, com uma perna dobrada e a outra espichada. Ao longe, podem-se ver montanhas e um rio, possivelmente uma referência ao rio Jordão. O uso das cores vermelha, azul e amarela, matizadas nas zonas de intensa claridade, provocando diferenças tonais, será mais tarde vista nos maravilhosos afrescos da Capela Sistina.

Ficha técnica:
Data: c. 1504 -1506
Técnica: óleo sobre painel
Dimensões: 120 cm de diâmetro
Localização: Galeria dos Uffizi, Florença, Itália

Fontes de pesquisa:
Gênios da Arte/ Girassol
Grandes Mestres da Pintura/ Coleção Folha
Grandes Mestres/ Abril Cultural
Renascimento/ Taschen
Tudo sobre Arte/ Sextante
1000 Obras da Pintura Europeia/ Könemann
Os Pintores mais Influentes/ Girassol
Arte em Detalhes/ Publifolha
Góticos e Renascentistas/ Abril Cultural

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Michelangelo – A VIDA AMOROSA DO GÊNIO

Autoria de Lu Dias Carvalhopietá

Diga-me, Amor, por favor,/ se que é meus olhos veem realmente a beleza pela qual suspiro/ ou se a tenho em meu interior,/ e olhe para onde olhe/ vejo ali seu rosto esculpido. (Michelangelo)

Assim como na pena e na tinta/ estão o estilo elevado, o baixo e o medíocre/ e nos mármores a imagem rica e a vulgar/ segundo o que o nosso engenho saiba tirar;/

Assim também, meu amado senhor, em vosso peito/ talvez haja tanta humildade quanto orgulho;/ mas o que é apropriado e semelhante a mim/ extraio, como posso mostrar em meu rosto. (De Michelangelo para Tommaso)

O mal que evito, o bem que me prometo,/ esconde-se em ti, mulher encantadora,/ altiva e celestial; mesmo que morra,/ não chega minha arte ao desejado efeito.

Não é culpado o Amor, nem tua beleza/ ou dureza, ou fortuna, ou grande desdém,/ de meu mal, de minha sorte ou meu destino. (De Michelangelo para Vittoria Colonna)

O genial artista Michelangelo não se casou, mas teve uma grande paixão pelo jovem Tommaso Cavalieri, que passou a fazer parte de sua vida, e a quem ensinou a desenhar. Tommaso era um belo e nobre romano que, além de ter um espírito culto, nutria um grande amor pelas artes. A íntima amizade entre os dois durou cerca de 30 anos, tendo o nobre ficado ao lado do pintor quando esse morreu.

Michelangelo dedicava horas de seu tempo ensinando Tommaso a desenhar. Deu-lhe de presente um grupo de desenhos notáveis, de caráter mitológico e alegórico, cujo tema versava sobre a paixão amorosa. Também compôs para Tommaso várias poesias, usando o mesmo tema.

O grande artista também travou uma profunda amizade com Vittoria Collona, figura de grande importância política e cultural, pertencente a uma ilustre família, reconhecida como um dos grandes nomes da poesia italiana no século 16. Havia entre eles grande admiração e afinidade espiritual, que perdurou até a morte de Vittoria.

Vittoria Collona era a marquesa de Pescara, que ficara viúva de Francisco Fernando de Avalos, quando tinha 46 anos. Tinha um temperamento forte e era muito culta, sendo sua presença muito prazerosa nos grandes círculos intelectuais da época. Em seu palácio, ela recebia artistas, literatos e religiosos, discordantes dos caminhos que tomavam a fé cristã. O grupo buscava resposta à margem do poder dominante da Igreja. E foi ali que Michelangelo encontrou pessoas que pensavam como ele, as respostas que tanto buscara em sua vida.

Entre as cartas mais calorosas e os sonetos mais afervorados estão os dedicados a Vittoria, que sempre levou os arroubos do artista no nível da amizade. Sobre ele, ela escreveu: “amizade estável, e ligado com nudez cristã, esse afeto mais do que seguro.”. Quando Vittoria faleceu, Michelangelo ficou pesaroso e depressivo. Ele disse sobre ela: “Gostava de mim em elevado grau, e eu não menos a ela. A morte me arrancou uma grande amiga.”.

Michelangelo e Vittoria, além de nutrirem grande interesse pela poesia, traziam grandes questionamentos espirituais e religiosos. De modo que, segundo alguns, ele passou por uma profunda alteração em seu temperamento, tornando-se mais pessimista e  julgando-se indigno do amor de Deus, após sua intensa amizade com a poetisa.

Nota: Aurora (detalhe do túmulo de Lorenzo de Medici)
Data: c. 1524 – 1527
Material: mármore
Comprimento: 2,06 m

Fontes de pesquisa:
Gênios da Arte/ Girassol
Grandes Mestres da Pintura/ Coleção Folha
Grandes Mestres/ Abril Cultural
Renascimento/ Taschen

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Michelangelo Buonarroti – O ARTISTA DIVINO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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A ideia deste homem extraordinário era compor em função do corpo humano e de suas proporções perfeitas, na diversidade prodigiosa de suas atitudes e na totalidade de paixões e exaltações da alma. (Giorgio Vasari)

A um gênio dessa magnitude, se contrapunha um caráter tão rude e selvagem, a ponto de conformar sua vida doméstica a uma incrível mesquinhez, privando as gerações futuras de discípulos que dessem continuidade à sua arte. De fato, rogado até pelos príncipes, nunca serviu de mestre ou, ao menos, aceitou alguém em seu ateliê como espectador ou observador. (Paolo Giovio)

Quando avaliamos cabalmente o que fazemos nesta vida, vemos que cada um, sem saber, pinta o mundo criando novas formas por sua maneira de vestir, por seus edifícios e suas casas, lavrando os campos e prados em linhas e figuras. (Michelangelo)

 A arte italiana teve o seu período de apogeu no início do século XVI, período conhecido como il Cinquencento (os anos quinhentos), época de Leonardo da Vinci, Michelangelo Buonarroti, Rafael Sanzio, Ticiano, Corregio, Giorgione, entre outros.

Foi na oficina do mestre Ghirlandio que Michelangelo aprendeu os recursos técnicos de sua profissão, adquirindo um grande conhecimento sobre a técnica de pintura em afrescos e um sólido domínio do desenho. Além disso, era ávido por conhecer o trabalho dos grandes mestres do passado, tais como Giotto, Masaccio e Donatello. Também buscou desvendar os segredos dos escultores antigos, exímios na arte de representar o corpo humano em movimento, incluindo a habilidade na representação de músculos e tendões.

Michelangelo não se limitava apenas a conhecer a anatomia humana através de estudos de terceiros, indo fundo nos seus estudos, através da dissecação de cadáveres, de modo que a figura humana passou a não ter nenhum mistério para ele, que era capaz de dominar qualquer postura ou movimento. Assim, tornou-se, ainda muito jovem, dono de grande habilidade e de vastos conhecimentos, sendo admirado por seu trabalho e reconhecido como um dos mais brilhantes artistas, igualando-se, de certo modo, ao genial Leonardo.

Ao contrário de vários pintores, Michelangelo não era chegado aos retratos, que tanto encantavam os nobres e rendiam um bom dinheiro. Só os fazia de acordo com sua vontade, e em se tratando de pessoas a quem estivesse ligado por laços afetivos, como no caso do jovem Andrea Quaratesi. Sempre dizia que “um retrato deve ser feito por amor e não por obrigação”. Não aceitava botar rostos reais em suas personagens, como era comum na época. Sua pintura também era totalmente voltada para a representação da figura humana, sem espaço para a paisagem. Ao dissecar cadáveres, fazia desenhos detalhados e anotava suas observações num caderno, penetrando no âmago do corpo humano, decifrando a mecânica de suas expressões e de seus movimentos, tudo em busca da perfeição e da beleza.

Quando esteve entre os protegidos de Lourenço, o Magnífico, Michelangelo ficou conhecendo o grande filólogo do Renascimento, Agnolo Poliziano, e tal contato levou-o a se interessar pela literatura. Também travou contato com Vittoria Collona, figura de grande importância política e cultural, pertencente a uma ilustre família, reconhecida como um dos grandes nomes da poesia italiana no século 16. Michelangelo e Vittoria, além de nutrirem grande interesse pela poesia, traziam grandes questionamentos espirituais e religiosos.

Em razão das obras magistrais de Michelangelo, o papa Paulo III  nomeou-o arquiteto, pintor e escultor do Vaticano, ganhando um salário de anual de 600 escudos de ouro. Michelangelo buscava a colaboração de outros artistas apenas quando se via apertado com prazos de entrega, mas só no plano operacional, ou seja, na execução de suas obras, jamais dividindo a criação dessas. Ele nunca aceitou ter alunos aprendizes. Sua paixão sempre foi a escultura. E uma de suas frustrações foi não ter podido dedicar-se a ela integralmente, como no caso do gigantesco mausoléu do papa Júlio II, tendo que paralisar a obra para executar a decoração da Capela Sistina.

Extremamente dedicado à sua arte, à medida que envelhecia, Michelangelo aproximava-se cada vez mais da perfeição, expressando apaixonadamente toda a dor e ternura que habitavam em sua alma. Mesmo durante os últimos anos de sua vida, quando já se encontrava muito doente, ele continuou a fazer aquilo que mais amava: esculpir. Seu último trabalho foi a Pietà Rodanni que ficou inacabada.

Michelangelo, 23 anos mais novo de que Leonardo, foi o segundo florentino a contribuir para que a arte italiana se tornasse extremamente rica e famosa em todo o mundo. Com suas obras magistrais, criou um novo patamar para as artes e os artistas. Ele se inspirou  na escultura clássica e na filosofia humanista, colocando o homem no centro do universo. Sempre se preocupou em conhecer a anatomia do corpo humano de modo a reconstituir seus movimentos com realismo. Ao buscar uma plasticidade plena e livre no espaço, o artista mudou a sua maneira de esculpir, trocando a broca pelo gradim, e dando preferência à escultura tridimensional às estátuas-relevo. Criou novas maneiras de expressão para a pintura e figuras com uma tridimensionalidade até então desconhecida.

Toda a obra do genial Michelangelo tem sido uma fonte inesgotável de inspiração para os artistas de todo o mundo. Sem falar que o artista convencionou uma nova maneira de retratar o nu masculino tanto na pintura como na escultura.

Nota: Retrato de Michelangelo feito por Sebastiano del Piombo, c. 1520 -1525 (foto maior) / O restauro da Capela Paulina, na Cidade do Vaticano, permitiu descobrir um autorretrato de Michelangelo, incluso no seu afresco ‘A Crucificação de São Pedro’ (foto menor).

Fontes de pesquisa:
Gênios da Arte/ Girassol
Grandes Mestres da Pintura/ Coleção Folha
Grandes Mestres/ Abril Cultural
Renascimento/ Taschen
Tudo sobre Arte/ Sextante
1000 Obras da Pintura Europeia/ Könemann
Os Pintores mais Influentes/ Girassol
Arte em Detalhes/ Publifolha
Góticos e Renascentistas/ Abril Cultural

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Mestres da Pintura – MICHELANGELO BUONARROTI

Autoria de Lu Dias Carvalho

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A boa pintura aproxima-se de Deus e se une a Ele… Não é mais do que uma cópia de suas perfeições, uma sombra do seu pincel, sua música, sua melodia… Por isso, não basta que o pintor seja um grande e hábil mestres de seu ofício. Penso ser mais importantes a pureza e a santidade de sua vida, tanto quanto possível, a fim de que o Espírito Santo guie seus pensamentos. (Michelangelo)

Em cada bloco de mármore vejo uma estátua; vejo-a tão claramente como se estivesse na minha frente, moldada e perfeita na pose e no efeito. Tenho apenas de desbastar as paredes brutas que aprisionam a adorável aparição para revelá-la a outros olhos como os meus já a veem (Michelangelo).

Realizou suas próprias pesquisas se anatomia humana, dissecou cadáveres e desenhou com modelos, até que a figura humana deixou de ter para ele qualquer segredo. Em pouco tempo não havia postura nem movimento que ele achasse difícil desenhar. (Prof. E. H. Gombrich)

Observei o anjo gravado no mármore, até que eu o libertasse. (Michelangelo)

O escultor, arquiteto e pintor italiano Michelangelo Buonarroti (1475 – 1564), ao lado de Leonardo da Vinci e Rafael Sanzio, ocupa um dos mais altos postos na pintura renascentista. É também um dos gênios da escultura em todos os tempos.

Michelangelo Buonarroti nasceu em Caprese, perto de Florença, numa família de velha e conhecida estirpe florentina. Seu pai, Ludovico Buonarroti, era um homem extremamente agressivo, tido como temente a Deus. Sua mãe, Francesca, faleceu quando o futuro gênio tinha apenas seis anos, deixando cinco filhos, sendo Michelangelo o segundo deles. Após a morte da mãe, o garoto passou para os cuidados de uma ama de leite, esposa e filha de marmoristas. Poderia isso ter contribuído para a sua vocação de escultor? Possivelmente contribuiu para aflorar seu talento. O próprio artista disse que junto ao leite da ama estava o germe de sua futura vocação.

Na escola, o pequeno Michelangelo não se interessava pelas matérias do Trivium (gramática, retórica e dialética), sempre voltado para a feitura de desenhos e esboços, o que lhe custava muitos castigos de sua família tradicional, para quem a presença de um artista em seu seio era desmoralizante. A profissão de pintor era de baixa consideração social e o senhor Ludovico desejava para seus filhos profissões ilustres. Por isso, o garoto era surrado pelo pai e pelos irmãos desse, para que não se enveredasse pelos caminhos da arte. Mas aos 13 anos o adolescente obstinado e de caráter forte conseguiu permissão do pai para ficar como aprendiz no estúdio de Domenico Guilandaio, tido como um mestre da pintura em Florença. A contragosto o pai aceitou atender a vontade do filho.

Com Domenico Michelangelo apreendeu a técnica de pintura de afrescos, tornando-se um exímio desenhista. Ali fez cópias de Giotto e também de Masaccio, de quem admirava os afrescos da Igreja de Carmine de Florença. Mas o garoto não demorou a entrar em contendas com os colegas e o mestre, de quem não seguia as recomendações, fazendo os exercícios de acordo com suas próprias ideias.  Irritado com a morosidade do aprendizado e considerando a pintura como uma arte limitada, o garoto permaneceu apenas um ano com o mestre florentino. Dali partiu para a escola de escultura que ficava nos jardins de S. Marcos, mantida por Lourenço, o Magnífico, atraindo para si o interesse do mecenas, um dos homens mais cultos de Florença e que personificava o ideal do homem renascentista, tido como centro do universo e síntese de todas as artes.

Lourenço levou o jovem Michelangelo para seu palácio — ambiente refinado e cultural do Renascimento italiano. Ele se sentiu integrado àquela atmosfera poética e erudita que evocava a grandiosidade da Grécia Antiga, onde o homem era o centro do universo. Passou a viver num ambiente culto, voltado para o humanismo, junto de artistas, poetas, filósofos e burgueses cultos. Dentre esses encontravam-se Pico della Mirandola (erudito e filósofo), Agnelo Poliziano (poeta e humanista) e Marsilo Ficino (filósofo).

No palácio Michelangelo também granjeou os seus primeiros desafetos que não aceitaram o seu temperamento irônico e impaciente, sempre a por em cheque a lerdeza e a limitação dos colegas. Ao criticar o trabalho do colega Torrigiano dei Torrigiani, recebeu um brutal soco no rosto que lhe deformou para sempre o nariz. Tal deformação foi muito dolorosa para ele que tinha a beleza do corpo como a presença divina na passagem do homem pela Terra. Além disso, começou a sentir que no mundo não existia espaço para a sua genialidade.

Quando o jovem completou 15 anos, o monge Savonarola estava em alta com a sua inflamada pregação, berrando aos quatro cantos sobre a ira de Deus prestes a  abater-se sobre Florença. Ao chegar ao governo da cidade, o monge mandou queimar livros e quadros. O jovem artista ficou tão amedrontado com as pregações apocalípticas do religioso, a ponto de questionar-se se a beleza seria um pecado e se os sentidos eram inimigos do espírito divino, como pregava o monge. Savarola também pregava que a arte não podia exibir plenamente o corpo humano, portanto, deveria a arte pagã ser destruída, devendo o artista voltar-se para a arte sacra. Mas, assim que morreu Lourenço, o Magnífico, e com a proximidade da revolução, Michelangelo deixou sua querida Florença, e fugiu para a cidade de Veneza. O religioso foi depois perseguido juntamente com seus seguidores, dentre eles encontrava-se um irmão de Michelangelo. O monge foi queimado.

Embora fosse muito novo, Michelangelo procurou conhecer os escultores gregos e romanos através das obras que se encontravam na biblioteca dos Medici. Também visitou as igrejas de Florença, onde estudou as obras de grandes artistas do passado, tais como Giotto, Donatello, Masacio, Ghiberti, etc, chegando à conclusão de que a escultura era a mais primorosa das artes e que a figura humana já se encontrava na pedra, bastando retirar o excesso para lhe descobrir a alma.

O artista florentino foi uma figura polêmica que viveu numa época conturbada da história de seu país, transitando entre as tensões religiosas, políticas e culturais, sem delas se abster. Para alguns era tido como corajoso, generoso, humilde e racional. Para outros, egoísta, intolerante, megalomaníaco, desajustado e supersticioso. Mas, para todos era um homem solitário, atormentado e apaixonado por tudo que fazia, um gênio de inexaurível capacidade criativa quer como pintor, escultor ou poeta. Era movido pela paixão pela arte, a ponto de chegar ao desespero, pois sua personalidade apaixonada também estava imbuída de uma profunda tristeza e de um pessimismo latente. A melancolia pode ser vista em toda a sua obra, traduzindo sua visão de mundo.

Michelangelo jamais foi compreendido por seus contemporâneos, combatido, sobretudo, por aqueles que invejam a sua genialidade. Ele foi tão genial em sua arte escultórica que suas esculturas chegaram a ser confundidas com obras do passado. Era uma pessoa difícil, solitária e antissocial, não deixando espaço para que as pessoas dele se aproximassem.  De uma feita disse com arrogância: “Não tenho amigos, não preciso deles e nem os quero.”. Apesar disso era uma pessoa triste e depressiva. Morreu aos 89 anos e foi sepultado na sacristia da igreja da Santa Croce de sua querida Florença.

Fontes de pesquisa:
Gênios da Arte/ Girassol
Grandes Mestres da Pintura/ Coleção Folha
Grandes Mestres/ Abril Cultural
Renascimento/ Taschen
Tudo sobre Arte/ Sextante
1000 Obras da Pintura Europeia/ Könemann
Os Pintores mais Influentes/ Girassol
Arte em Detalhes/ Publifolha
Góticos e Renascentistas/ Abril Cultural
A História da Arte/ E. H. Gombrich

Nota: Autorretrato – 1506 (foto maior) / Michelangelo representando Heráclito em A Escola de Atenas, de Rafael Sanzio.

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Mestres da Pintura – MATTHIAS GRÜNEWALD

Autoria de Lu Dias Carvalho aaa

Sua arte é um dos conjuntos de obras mais pessoais e expressivas da pintura ocidental. (David Gariff)

O pintor alemão Matthias Grünewald (c. 1475/1480 – 1528), embora dono de uma produção muito pequena, é sem dúvida um dos mais importantes artistas alemães do século 16. Nasceu na cidade alemã de Würzburg. Quase nada se sabe sobre sua formação e início de carreira. Além de talentoso pintor, era também um exímio desenhista, engenheiro hidráulico e arquiteto.

Para Grünewald, o único objetivo da arte era reforçar as verdades ensinadas pela Igreja, como rezava o conceito de arte na Idade Média, embora vivesse na época do Renascimento. Sendo que começou a aparecer como profissional da pintura sacra, quando vivia em Aschaffenburg, e seu primeiro trabalho com data conhecida é o Escárnio de Cristo, de 1503. Anos mais tarde, assumiu o cargo de pintor oficial do arcebispo de Mainz.

O artista alemão não tinha nenhuma preocupação com a beleza. Sua visão artística advinha da arte religiosa do Gótico tardio, que dava ênfase, em suas obras, à dor, ao sofrimento e à tristeza. Embora tenha tido um conjunto de obras relativamente pequeno, a sua arte é uma das mais expressivas da pintura ocidental, com sua visão convincente do sofrimento, o uso de cores fortes e gesticulação dramática.

Quando morava em Issenheim, na Alsácia, Grünewald pintou um retábulo para a Igreja dos Antoninos, obra máxima de seu estilo dramático, de intenso colorido. De sua obra, hoje estão conservadas apenas dez pinturas religiosas e trinta e cinco desenhos. Muitas de suas obras foram perdidas no mar Báltico, a caminho da Suécia, como espólio de guerra.

Matthias Grünewald morreu em 1528, na cidade alemã de Halle, vitimado pela peste. Ficou esquecido até o final do século XIX, quando foi redescoberto, servindo de inspiração para o Expressionismo alemão do início do século 20.

Curiosidade:
Grünewald é homenageado juntamente com Albrecht Dürer e Lucas Cranac, o Velho, com um dia de festa no calendário litúrgico da Igreja Episcopal (EUA) em 5 de agosto.  E é comemorado como artista e santo pela Igreja Luterana, em 6 de abril, junto com Dürer e Cranach.

Nota: Representação de Grünewald na Franconiabrunnen, por Ferdinand von Miller, (1824) agora em frente ao Residenz Würzburg.

Fontes de pesquisa:
História da Arte/ E.H. Gombrich

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