DO TEMPO DO ONÇA

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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Dias atrás, fui com uma amiga tomar um chá na casa de sua avó. Era aniversário da falante senhora, com seus olhinhos vivos e brilhantes. Aos 96 anos de idade, ela ainda é bastante lúcida e ativa. Contou-me casos de sua mocidade e da paixão que nutriu por Getúlio Vargas, seu ídolo, assim como Kirk Douglas e John Wayne. Depois, levou-me até o porão da casa, onde baús, malas e caixas jazem esquecidos pelo tempo. Começou a abrir os mais importantes para ela e a contar-me casos referentes aos objetos que neles se encontravam. Foi uma viagem fantástica ao tempo do onça, pois ali estavam objetos pertencentes a três gerações: da avó, da mãe e dela.

É bom conversar com pessoas que viveram numa época desconhecida da nossa e que, por sua vez, sabem de histórias anteriores ao tempo em que viveram a sua mocidade. Há momentos em que temos a impressão de que se trata de um outro planeta, tamanhas são as mudanças, se comparadas, principalmente, às invenções tecnológicas dos dias de hoje. Lembro-me de meu avô que sempre começava seus casos referindo-se ao tempo do onça. Ele morreu, quando eu ainda era criança, mas, mesmo assim, as lembranças são muito fortes. Naqueles tempos em minha cabecinha ingênua eu imaginava que ele falava de uma época em que havia muitas onças espalhadas pelas ruas, cidades e matas. Só não entendia o porquê de ele não dizer no tempo das onças.

A expressão “do tempo do onça”, segundo contam, tem suas raízes em Luís Vahia Monteiro — governador e capitão geral da Capitania do Rio de Janeiro, entre 1725 e 1732. O homem era um velho militar com pecha de honesto, mas muito autoritário e extremamente ranheta. Reclamava de tudo e de todos nas cartas que escrevia ao rei português. O fato é que seu temperamento indócil acabou lhe trazendo o apelido de “Onça”. Ao ser tirado de seu cargo, passou a ser usado como sinônimo de coisa antiga, ultrapassada, em desuso. E foi aí que nasceu a expressão  “do tempo do Onça”, ou seja, referente ao período em que o “Onça” estava no comando. Há também quem afirme que a expressão esteja ligada a um outro “Onça”, certo chefe de polícia de Pernambuco que também viveu no século XVIII e foi apelidado de “Onça” em razão de sua coragem e temperamento violento.

— Nesta terra todos roubam; só eu não roubo — declaração feita em carta ao rei de Portugal por Luís Vahia Monteiro.

Segundo um amigo, estudioso das expressões idiomáticas, a expressão “do tempo do onça” tem significado semelhante a duas outras conhecidas por ele: “do tempo do ronca” e “do tempo de vovó mocinha”.

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12 comentaram em “DO TEMPO DO ONÇA

  1. Marinalva Autor do post

    Lu
    Quando ouvimos a expressão “no tempo do onça” , a impressão que temos é de que são acontecimentos que ficaram em um passado longínquo e que não fazemos ideia de como pode ter sido. É como dizer que tal lugar fica onde Judas perdeu as botas, que quer dizer q fica tão longe q não se sabe onde é. Maneira que o povo tem para explicar as coisas, passando de geração em geração .

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    1. LuDiasBH Autor do post

      Marinalva

      É verdade! O tempo do onça parece bem distante de nós. Muita gente acha que tem a ver com onça, bicho, como eu pensava na minha infância.

      Abraços,

      Lu

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  2. Adevaldo R. de Souza

    Lu

    Também tenho saudades do “tempo do Onça”, principalmente quando meu pai me contava os causos da época, como este a seguir.

    Era o primeiro dia de namoro de um matuto lá das terras das Bananeiras. O moço vestiu sua melhor roupa: Calça de brim caqui, chapéu Ramezonni 3X, camisa xadrez e bota “sete léguas”. O encontro foi na varanda da casa da donzela, onde existia uma bela vista. Sentados, um ao lado do outro, depois de meia hora sem iniciar a conversa, o moço bateu na bota e disse:

    – Esta tem um ano que não leva meia sola.

    A moça nada respondeu e ele continuou a conversa:

    – Tá vendo aquela serra lá no alto? Meu pai falava que era cheia de onças.

    – Cê já viu uma onça de perto? – perguntou de novo.

    – Não! – respondeu a moça.

    – Se cê vê, vai cagar de medo. – comentou ele.

    Foi o primeiro e último dia do namoro.

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    1. LuDiasBH Autor do post

      Adevaldo

      Esta sua história é mesmo do tempo do onça, pois as moças de hoje não levariam em conta o que foi dito pelo moço. Besteiras sérias vêm sendo ditas por autoridades, sem que algo seja feito. Gosto muito de seus casos.

      Abraços,

      Lu

      Responder
  3. Alfredo Domingos

    Lu, seu texto está excelente, trazendo um tema em desuso. As histórias que passam por gerações são sempre interessantes, mas o problema é as pessoas dispensarem tempo para ouvi-las. De modo geral, está todo mundo correndo, sempre. A expressão “do tempo do Onça” tem significado semelhante, ao menos, a duas outras expressões que conheço: “do tempo do ronca” e “do tempo de vovó mocinha”.

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  4. Patricia

    Lu

    Acho que nós é que estamos vivendo em outro planeta. Onde tudo é descartado inclusive as pessoas. Tenho saudades do tempo da onça. Apesar das dificuldades serem maiores, as pessoas e a vida eram intensas.

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    1. LuDiasBH Autor do post

      Pat

      E com que facilidade as pessoas são descartadas nos dias de hoje. Dá uma tristeza danada no coração da gente. Vivemos um tempo de valores medíocres.

      Beijos,

      Lu

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  5. José Luiz

    Lu,
    você é ótima! De qualquer asneira você faz uma peça interessante! Acho isso uma doçura de escritora, que de qualquer coisa “dá aquela palha”. Faz uma versão romanceada que nos leva para o local, como se estivéssemos voltando ao passado.

    Parabéns Lu, continue assim, revivendo fatos que poucos conhecem.

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    1. LuDiasBH Autor do post

      José Luiz

      Quem é ótimo é você, que sempre que pode vem me dar um incetivo. Gosto de fazer uma introdução, antes de contar o significado da expressão. O mineiro é mesmo chegado em gastar palavras. Pode deixar, vou trazer muita coisa antiga.

      Grande abraço,

      Lu

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    1. LuDiasBH Autor do post

      TT

      Há pessoas que possuem os armários cheios de coisas do tempo do onça, mas é incapaz de doar, tamanho é o apego que possui pelas coisas materiais.

      Estava com saudades suas.

      Beijos,

      Lu

      Responder

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