COBRA NORATO E MARIA CANINANA

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Recontada por Lu Dias Carvalho

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Conta-se que bem antigamente, uma formosa índia dormia tranquilamente à margem de um igarapé-açu, quando sentiu um grande peso sobre si. Era a Boiuna, também conhecida por outros nomes, dentre eles o de Cobra-grande e Sucuri, que estava a copular com ela, sem que obtivesse tal permissão. Ademais, contra a força não há nada que se possa fazer, pois Boiuna era conhecida por sua grande maldade, judiando dos pescadores, e até mesmo levando-os para o fundo do rio. Era um animal gigantesco, que tinha uma coloração cinzento-esverdeada, decorada com manchas arredondadas e escuras. Seu ventre era amarelado e sua cabeça cheia de escamas. Engolia suas vítimas após triturar-lhe os ossos. Era temida por toda a aldeia, até mesmo pelos guerreiros mais destemidos. Mas, para surpresa de todos, deixou a índia, logo após possuí-la.

Decorrido o tempo de gestação, a índia pariu dois filhos gêmeos, ou melhor, dois filhotes de cobra. Deu-lhes o nome de Cobra Norato e Maria Caninana. Mas a pobre mãe viu que não poderia criá-los junto à tribo. Foi aconselhada pelo pajé para que os jogasse no rio. E assim o fez. Ali, os dois cresciam, assemelhando-se cada vez mais ao pai. Porém, quanto ao modo de agir, os dois irmãos eram muito diferentes entre si, com um representando o Bem e o outro o Mal. Maria Caninana era o terror das águas, dos canoeiros e pescadores: escorraçava os peixes, virava os barcos, rasgava as redes, matava os peixes grandes e levava para o fundo do rio os náufragos. Por sua vez, Cobra Norato era a prestimosidade em pessoa: protegia os canoeiros e pescadores, desprendia-lhes as redes, conduzia-os aos grandes cardumes, salvava os naufragados, etc. Por isso, os dois irmãos viviam em permanente confronto, até que, revoltado com a malvadez de Maria, Norato acabou por matá-la numa briga.

Cobra Norato, em certos dias do mês, bem depois do anoitecer, libertava-se da pele gigantesca de cobra, deixando-a na beira do rio, e transformava-se num maravilhoso guerreiro índio. Nessas ocasiões, ele não apenas visitava sua mãe como também os amigos que ia fazendo, onde quer que ele aparecia. Sabedor da forma de se libertar do encantamento, o pobre rapaz pedia a uns e outros que o ajudassem. Ou seja, que fizessem um ferimento na cabeça da cobra, quando essa se encontrasse dormindo, até sair sangue, e também pingasse na sua boca três gotas de leite materno. Mas, coitado, ninguém se atrevia a tanto, com medo da fera descomunal. Muitos tentaram, mas mal a viam, saiam correndo, esbaforidos.

De uma feita, Cobra Nonato resolveu ir mais longe, nadando através do rio Tocantins. Largou seu corpanzil de cobra na beira do rio e foi dançar. No local, ele fez amizade com um valente soldado, a quem contou sua terrível sina. Compadecido, o novo amigo prometeu desencantá-lo, nem que tivesse de pôr em risco sua própria vida. Aguardou o momento esperado e fez tudo como devia, livrando aquele jovem e formoso moço de passar sua existência como um amedrontador e asqueroso réptil. O couro da cobra foi queimado e suas cinzas jogadas no rio. E Norato (ou Honorato) passou a viver como qualquer mortal comum.

Nota: imagem copiada de noamazonaseassim.com.br

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