Recontado por Lu Dias Carvalho
Até a melhor das mulheres esconde nas entranhas uma costela do diabo. (Provérbio romeno)
Não há nada de bom a esperar da nossa costela. (Provérbio russo)
Como já dissemos em algumas postagens, os provérbios e os mitos, quase sempre, não são generosos com a mulher, enquanto glorificam o homem. Mesmo a Bíblia, especialmente em Gênesis, e em outras passagens, vem sendo interpretada pela teologia cristã, através dos tempos, mostrando a primazia do macho humano. Mas existe um mito africano que traz uma trama ainda mais instigante em relação à criação da mulher, o que nos prova que, quanto mais uma cultura trata o homem e a mulher diferentemente, maiores são as dissimilitudes ao conceituá-los. Vamos ao mito!
O anjo Gabriel foi enviado à Terra pelo Criador, com a incumbência de retirar uma costela do corpo de Adão, enquanto ele dormia o sono dos justos. E assim o fez o fiel enviado. Contudo, ao voltar para o Céu, levando tão preciosa encomenda, encontrou ninguém menos do que o Diabo em pessoa. De olho no objeto que o anjo levava com muito cuidado, intuiu o cafuçu que ali estava algo valioso. Daria um jeito de descobrir, ou não seria chamado de pé-cascudo e tinhoso. Ele então interpela Gabriel, amistosamente, mas com segundas e terceiras intenções, coisa de seres malfazejos, sempre prontos a dar o bote:
– Olá, Gabriel, como vais? O que fazes por estas bandas?
O anjo respondeu cortesmente, pois mesmo Belzebu merece respeito, e continuou tranquilamente o seu voo. Mas o capiroto não se deu por vencido, e continuou:
– O que é isso que levas com tanto cuidado, amigo?
Já ficando meio irritado, Gabriel já não foi tão cortês como da primeira vez, respondendo ao inoportuno curioso:
– Não é da tua conta. Preocupa-te com a tua vida. Siga o teu caminho!
Foi aí que a curiosidade do rabudo aumentou, uma vez que Gabriel sempre fora muito gentil e se mostrava ali tão nervoso. Ele precisava saber que objeto era aquele. Mas vendo que daquele mato não saía coelho, o excomungado sentiu que era obrigado a partir para uma ação mais eficaz, pois aquele nhem-nhem-nhém não levaria a nada. O coisa-ruim, então, avançou no delicado anjo e roubou-lhe a costela, não a costela do anjo, mas a costela do dorminhoco Adão, que deveria estar amargando terríveis dores. Mas isso era problema dele e do Criador. Não é hora de transgressão, pois a luta entre o diabo e o anjo acirrou-se.
A batalha entre os dois foi ficando cada vez mais exacerbada. Ainda não era possível saber quem sairia vitorioso do embate. Mas, se alguns olhos, ainda que espirituais, observassem a cena, com certeza apostariam no maligno com suas asas enormes e cauda de forquilha, diante da delicadeza do corpo do anjo. Num lance de sorte, Gabriel agarrou a cauda do Diabo com tanta força que ele, o rabudo, ao tentar se desvencilhar de seu perseguidor, teve o seu rabo partido. Fugiu uivando de dor e deixando uma parte dela nas mãos do enviado do Criador.
Mas um problema ainda restava ao pobre anjo que se encontrava num mato sem cachorro, chateado por não ter dado conta do recado. Como poderia chegar ao Céu de mãos abanando? Com que cara enfrentaria o Senhor de todas as coisas? Levou então o pedaço da cauda do espírito das trevas para seu Senhor, que o recebeu sem tecer nenhum comentário. Portanto, meus queridos leitores, foi dessa parte esdrúxula do anjo das trevas que se criou a primeira mulher, como diz a lenda, embora toda lenda já traga o selo da mentira.
Mesmo assim, alguns pontos não ficaram bem claros para mim. Será que o anjo Gabriel mentiu para o Criador, dizendo-lhe que o rabo do demo era a costela de Adão, de modo que a mulher já nasceu como fruto de uma mentira? E, se assim foi, estaria o Senhor do mundo com a vista cansada, para não reconhecer a diferença entre um rabo e uma costela? Supondo que Ele soubesse do ocorrido, não poderia ter dispensado o rabo do capeta e criado a mulher de flores silvestres ou do arco-íris? Penso eu que, penalizado com o aperto de Gabriel, o Criador fez de conta que usou o material satânico na confecção da fêmea humana, quando na verdade fê-la das mais belas e perfumadas rosas do paraíso. Por isso, nós somos tão especiais.
Nota: Se gostaram do texto acima, leiam LILITH – A PRIMEIRA MULHER DA TERRA
Fontes de pesquisa:
Nunca se case com uma mulher de pés grandes/ Mineke Schipper
Livro dos provérbios, ditados, ditos populares e anexins/ Ciça Alves Pinto
Provérbios e ditos populares/ Pe. Paschoal Rangel
Nota: Imagem copiada de www.zazzle.pt
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