Arquivo da categoria: Mestres da Pintura

Estudo dos grandes mestres mundiais da pintura, assim como de algumas obras dos mesmos.

Correggio – JÚPITER E ANTÍOPE

Autoria de Lu Dias Carvalho

O pintor italiano Antonio Allegri (c. 1489-1534) acabou adotando o nome da cidadezinha de seu nascimento – Correggio. Presume-se que tenha sido aluno de Francesco Biachi Ferrarri, embora tenha recebido grande influência dos trabalhos de Andrea Mantegna, Leonardo da Vinci, Rafael Sanzio e Michelangelo. É tido como um dos mais renomados pintores do Alto Renascimento. Ao buscar em sua obra o máximo possível de leveza e elegância, acabou por ser o primeiro a criar a pintura ilusionista. Inovou nos efeitos de luz e sombra. Foi também responsável por criar uma inusitada tridimensionalidade através do uso do escorço e da sobreposição.

A composição, que durante muito tempo foi intitulada Júpiter e Antíope, e atualmente é vista como Vênus e Cupido com um Sátiro por alguns, é uma das obras mitológicas mais antigas de Correggio. Para a maioria dos estudiosos de arte deve ser vista mais como uma complexa alegoria de amor terreno e menos como uma descrição exata de uma lenda. Uma cópia da obra foi descrita no século XVII como um “Venrie Mundano” (Vênus Terrena), numa referência ao amor carnal. A discussão sobre a obra continua até hoje. Retrataria ela Júpiter e Antíope ou Vênus e um sátiro? A resposta fica com os estudiosos, quando entrarem num consenso.

A cena mostra Antíope (ou seria Vênus?), nua, dormindo a céu aberto, na floresta. A seu lado, também em profundo sono, Cupido (Eros), está deitado sobre uma pele de leão. Acima de sua cabeça encontra-se seu arco, e à direita da jovem (ou deusa) está sua aljava, feita com a cauda pintada de um animal. A jovem traz parte de seu corpo sobre um manto azul, e encontra-se ligeiramente inclinada em direção ao gorducho deus Cupido. Sua mão esquerda repousa sobre o arco do deus, enquanto a direita envolve a própria cabeça, que traz o rosto voltado para cima. A luz da tarde dá um tom dourado aos corpos nus, e também reflete nos cabelos cacheados da personagem. Uma tocha fumegante jaz entre os dois, com a chama voltada para cima, simbolizando o amor que jamais adormece e tem o poder de inflamar aqueles a quem toca.

Júpiter (ou seria um sátiro?) tomou a forma de um voluptuoso sátiro para aproximar-se de Antíope e seduzi-la. Ele levanta o manto azul que cobre o corpo da mulher, para melhor admirá-lo. O manto também encobre seu pênis, que deveria se encontrar em estado de excitação. Embora Antíope (ou Vênus) tenha sido surpreendida quando se encontrava dormindo, é possível perceber movimentos sensuais em seu corpo, como se estivesse tendo sonhos libidinosos.

Corregio fez uma série de pinturas ilustrativas dos amores de Júpiter, deus romano, conhecido por Zeus na mitologia grega.  Dentre elas estão as referentes a Dânae, Leda, Io e Ganimedes. A obra acima é um exemplo do estilo amadurecido do artista, onde são vistas influências de Giorgione e Leonardo da Vinci, como os tons esfumaçados.  Sua pintura está de acordo com a sensualidade de seu sujeito: linha sinuosa, cor atmosférica, luz crepuscular e modelagem voluptuosa. O tema envolvendo Júpiter e Antíope já foi retratado por vários pintores, dentre os quais podemos destacar Antoon van Dyck, Jean-Antoine Watteau e Jacques-Louis David.

Ficha técnica
Ano: c. 1524/25
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 190 x 125 cm
Localização: Museu do Louvre, Paris, França

Fontes de pesquisa
Enciclopédia dos Museus/ Mirador
1000 obras-primas da pintura europeia/ Könemann
http://www.louvre.fr/en/oeuvre-notices/venus-satyr-and-cupid

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Rembrandt – A CEIA EM EMAÚS

Autoria de Lu Dias Carvalho

O pintor holandês Rembrandt Harmenszoon van Rijn (1606-1669) recebeu educação formal na Escola Latina, dos sete aos 14 anos de idade. Daí seguiu para a universidade, a qual abandonou num período de poucos meses, pois sua vocação era outra: a pintura. Tornou-se aluno do pintor holandês Jacob van Swanenburgh, após a volta desse da Itália, onde havia passado um longo período, demonstrando grande interesse pelo Renascimento italiano. Rembrandt, seduzido pelo estilo italiano, passou a frequentar o ateliê de outro mestre, Jacob Symonszoo Pynas, também adepto do mesmo estilo. Morou depois em Amesterdã, onde frequentou o estúdio de Pieter Lastman, um conceituado pintor de histórias bíblicas e cenas mitológicas, que havia trabalhado junto a Caravaggio e seus alunos.

A composição intitulada A Ceia em Emaús é uma das obras-primas do pintor em sua idade madura, período em que dá mais destaque à figura de Cristo. A história bíblica sobre a “Ceia em Emaús”, na qual Jesus aparece, e depois tem uma refeição com dois de seus discípulos, após a sua ressurreição, é um tema comum na história da arte cristã, tendo sido retratado por inúmeros artistas, inclusive o próprio Rembrandt já o havia pintado. Aqui ele apresenta um cenário arquitetônico gigantesco, embora seja extremamente simples, comportando poucos elementos: a porta, as colunas e a moldura do nicho, lembrando o começo do cristianismo com suas basílicas paleocristianas.  O nicho é responsável por servir de fundo para os personagens, especialmente para a figura de Cristo.

O Mestre Jesus é o personagem central da obra, o centro espiritual da cena, responsável por difundir luz num ambiente escuro, atingindo o rosto e as mãos dos três homens ali presentes. Nesta difusão de luz natural e divina, tudo é matizado, começando pelas cores iridescentes das vestes de Cristo, chegando aos gestos emocionais dos peregrinos, que reconhecem o Salvador ressuscitado. Cristo não é visto a repartir o pão, como em outras pinturas,  o artista retrata-o após esse momento, estando os dois apóstolos já conscientes de sua ressurreição e, por isso, a luz que dele emana enche todo o ambiente em que se encontram, exalando paz.

Cristo está sentado à mesa com as duas mãos unidas, apoiadas sobre essa. Embora se encontre de frente para o observador, seus olhos estão voltados para cima. À sua esquerda, o rapazinho ainda segura a bandeja com dois pedaços de pão, aparentemente sem compreender o que se passa. Um dos apóstolos, de costas para o observador, com as mãos em postura de oração, mostra-se em estado de adoração. O outro, com o olhar voltado para o Mestre, apoia-se no braço da cadeira e segura na mão direita um guardanapo. A mesa está forrada com um tapete e, sobre ele, uma toalha branca. Poderia ser uma simples cena de gênero, tão despojada que é de detalhes, se não houvesse uma auréola a circundar a cabeça de Jesus e a luz resplandecente que reflete de seu corpo ressuscitado.

Jesus Cristo é visto nesta pintura de Rembrandt como a Luz do Mundo, responsável pela salvação da humanidade através de uma experiência interior. Por isso, a luz que dele emana, iluminando a escuridão, é a parte essencial da pintura, responsavel por sua narrativa.

Ficha técnica
Ano: 1648
Técnica: óleo sobre madeira
Dimensões: 68 x 65 cm
Localização: Museu do Louvre, Paris, França

Fontes de pesquisa
Enciclopédia dos Museus/ Mirador
1000 obras-primas da pintura europeia/ Könemann
http://rembrandt.louvre.fr/en/html/r13.html
http://www.wga.hu/html_m/r/rembrand/13biblic/39newtes.html
http://www.artway.eu/content.php?id=1154&lang=en&action=show

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Vermeer – A RENDEIRA

Autoria de Lu Dias Carvalho

O gênio do mestre de Delft consistia em reproduzir as deformações ópticas naturais do olho humano criando várias profundidades de campo. (Louvre)

O pintor holandês Johannes van der Meer, também conhecido como  Jan Vermeer, ou apenas Vermeer, (1632 – 1675), embora tenha apenas 35 obras conhecidas, é tido como um dos grandes nomes da pintura holandesa, tendo sido apelidado de “a Esfinge de Delft”. Apesar de ter pertencido ao século 17, só se tornou realmente reconhecido como um grande pintor em meados do século 19. É visto hoje como o segundo pintor holandês mais importante do século 17 (período conhecido por Idade de Ouro Holandesa, devido às importantes conquistas culturais e artísticas do país nessa época), ficando aquém apenas de Rembrandt. Alguns dizem que ele nunca usou a pintura profissionalmente, pintando apenas por prazer.

A composição intitulada A Rendeira, ou ainda A Bordadeira, é uma obra do artista. Tanto a literatura quanto a pintura holandesa retratavam o trabalho de renda e de costura como sendo importantes qualidades domésticas. A mulher virtuosa, além de dedicar-se a seu trabalho de rendeira é também temente a Deus, conforme preconizava a moral religiosa da época. A jovem mulher traz à sua direita, numa mesa próxima, um livro de orações, ou uma pequena Bíblia, com capa de pergaminho e laços de fita escuros. Ao lado do livro encontra-se uma almofada de costura azul-escuro, com bordas decoradas, dividida em duas partes. Dentro dela, na parte inferior, existem compartimentos para guardar linhas, agulhas, dedais, etc. Muitas vezes esse tipo de almofada ficava no colo da mulher, enquanto ela trabalhava. Aqui, através de uma pequena abertura, saem fios brancos e vermelhos.

A jovem, vista por alguns estudiosos de arte como provável filha do artista, Maria ou Elizabeth, está postada em primeiro plano, curvada sobre seu trabalho. O certo é que ela é um membro da burguesia da cidade de Delft, pois não usa uniforme para trabalhar, encontrando-se muito bem vestida. Mostra-se atenta a sua atividade, indiferente ao que se passa em derredor. Usa uma blusa amarela, provavelmente de cetim, com uma imensa gola de delicada renda branca. Seu penteado é bem incomum para os nossos dias, mas está em conformidade com a época em que a obra foi pintada. Suas mãos, ao manusear os bilros, repousam sobre uma delicada almofada azul-claro. Um fino fio branco esticado é trabalhado entre seus dedos. A superfície da mesa, onde ela trabalha, pode ser abaixada e levantada, de modo a facilitar seu trabalho.

Pelo fato de a modelo encontrar-se bem próxima ao observador, torna-se difícil a distinção de suas formas, fato incomum nas obras de Vermeer, que gostava de deixar amplos espaços entre o observador e o tema. Esta é também a menor de suas obras. A luz que ilumina a cena, e de modo especial a testa e os dedos da moça, entra pela direita. Uma parede clara, sem qualquer outro elemento, serve de pano fundo, de modo a levar o observador a concentrar toda a sua atenção na cena. As formas em primeiro plano apresentam-se mais desfocadas. Para Renoir, esta é uma das pinturas mais lindas do mundo, juntamente com “Viagem à Ilha de Citara”, de Watteau, ambas no Louvre e estudadas aqui no nosso site.

Ficha técnica
Ano: c. 1669/71
Técnica: óleo sobre tela (anexado ao painel)
Dimensões: 24 x 21 cm
Localização: Museu do Louvre, Paris, França

Fontes de pesquisa
Enciclopédia dos Museus/ Mirador
1000 obras-primas da pintura europeia/ Könemann
http://www.louvre.fr/en/oeuvre-notices/lacemaker
http://www.essentialvermeer.com/catalogue/lacemaker.html

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Botticelli – VÊNUS E MARTE

 Autoria de Lu Dias Carvalho

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A composição Vênus e Marte é uma obra mitológica do pintor italiano Sandro Botticelli, baseada na história amorosa acontecida entre Vênus, a deusa da beleza e do amor, e Marte, o deus da guerra e guardião da agricultura, ambos pertencentes à mitologia romana. Segundo a lenda, Marte era um deus presunçoso e orgulhoso, que se quedou de amores pela belíssima deusa, que sempre despertava paixão . Desse relação nasceu Cupido, deus do amor.

Vênus e Marte encontram-se num bosque encantado, cercados por pequenos e lúdicos sátiros. A deusa está desperta, enquanto Marte dorme profundamente, como se descansasse após ter feito amor. Em torno do par estão quatro sátiros que fazem troças do até então altivo deus. Dois deles seguram sua lança, sendo que o primeiro também traz o elmo do deus da guerra na cabeça. O terceiro sopra uma concha no seu ouvido, tentando acordá-lo, e o quarto descansa debaixo de seu braço esquerdo.

Embora Vênus seja retratada como uma deusa bela e poderosa, suntuosamente vestida, Marte é mostrado como um adolescente seminu com traços bem femininos, e totalmente indefeso, como ironizam os sátiros. Botticelli fez uma interpretação livre da temática mitológica, levando-a para o campo idealizado do amor sensual, mostrando que o amor sobrepõe-se à guerra, vencendo tudo.

Os dois deuses, voltados um para o outro, em primeiro plano, tomam toda a parte inferior da tela. A perspectiva e o horizonte, apresentados no quadro, são extremamente apertados e comprimidos. Olhando com atenção, pode-se perceber o mar ao fundo, bem distante, local de onde teria saído a deusa. Um enxame de vespas esvoaça em torno da cabeça de Marte, possivelmente alusivo à simbologia de que o amor chega, muitas vezes, acompanhado da dor. Pode ser também uma alusão à família Vespucci, responsável por ter encomendando a obra, uma vez que tinha como símbolo a vespa.

É possível que esta pintura tenha sido parte de uma mobília de quarto: de um sofá de madeira, ou  cabeceira de cama, ou um pedaço de lambris, o que explica o seu tamanho e forma.

Ficha técnica
Ano: c. 1475-80
Técnica: têmpera sobre madeira
Dimensões: 69,2 x 173 cm
Localização: Galeria Nacional, Londres, Grã-Bretanha

Fonte de pesquisa
Enciclopédia dos Museus/ Mirador
https://www.nationalgallery.org.uk/paintings/sandro-botticelli-venus-and-mars

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Léger – O JOGO DE CARTAS

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Procurando o brilho e  a intensidade, aproveitei-me da máquina como outros fazem paisagens de imaginação. O elemento mecânico não é para mim uma “atitude”, mas um meio de chegar a uma sensação de força e potência. (Léger)

 Quando os rapazes jogavam cartas, eu assistia. Fazia desenhos e esboços, pois queria capturá-los. Essa foi a origem de “A Partida de Cartas”. Aqueles companheiros exerciam uma grande impressão em mim, e o desejo de desenhá-los era bastante espontâneo. […] “A Partida de Cartas” foi a primeira pintura que levou-me ao que estava acontecendo ao meu redor. (Léger)

A composição Jogo de Cartas, também conhecida como A Partida de Cartas, é uma obra do pintor normando Fernand Léger. Foi feita quando o artista encontrava-se hospitalizado em Paris em razão de ter aspirado gás no front da Primeira Guerra Mundial. No seu retorno ao mundo dos pincéis o pintor resolveu tomar para si a função de descrever a integração do homem com o mundo mecanizado, mundo esse que ele admira e expõe com otimismo, demonstrando o sentido social da arte.

Em sua pintura  Léger faz a união do elemento humano com o da artilharia, presentes na trincheira. É o soldado fundindo-se com as armas de guerra. É por isso que esta obra é tida como o início da fase mecanicista do artista. Trata-se da maior e da mais completa das pinturas de guerra de Léger.

Os soldados com seus uniformes azuis-acinzentados e capacetes de metal não possuem expressão. São retratados  como cones, tubos, pirâmides, barris e tubos. São vistos como autômatos, usando emblema e condecorações. Encontram-se jogando cartas num espaço muito limitado.  Dois deles fumam cachimbo. A pintura traz campos de cores azul, amarelo, vermelho, cinza, branco e verde.

Ficha técnica
Ano: 1917
Técnica: óleo em tela
Dimensões: 129 x 193 cm
Localização: Rijkmuseum, Otterlo, Holanda

Fontes de pesquisa
Gênios da Pintura/ Editora Abril Cultural
https://books.google.com.br/books
http://www.memorial-caen.fr/10EVENT/EXPO1418/gb/texte/029text.html

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Millet – AS RESPIGADORAS

Autoria de Lu Dias Carvalho

A respiga era permitida apenas com um certificado de indigência passado pelo presidente do município, sendo permitida apenas aos pobres na sua comunidade. (Honoré de Balzac)

O pintor realista francês Jean-François Millet (1814-1875) era filho de uma próspera família rural da Normandia. Através de uma bolsa de estudos foi estudar em Paris com Paul Delaroche, Jérome Langlois e Chevreville. Permanceu dois anos na Escola de Belas-Artes. No início de sua carreira o artista fez retratos e pinturas históricas e mitológicas, vindo a trabalhar posteriormente com o tema camponês, retratando a vida diária das pessoas que trabalhavam no campo. Os temas usados pelo artista em suas obras eram vistos como revolucionários e perigosos para os poderosos da época.

A composição intitulada As Respigadoras — também conhecida como As Catadoras — é uma obra-prima do artista. Ele apresenta uma paisagem com três mulheres em primeiro plano, tudo numa escala enorme, o que contrariava o academicismo da época, uma vez que as cenas grandiosas deviam dizer respeito apenas às obras clássicas e históricas, o que acabou gerando grande polêmica em relação a esta obra que foi mostrada no Salão de Paris de 1857, dividindo a opinião dos críticos de acordo com os ideais políticos que detinham: os republicanos aplaudiram a obra em razão de sua representação digna e realista das classes trabalhadoras rurais, enquanto os conservadores acharam-na excessivamente progressista e, portanto, subversiva.

Millet apresenta três monumentais mulheres camponesas no centro da composição, num enorme campo de trigo na fase da respiga (termo que se refere ao ato de coletar as sobras do trigo depois que a colheita aconteceu). As camponesas são mostradas nas três fases da respiga: procurar as sobras, recolhê-las e as amarrar num feixe — o que fazem da esquerda para a direita. As respigadoras eram vistas como as mais pobres dos pobres.

Apesar da aparente pobreza as mulheres mostram-se imbuídas de um grande senso de dignidade. Cabe-lhes a tarefa de recolher as espigas que ficaram para trás no campo, após os homens terem feito a colheita. A aspereza do trabalho é vista nos seus traços duros e fortes. A cores de suas toucas (azul, vermelho e amarelo) ganham destaque no meio da paisagem dourada com seus matizes acentuados pela luz do sol poente. As toucas vermelha e azul juntamente com as mangas brancas trazem à lembrança a bandeira francesa, símbolo da luta política da época.

As mulheres encontram-se em primeiro plano, inclinadas em direção ao solo. Seus olhos estão voltados para o chão e seus rostos obscurecidos não têm nenhum contato com o observador, como se lhe dissessem que sabem da pouca importância que possuem dentro do contexto social. Levam avante um trabalho penoso, cuja execução cabia às camponesas. Ao se mostrarem reclinadas abaixo da linha do horizonte, tem-se a impressão de que o pintor queria representar a falta de perspectiva social dessa gente que morria da mesma maneira que nascia, sem vislumbrar nenhum tipo de progresso. Essas pessoas eram como a terra e dela faziam parte.

O pintor deixa à vista a grande distância que existe entre a riqueza e a pobreza, mostrando toda a carga de desamparo a que os pobres estavam submetidos. Em seu realismo, ele escancara a crueza e o descrédito da penúria e do trabalho manual executado pelas mulheres pobres que aqui representam a classe trabalhadora rural.

A cena acontece ao pôr do sol, com o crepúsculo banhando as pessoas e a paisagem. As mulheres pobres vestem roupas pesadas que lhes cobrem todo o corpo, para protegerem-se do vento, do frio e do sol. A figura do meio até amarrou mangas postiças à sua blusa branca para melhor se resguardar. Elas trazem panos (toucas) amarrados à cabeça e grandes sacos em volta da cintura, onde depositam as espigas, num contínuo movimento de abaixar-se e levantar-se. Calçam pesados chinelos, mas trazem as mãos a descoberto, apesar da aspereza do trabalho. Elas lembram as sibilas de Michelangelo.

Ao fundo são vistos inúmeros montes de trigo sendo empilhados, num vai e vem de camponeses. Uma carroça está sendo preparada. Um homem a cavalo, possivelmente o patrão ou seu mandante, é visto como uma figura embaçada ao longe, à direita, próximo a algumas casas. Ele é retratado como uma figura embaçada. Trata-se também de deixar à vista o distanciamento social.

Não agrada a Millet captar a beleza, mas a realidade. Sua pintura tinha por objetivo repassar uma visão realista da pobreza e da classe trabalhadora rural. É por isso que sua obra continua a emocionar o público em quaisquer que sejam os tempos. Na sua arte o ser humano é quase sempre a parte mais importante. E foi por isso que o sensível Vincent van Gogh tanto o admirou e copiou algumas de suas obras.

Esta pintura tornou-se famosa por representar de forma aprazível pessoas do povo, originárias de camadas sociais mais baixas da sociedade rural. E, como não podia deixar de ser, numa época em que a gente do povo não significava nada. A tela foi recebida com desdém pela sociedade francesa da época, pois, ainda que não soubesse, sentiu-se desconfortável diante da realidade. Millet não podia imaginar a fama que sua obra viria a ter no futuro, pois durante sua vida ela teve pouca notoriedade. O artista vendeu sua obra por 3.000 míseros francos, sendo vendida depois por 300 mil francos. Vários artistas mais jovens, como Pissarro, Renoir, Seurat e Van Gogh repetiram-na.

Ficha técnica
Ano: 1857
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 84 x 112 cm
Localização: Museu de Orsay, Paris, França

Fontes de pesquisa
Enciclopédia dos Museus/ Mirador
Tudo sobre arte/ Editora Sextante
Obras-primas da pintura ocidental/ Taschen
1000 obras-primas da pintura europeia/ Könemann
http://www.musee-orsay.fr/index.php?id=851&L=1&tx_commentaire_pi1

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