Arquivo da categoria: Mestres da Pintura

Estudo dos grandes mestres mundiais da pintura, assim como de algumas obras dos mesmos.

Giorgione Barbarelli – A TEMPESTADE

Autoria de Lu Dias Carvalho

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                                         (Sempre clique nas gravuras para ampliá-las até 3 vezes.)

É um quadro que mostra um profundo senso de mistério. Uma pequena ponte nas águas escuras, perto de uma cidade, explode em tons brilhantes sob um céu ameaçador, cujas nuvens são divididas pelo brilho de um relâmpago. Nenhum traço de mal-estar nos personagens e no seu isolamento. Eles vivem suas próprias emoções no seio da natureza, apesar dos sinais. (Alvarez Lopera)

Giorgione — tido como o fundador da pintura veneziana — gostava de usar as paisagens situadas nos arredores de Veneza como cenário para seus quadros clássicos e religiosos.  A Tempestade é o seu quadro mais famoso e uma das pinturas mais aclamadas da arte ocidental. Foi descrito por volta de 1530 como Paisagem em Tela com Tempestade, Cigana e Soldado. Sua importância  dá-se, sobretudo, porque na época a paisagem só entrava como complemento numa obra e esta pintura é basicamente uma paisagem. Não se conhece o significado que, por acaso, a obra possa encerrar, como supõem alguns. Foi encomendada pelo nobre Gabriel Vendramin.

A Tempestade trata-se de uma composição de pequenas dimensões, apresentando um local poético com suas cores fortes e tristonhas em que o pintor veneziano usa a cor e a luz para dar unidade à pintura. Os tons de azul no fundo trazem uma sensação delicada de profundidade, enquanto cores mais quentes apresentam-se no primeiro plano. Giorgione usa a técnica do “sfumato”, já utilizada por Leonardo da Vinci, mas não se sabe se ele já conhecia o trabalho do artista. O mais genial nesta composição é que ele desloca a ação da esfera humana para o reino da natureza.

A composição mostra uma cidade desértica com uma cegonha branca no telhado de uma das casas — talvez simplesmente observando a tempestade que virá — sem nenhuma simbologia. Contudo, para alguns, ela tem um significado — simboliza a castidade, a pureza e a vigilância para o cristianismo. Embora a tempestade avizinhe-se, os dois personagens permanecem tranquilos, agem como se nada estivesse prestes a acontecer.

Em primeiro plano estão um homem e uma mulher que amamenta sua criança. O homem — bastante jovem — segura um cajado de peregrino. Quem seria ele e o que estaria fazendo ali? Antes de pintar a figura do homem, Giorgione teria pintado uma mulher banhando-se, conforme comprovam exames de raios X. Por que teria mudado de ideia? Dois pilares quebrados encontram-se atrás do jovem. O que representariam? A mulher está quase que totalmente despida. Um pano branco cinge-lhe os ombros e parte das costas. Ela se senta sobre parte dele.  Suas pernas estão separadas e ela inclina o corpo para frente. Seu bebê não se encontra em seu colo, mas à sua direita.

Uma cobra rasteja no chão em direção à mulher. Alguns estudiosos de arte acreditam que a mulher da composição seja uma referência a Eva,  e a criança seria seu filho Caim.  Assim como a mulher o homem também usa branco  na camisa, debaixo do gibão desabotoado, de modo que o olhar do observador vagueia de uma para a outra figura, passando pelo homem, pela mulher com a criança, pelo rio e dirige-se para o fundo da composição em direção às nuvens pesadas, onde um relâmpago corta o céu e clareia a cidade desértica, deixando no ar certa tensão. O artista capta o exato momento em que o relâmpago ilumina as nuvens.

A composição intitulada A Tempestade, banhada por uma suave luz dourada, é vista como uma das mais lindas obras de arte. Existe nela um todo harmonioso, onde tudo se funde, resultado da combinação da luz e do ar. Giorgione abre mão das linhas dos contornos para trabalhar com as transições da cor. Até então a paisagem servia apenas de fundo para os personagens, mas aqui ela é o tema da pintura, preenchendo a maior parte da tela. Vê-se que o interesse do artista estava voltado para a natureza, onde tudo se funde. A paisagem já não é mais vista como mera decoração. Suas cores modificam-se como efeito da tormenta prestes a chegar.

Não existe extremo cuidado no desenho das figuras e a composição apresenta-se um pouco rudimentar, mas na explosão de luz e ar que o tornam incomum, numa harmonia jamais vista até então. É a luz sobrenatural da tempestade que se torna o foco principal da composição. É a natureza tornando-se a personagem principal, quando até então fora apenas coadjuvante. Ela é o tema da obra, preenchendo a maior parte da tela.

Segundo E. H. Gombrich, “Giorgione não desenhou coisas para depois dispô-las no espaço, mas pensou realmente na natureza — a terra, as árvores, a luz, o ar, as nuvens e os seres humanos com suas cidades e pontes – como um todo indivisível”. E continua: De certo modo, isso foi um avanço quase tão grande para um novo domínio da arte de pintar quanto a invenção da perspectiva o fora antes”.

Esta obra é tida como uma das últimas do grande artista e uma das obras mais sensacionais criadas na arte. Foi uma realização revolucionária para o seu tempo. Seria ela inspirada num autor clássico? À época, os artistas venezianos mostravam-se encantados com os poetas gregos e tudo que eles simbolizavam. O interessante é descobrir que, ao incluir modificações tonais em razão das mudanças na atmosfera, Georgione prenuncia o Impressionismo.

Curiosidade
Sfumato — trata-se da habilidade de suavizar ou borrar as extremidades das formas para evitar um contorno definido, ou seja, são contornos suaves que escondem a transição entre as cores.

Ficha técnica
Data: c. 1508
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 82 x 73 cm
Localização: Galleria dell’ Academia, Veneza

Fontes de Pesquisa:
A história da arte/ E.H. Gombrich
Arte em detalhes/ Publifolha
Tudo sobre arte/ Sextante
Giorgionni Barbarelli/ Abril Cultural

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Mestres da Pintura – GIORGIONE BARBARELLI

Autoria de Lu Dias Carvalho

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A idade de ouro do humanismo italiano possui em Veneza, com Giorgione, um realizador de suprema poesia pictórica. (Antonio Morassi)

Giorgione Barbarelli da Castelfranco (c.1478?–1510) era um pintor italiano de retábulo e obras sacras, também conhecido por Zorzon. Quase nada se sabe a respeito de sua vida, embora suas poucas obras conhecidas tenham exercido grande influência sobre a arte dos séculos XVI e XVII.  Segundo o pintor e historiador italiano Giorgio Vasari, ele veio de uma família muito humilde. Ainda novo partiu para Veneza, onde foi aprendiz no ateliê de Giovanni Bellini — pintor famoso no uso da cor e da luz. Frequentou a alta sociedade daquela cidade, onde conviveu com os valores do helenismo. É tido como fundador da pintura veneziana, tendo influenciado muitos artistas, dentre eles Sebastiano del Piombo e Ticiano. Era um artista de grande inclinação poética, cujos temas não se sujeitavam ao gosto dos mecenas da época, mas à sua própria escolha.

Giorgione foi o primeiro a pintar paisagens com figuras e nus reclinados.  Às suas formas suaves de paisagens, ele uniu as figuras numa relação íntima e familiar.  Sua influência foi considerável para as futuras gerações de artistas que têm se preocupado com a cor, forma, harmonia e sentimento. O artista dava à paisagem uma importância especial. Ela era a parte mais importante de sua composição, agregando-se às figuras humanas, vistas como elementos da natureza.  Distanciando-se de uma pintura essencialmente religiosa, sua obra está imbuída pelo amor à natureza e pela beleza do corpo humano. É tido como o primeiro pintor a:

  • acrescentar figuras nas suas paisagens;
  •  abrir mão da finalidade devocional, alegórica ou históricas em suas obras;
  •  usar as cores com a intensidade, o que se tornou típico da escola veneziana;
  • e um dos primeiros a usar a técnica do sfumato e do chiaroscuro, o  uso de tons de cor para evidenciar a perspectiva e a luz, um dos motivos de sua fama.

As obras de Giorgione são cheias de mistérios em relação à sua temática. No máximo cinco pinturas podem ser atribuídas a ele, sem que levante qualquer sombra de dúvida. Mas, embora poucas, elas foram suficientes para darem-lhe fama de talentoso pintor. Sua obra era pequena, mas de altíssima qualidade. Suas composições eram sempre originais. Ao contrário de muitos pintores da época, ele dava grande importância às cenas em segundo plano, colocando paisagens nelas, o que foi mais tarde imitado por  outros artistas venezianos.  E, seguindo os ensinamentos do mestre Bellini, Giorgione obteve resultados revolucionários no trato da cor e da luz na sua pintura.

Giorgione morreu aos trinta e dois anos, vitimado pela peste que assolava Veneza na época do verão, tendo sua carreira de pintor durado apenas quinze anos. Fala-se também que morreu em razão de uma doença venérea resultante de sua vida boêmia. Presume-se, pelas poucas obras que deixou que se tivesse vivido mais tempo seria um dos grandes nomes da pintura ocidental, assim como foi seu amigo Ticiano, com quem trabalhou em muitos projetos. Depois dele a pintura era muito mais do que a soma de desenho e colorido. Infelizmente ele morreu muito jovem para colher os louros de sua breve passagem pela arte.

Nota: Autorretrato do pintor

Fontes de pesquisa:
A arte em detalhes/ Publifolha
Giorgione/ Abril Cultural
Isto é arte/ Sextante
501 artistas/ Sextante
A história da arte/ E.H.Gombrich
http://web-archives.mansfield.edu/~art/papyrus1_kate_boyle.htm

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Fra Angelico – SÃO NICOLAU DE BARI

Autoria de Lu Dias Carvalho

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O retábulo acima foi encomendado ao monge Fra Angelico, em 1437, pelo comerciante Cosimo de Medici, o mais influente de Florença. Quando o retábulo foi pintado, embora não se encontrasse entre os santos inclusos na Bíblia, São Nicolau gozava de grande popularidade entre o povo, tendo sua fama se iniciado no Império Bizantino. Eram-lhe atribuídos vários milagres e atos piedosos. Sua notoriedade era tamanha que até o ano de 1500, mais de 2000 monumentos foram erguidos em sua honra apenas na França, Holanda e Alemanha. Mas, embora gozasse de tanta devoção, jamais foi oficialmente canonizado.

São Nicolau é patrono dos comerciantes e dos marinheiros, como se apresenta na composição acima. E o dia 6 de dezembro é dedicado a ele. É interessante notar que antes mesmo do espalhamento do Cristianismo, as tempestades de inverno no mar Mediterrâneo, que se iniciavam nessa mesma época do ano, já traziam muito medo aos navegantes que se valiam de forças sobrenaturais para vencer o medo. Era extremamente perigoso para aqueles que se aventuravam a navegar por ali. Na Antiguidade, pedia-se proteção a Poseidon e a Netuno, mas, com a chegada do Cristianismo, S. Nicolau tomou o lugar dos deuses pagãos. O que não se podia era ficar sem proteção, tamanho eram os perigos que aguardavam os navegadores.

Na composição em evidência, S. Nicolau é apresentado duas vezes, sendo uma no céu, protegendo e guiando os sobreviventes de uma embarcação que singra entre águas revoltas e escuras, e na terra, onde se encontra à direita, com um manto verde e uma auréola que o distingue dos demais personagens. Aqui, ele agradece ao capitão que doou um pouco de seus grãos. Na verdade, trata-se de dois milagres (ou lendas) atribuídos ao santo.

À esquerda do retábulo, Fra Angelico ilustrou a lenda que fala da salvação dos marinheiros pelo santo, assim que foi invocado. O navio encontrava-se à deriva, perdido em meio às águas revoltas, sendo impulsionado em direção a uma encosta rochosa, enquanto um monstro marinho emerge a cabeça das águas turbulentas. S. Nicolau fez com que o vento soprasse e empurrasse a vela à ré, afastando a embarcação dos rochedos.

À direita do retábulo, o monge pintor ilustra a lenda que fala que o santo se dirigiu ao porto para pedir aos marinheiros que lhe dessem 100 medidas de trigo de cada navio, para alimentar a população que morria de fome. Os marinheiros recusaram, dizendo: “Padre, nós não ousaríamos fazê-lo, pois o grão foi medido em Alexandria e nós devemos entregá-lo nos celeiros reais.” Ao que o santo retrucou: “Façam o que eu lhes digo e eu juro pelo poder de Deus de que não haveis de sofrer nenhuma perda perante o medidor do imperador.” Assim aconteceu, além de S. Nicolau ter multiplicado os grãos que ganhara, sendo suficiente para alimentar a população de Myra por dois anos, e ainda doou sementes usadas para semear.

A composição presta uma homenagem ao santo, à navegação e ao comércio. Navios e mercadores ocupam um grande espaço no quadro.

S. Nicolau e o capitão, postados frente a frente, possuem a mesma estatura. As figuras são detalhadamente trabalhadas, enquanto as montanhas e as casas são bem simplificadas.

Cosimo de Medice provavelmente encontra-se no grupo dos homens, que oram ajoelhados dentro da embarcação, na primeira lenda, pois ele sempre se vestia com uma túnica vermelha simples e chapéu preto.

Ao retratar as duas lendas, Fra Angelico separa os dois cenários com uma cordilheira, mas a união do céu e mar traz ao observador a impressão de que as duas cenas acontecem ao mesmo tempo. Na Idade Média era muito comum representar vários episódios numa mesma pintura. O essencial era a mensagem a ser transmitida, de modo que o lugar e o tempo não tinham importância.

São Nicolau de Mira, também conhecido como São Nicolau de Bari, é o santo padroeiro da Rússia, da Grécia e da Noruega. É o patrono dos guardas noturnos na Armênia e dos coroinhas na cidade de Bari, na Itália, onde estariam sepultados seus restos. É também o patrono das crianças, padroeiro dos mercadores, comerciantes principalmente de milho e trigo, carregadores, moleiros, padeiros, e cervejeiros.

Sobre São Nicolau, bispo de Mira (Lícia) no século IV, existem um grande número de relatos e histórias, mas é difícil distinguir as autênticas das abundantes lendas que germinaram sobre este santo muito popular, cuja imagem foi tardiamente relacionada e transformada no ícone do Natal chamado de Papai Noel. É chamado de Santa Claus ou St. Nicholas na maior parte dos países da língua anglófona.

Curiosidade:
Retábulo – escultura, entalhe ou obra de pintura que adornava o altar de uma igreja, durante a Idade Média. Os primeiros eram adornados com figuras esculpidas ou com ouro e só mais tarde é que as pinturas se tornaram um lugar-comum. Os retábulos pintados podiam consistir numa só pintura ou em vários painéis. Muitas vezes erguiam-se atrás do próprio altar ou estavam montados ao fundo do altar.

Ficha técnica
Artista: Fra Angelico
Ano: 1437
Dimensões: 34 x 60 cm
Localização: Pinacoteca Vaticana

Fontes de pesquisa
Los secretos de las obras de arte/ Taschen
Wikipédia
1000 obras-primas da pintua europeia/ Könemann

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Mestres da Pintura – FRA ANGELICO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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O primeiro Renascimento florentino produz o maior intérprete de arte cristã de todos os tempos: […] um religioso dominicano que conhecia desde os mistérios da fé e que era chamado a pintar. (Timothy Verdon)

Ele rezava antes de pegar no pincel, jamais retocando suas obras, porque refletiam a vontade divina. Quando pintava os crucifixos ou o rosto sofredor de Jesus durante a Paixão, chorava de emoção devido a sua grande bondade e sensibilidade espiritual. Poderia ter sido rico, mas não se importava. Dizia que a verdadeira riqueza não era outra senão contentar-se com pouco. (Giorgio Vesari)

Sua obra é tanto mais comovente em virtude de sua humildade que é a de um grande artista que deliberadamente renunciou a qualquer exibição de modernidade. (E. H. Gombrich)

Seus afrescos e retábulos retratam homens para os quais esta vida terrena é antecâmara da celestial. Ele reproduz em suas pinturas pessoas imbuídas de uma luz, claridade e leveza inexistentes no cotidiano real. São figuras são dotadas de um fulgor vindo de dentro para fora e que iluminam todo o seu ser. Porque o espírito é claro, enquanto a matéria é opaca. A intenção do artista é exatamente representar essa irradiação do espírito. (Plínio Corrêa de Oliveira)

O pintor e miniaturista italiano, cujo nome de batismo era Guido di Pietro Mugello (1384 – 1455), é um dos mais importantes mestres surgidos entre o final do período Gótico.  Ainda muito jovem, abraçou a ordem dos dominicanos, passando a chamar-se Frei Giovanni Fiesole. Após anos de estudos filosóficos e teológicos, transformou-se num profundo conhecedor da doutrina cristã tomista (ligada a São Tomás de Aquino) e num ardoroso sacerdote de sólida piedade. Somente após sua morte é que foi apelidado de Fra Angelico (Irmão Angélico) e também de Beato Angelico pelos irmãos de ordem e pelo povo, tamanha era a sua fama de santidade.

Fra Angelico foi inicialmente miniaturista, mas em contato com a efervescência da arte em Florença, responsável por liderar toda a Europa Renascentista, começou a pintar nos seus momentos de descanso, após cumprimento de seus deveres religiosos. Aos poucos seu nome passou a figurar entre os grandes pintores da época, chegando a ser recomendado à família Médici como “um dos melhores mestres de Florença”. À reputação de religioso humilde e devoto juntou-se à de excelente pintor de arte sacra, cujas obras, segundo as pessoas da época, pareciam ser pintadas por anjos, tamanha era a paz e a quietude que delas emanavam.

Não se tem como certa as informações sobre a iniciação do beato na pintura. Lorenzo Monaco é apontado como um de seus mestres em iluminura. O aprendizado de tal técnica é visível no cuidado que ele tem com os detalhes em toda a sua obra. As grandes obras do dominicano na pintura começam a surgir entre 1420 e 1430. Ele acreditava que assim como o sopro do Espírito Santo dava vida às palavras de seus irmãos no púlpito, também haveria de manejar o seu pincel, ou seja, enquanto eles pregavam pela palavra, ele pregaria com sua pintura.

A pintura de Fra Angelico era essencialmente sacra e tinha como objetivo elevar o nome de Deus — motivo pelo qual jamais representou uma cena profana. Sua pintura essencialmente religiosa está dominada por um espírito contemplativo, pois ele concebia a pintura como uma espécie de oração. Suas obras eram destinadas à contemplação e à devoção. Embora fosse sobretudo um místico, ele intelectualizou a pintura, inserindo nela a preocupação com o espaço e com as leis da perspectiva e desenvolveu um estilo único, caracterizado por cores suaves, claras, formas elegantes e composições muito contrabalançadas. As tintas usadas pelo monge pintor eram de uma beleza incomparável. Produzidas por ele, apresentavam uma arrebatadora variedade cromática. O azul era a cor de sua predileção, sendo explorado em várias tonalidades, sobretudo o azul da Alemanha, o índigo e o azul ultramar. A matéria-prima era o lápis-lazúli.

Fra Angelico, assim como o pintor Masaccio, é um nome marcante do início da Renascença italiana e um dos grandes nomes da pintura religiosa de todos os tempos. Sua pintura traz consigo um caráter de catequese espiritual que visa mostrar a bondade infinita e a perfeição do Criador. Ele buscava representar a história sagrada com beleza, mas, sobretudo, com simplicidade. No dia 14 de novembro de 2006 foram encontrados mais dois painéis pintados por ele, numa modesta casa em Oxford, na Inglaterra. Estavam perdidos há mais de 200 anos. Segundo Hegel “Fra Angélico criou uma obra que nunca foi superada na profunda sinceridade de sua concepção).

Nota: “A Descida da Cruz” (1430 -1440) — obra encomendada pela família Strozzi para a Santa Trinità em Florença. Foi iniciada pelo pintor Lorenzo Monaco que pintou os campos e completada por Fra Angelico. A composição de fundo identifica-o como um dos grandes pintores paisagistas do século XV. O painel é também uma obra chave dos primeiros tempos do Renascimento, por causa de sua construção espacial realista e formas arquiteturais simplificadas. A cor encontra nela o seu esplendor máximo.

Fontes de Pesquisa
Góticos e Renacentistas/ Abril Cultural
1000 Obras-prima da Pintura Europeia
Arautos do Evangelho/ O Pintor do Sobrenatural
A História da Arte/ E. H. Gombrich

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Velázquez – AS MENINAS

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Esta composição foi originalmente chamada de A Família de Filipe IV ou A Família Real, mas tornou-se conhecida em todo o mundo como As Meninas, termo que se refere às damas de honra da princesa Margarida, filha do rei Filipe IV e de sua segunda esposa Mariana da Áustria. Velázquez retrata uma cena cotidiana numa corte do século XVII, mas, embora possa parecer simples, as suas multíplices facetas fazem dela uma das mais ricas composições da história da arte. O quadro repete exatamente o ambiente onde o pintor encontrava-se inserido. Trata-se de uma pintura sobre pintura.

A cena acontece em uma das salas do palácio real e leva o observador a deduzir que o artista estava pintando Filipe IV e sua esposa Mariana, quando a princesinha Margarida precipitou-se para dentro do seu ateliê, acompanhada de suas damas de honra — María Agustina e Isabel Velasco. Assim, a pintura na grande tela à frente do pintor, apoiada num imenso cavalete, é a que se vê no espelho: o casal real. Contudo, a tela que o artista pinta não pode ser vista pelo observador, pois ele a vê de costas. A resposta está no espelho, como supõe a maioria dos estudiosos de arte.

A infanta — ocupando o centro da composição — parece olhar para seus pais, fazendo uma pequena mesura, sem se interessar pela presença das duas damas de honra que a ladeiam. Embora seja a menor das personagens, de pé com seu vestido rodado, percebe-se claramente que é a figura mais importante da composição. Uma fonte de luz destaca a princesa de cinco anos de idade que se encontra no centro da tela. Sua expressão sugere que ela está consciente da posição que ocupa no grupo. Velázquez usou borrifos de tinta branca pura para realçar o reflexo da luz nos seus cabelos dourados e no magnífico vestido, transformando-a no ponto focal da pintura.

Mesmo não aparecendo na cena principal da composição, o rei e a rainha têm a imagem refletida no espelho do fundo, sob um cortinado vermelho, recolhido. O casal está meio obscurecido pela falta de claridade no local. O espelho está envolto numa moldura escura e também reflete a iluminação usada pelo pintor. Presume-se que eles estejam onde o observador se encontra.

Diego Velázquez — vestido como um cavaleiro sisudo e elegante — faz um autorretrato, ao se apresentar no lado escuro, à direita da infanta, com uma paleta na mão esquerda e um pincel na direita — símbolos de sua função na corte —, tendo à sua frente um enorme quadro recostado a um cavalete e de costas para o observador. Ele reclina para trás para melhor observar seu trabalho. Usa pincéis compridos, pois os detalhes de sua obra só entram em foco de certa distância. A cruz da Ordem de Santiago está no seu colete, na parte do peito. Ela foi ali pintada três anos após a finalização da pintura, quando ele foi sagrado Cavaleiro da Ordem. Não se sabe se foi o artista ou outra pessoa a mando do rei que a pintou.

María Agustina está ajoelhada e estende uma bandeja de prata, com uma pequenina jarra de cerâmica vermelha, provavelmente água fresca e perfumada, à princesa, enquanto Isabel Velasco faz uma pequena inclinação para homenagear Margarida, ou talvez uma saudação ao casal real. Mari-Bárbola — anã alemã — muito bem vestida, encontra-se à direita de Isabel Velasco que olha para frente.

O rosto alinhando horizontalmente com o da princesa e o elegante vestido escuro só fazem aumentar a beleza da infanta. A seu lado encontra-se Nicolás Pertusato — anão italiano — com o pezinho sobre a traseira do cachorro que parece tirar uma soneca. A sua postura sonolenta é indicativa de que ali se encontra há bastante tempo. Ao colocar o pezinho sobre o flanco do animal, o anão traz para a obra um ar de espontaneidade. Um pouco atrás, a freira Marcela de Ulloa — responsável pelas damas — parece conversar com um homem hirto,  o guarda-costas que parece ter sua atenção direcionada aos reis. Outras análises dizem se tratar de um sacerdote.

O teto representa uma grande área escura que lembra o estilo barroco. Os suportes não possuem candelabros, mas direcionam o olhar para o fundo da sala, sendo que um deles aponta para o espelho com a imagem dos reis. Na parede lateral, à direita, é usado um jogo de luz e sombras, com o objetivo de ampliar a ilusão de profundidade do espaço, onde se desenrola a cena. Embora a luz diurna entre por uma das janelas desta parede, existem também outras fontes de luz a modelar as sombras.

Ao fundo vê-se uma porta aberta que dá para um aposento, uma escada e outra porta. José Nieto Velázquez (possivelmente parente do pintor) — camareiro da rainha — encontra-se nos degraus, emoldurado pelo marco da porta. Ele aponta para o retrato do rei e da rainha no espelho, para que não passem despercebidos. Uma forte luz origina-se do local. No alto da parede, onde se encontra o espelho, estão duas cópias dos quadros: Minerva e Aracne de Rubens, e Apolo e Pan de Jacob Jordaens, feitas pelo genro de Velázquez, Juan Bautista del Mazo.

A luz está assim distribuída na composição: forte na porta aberta e no espelho, indicando que os reis estavam clareados, enquanto posavam para o artista; intensa no primeiro plano e disseminada no fundo. As figuras da composição estão muito bem equilibradas: as três meninas equilibram-se com os dois anões e o cão no primeiro plano; Velázquez, de pé à esquerda, contrapõe-se ao guarda-costas e à freira, à direita, no plano médio; o reflexo do casal real no espelho equilibra-se com o camareiro à porta.

Por ter captado o instante exato em que tudo parece estar em ação é que a obra de Velázquez é tida como pioneira do impressionismo. Suas cores são discretas, com escassez delas na parte superior, com destaque para o branco, cinza e negro das vestimentas que trazem minúcias em vermelho. Ao apresentar os anões e o belo cão, Velázquez aproxima-se do impressionismo também. Não existe unanimidade em relação a quem (ou o quê) estava sendo retratado pelo artista. Uma das suposições é que se tratava do casal real, mas também poderia ser o retrato da princesa, embora ela se encontre atrás do pintor. O certo é que a composição é bastante intrigante.

Curiosidades:

  • A Infanta Margarida era chamada por seu pai de “minha alegria”. Aos 15 anos de idade ela se casou com seu tio Leopoldo I, imperador. Morreu aos 21 anos, deixando 4 filhos.
  • Velázquez conhecia a obra Os Esponsais dos Arnolfini que traz uma pintura no espelho.
  • O ponto de fuga da composição está na porta aberta ao fundo.
  • Os soberanos não são mostrados diretamente, ao contrário do pintor que parecia gozar de grande privilégio na corte, como prova o seu olhar altivo dirigido ao observador.
  • Segunda uma lenda, após a morte do pintor, o próprio rei pintou em vermelho a cruz da Ordem de Santiago no peito do pintor no quadro.
  • Questionamentos sobre a obra: O que Velázquez pinta na tela à sua frente? Onde estaria ele, para poder pintar a cena e a si próprio? Onde estão o rei e a rainha na sala, para terem o reflexo no espelho?
  • Os quadros identificáveis na parede são: “Apolo e Pan” da escola de Rubens, e cópia de um Jardaens, de Mazo, ambos no Museu do Prado.
  • Pintores que fizeram uma leitura pessoal da obra ou nela se inspiraram: Francisco Goya, Edgar Degas, Édouard Manet, Max Liebermann, Franz von Stuck, Salvador Dalí, Richard Hamilton, Pablo Picasso, etc.

Ficha técnica:
Ano: 1660
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 212 x 147 cm
Localização: Museu do Prado, Madri, Espanha

 Fontes de pesquisa:
Barroco/ Taschen
Tudo sobre arte/ Sextante
Grandes mestres/ Abril Coleções
Grandes pinturas/ Publifolha
Arte em detalhes/ Publifolha
Enciclopédia dos Museus/ Mirador
1000 obras-primas da pintura…/ Konemann
Grandes mestres da pintura/ Coleção Folha

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Velázquez – A FORJA DE VULCANO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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A composição A Forja de Vulcano foi pintada enquanto Diego Velázquez encontrava-se na Itália, durante a primeira vez que esteve naquele país. Trata-se de um tema mitológico que representa o exato momento em que Apolo, deus da juventude e da luz, fala a Vulcano, deus do fogo, sobre a infidelidade de sua mulher, Vênus, deusa da beleza e do amor, que está a traí-lo com Marte, deus da guerra. Ao receber a notícia da infidelidade de sua esposa, Vulcano fica tão chocado, que chama para si a atenção dos ciclopes, seus companheiros de trabalho, que interrompem o que estavam fazendo.

O pintor colocou no rosto de cada personagem uma reação divergente. Vulcano mostra-se espantado e irado, ao receber uma notícia de tamanho impacto emocional, enquanto seus quatro ajudantes mostram surpresa e sobressalto diante de tão perturbadora informação. O deus Apolo, de pé na entrada da oficina de ferreiro, está iluminado, enquanto a forja está na sombra.  Os corpos estão na vertical, e vários objetos encontram-se entre eles. O jogo de olhares traz tensão à cena.

Nesta composição, do início de sua maturidade, Velázquez usa tons mais fortes do que os usados nas composições anteriores, como o vermelho-alaranjado da túnica de Apolo, a chama da forja e o metal vermelho incandescente, que Vulcano trabalha sobre a bigorna. As figuras exibem corpos escultóricos de pele iluminada, com tonalidades diferentes. A pintura possui eixo central, com ramificações oblíquas e deslocamentos multidirecionais.

O pintor transformou um tema mitológico numa cena real, em que Vulcano é um ferreiro comum, trabalhando na sua forja, e os ciclopes são seus aprendizes ou funcionários. Apolo apresenta-se como deus, com sua aureola brilhante  e sua coroa de louros. É ao mesmo tempo o deus da poesia e o símbolo do Sol. Ele é a luz que ilumina Vulcano, para que tome conhecimento da traição de sua mulher, Vênus.

Ficha técnica:
Ano: 1630
Dimensões: 223 x 290 cm
Técnica: óleo sobre tela
Localização: Museu do Prado, Madri, Espanha

Fontes de pesquisa:
Grandes mestres da pintura/ Coleção Folha
Grandes mestres/ Abril Coleções
Velázquez/ Taschen
Enciclopédia dos Museus/ Mirador
Pinturas da Espanha/ Jonathan Brown

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