Autoria de Lu Dias Carvalho
Toda a minha vida eu tive que brigar. (Sofia)
Não sei como lutar. Só o que sei fazer é continuar viva. (Celie)
Deus deve ficar furioso quando alguém passa pela cor púrpura dos campos e nem nota. Deus quer ser amado. Todo mundo quer ser amado. (Shug Avery)
Até então conhecido por seus filmes de ficção, em que encanta crianças, jovens e adultos, o diretor Steven Spielberg deu uma guinada em seu trabalho, ao escolher o comovente e sombrio romance epistolar da escritora Alice Walker (1982), que trata de questões de discriminação racial e sexual, como roteiro do filme A Cor Púrpura (1985). O filme conta o drama de uma comunidade negra e pobre no sul dos Estados Unidos no início do século XX, envolta com o machismo e a severidade do patriarcalismo.
A personagem central do filme é Celie (num trabalho brilhante de Whoopi Goldeberg), uma mocinha triste, tímida e assustada com o seu cotidiano, cuja vida consiste em ser violentada e surrada. Celie é uma personagem grandiosa, cheia de graça e ternura, que resiste às agruras de sua vida e nos diz que, apesar de tudo, é possível ser feliz. Celie é a vitória da esperança.
Ainda adolescente Celie é violentada pelo homem que imaginava que fosse seu pai. Aos 14 anos já tinha dois filhos dele, mas os seus bebês foram arrancados de seus braços e dados para adoção. Ela sabe que não pode mais ter filhos. Depois é forçada a se casar com um fazendeiro impiedoso, a quem trata por Sinhô, um homem que acredita que a melhor maneira de se conviver com uma mulher é debaixo de pancada. Ele a maltrata física e moralmente. Não perde oportunidade de zombar dela, dizendo-lhe que é feia. Apesar da timidez e dos maus tratos sofridos, Celie tem medo de machucar as pessoas.
Nettie é a irmã querida de Celie, o amor maior de sua vida. Ela foge em busca de Celie, deixando para trás o pai que tenta atacá-la, mas não imagina que terá à sua frente um cunhado azedo e cruel – o Sinhô. Ela vai à escola e ensina Celie a ler e escrever. Mas também é perseguida pelo marido da irmã que, posteriormente, expulsa a garota da fazenda por não o ter aceitado e jura que a mulher jamais terá notícias dela. Celie sofre miseravelmente com o afastamento de sua irmã, que parte para a África com um casal missionário. E, coincidentemente, é justamente esse casal que adotou os seus dois filhos.
Harpo é o filho do primeiro casamento do Sinhô. A situação complica, quando ele volta para casa com uma mulher grávida a tiracolo – Sofia (Oprah Winfrey). Ela se rebela contra o tratamento dado pelo sogro às mulheres e exige que Harpo escolha entre ela e o pai, mas ele é um homem fraco e não consegue fazer tal escolha, de modo que tenta agradar a um e outro, até que Sofia deixa-o. Ele tem um cabaré às margens do rio, perto da igreja.
Sinhô, na sua rudeza e revolta, só preza Shug Avery, uma cantora de jazz, o único amor de sua vida. Embora Shug tenha dito ao chegar, que Celie era mesmo feia, ela consegue descobri a sua beleza oculta sobre o medo. Shug Avery é responsável pelo renascer de Celie e de sua vitória sobre o Sinhô. Também luta pelo amor do pai pastor, que fala sobre o amor em seus sermões, mas não perdoa a vida livre da filha cantora.
O filme acompanha Celie durante quatro décadas, numa trajetória de submissão e carências. Ela só encontra alento na leitura, na espera pelas cartas da irmã Nettie que nunca vêm e na força que vê nas mulheres de sua comunidade. Mas durante anos Sinhô escondeu as cartas de Nettie para Celie, até que um dia Shug recebe uma carta e ajuda Celie a descobrir as outras. Celie descobre que a irmã ainda vive e que se encontra ao lado de seus dois filhos.
Sofia é também uma personagem forte no filme. Por desafiar o prefeito branco, que acha que ela não respondeu bem à sua mulher, é encurralada por um grupo de brancos e presa. Ela paga a suposta afronta com um olho cego e anos de cadeia, de onde volta abatida e perturbada. Torna-se empregada da esposa amalucada do referido prefeito e ainda lhe ensina a dirigir.
A Cor Púrpura é um filme que arrebata o espectador, fazendo-o sentir parte da trama, levando-o a torcer pela vitória não só de Celie, mas também de Sofia e Shug. Finalmente Celie encontra o respeito próprio, o amor e a alegria de viver. Por isso, o filme comoveu profundamente o público da época, porque fala diretamente ao coração. É muito mais do que um filme, pois é capaz de tocar no âmago das pessoas.
Cenas imperdíveis:
• O momento em que Celie é instigada a sorrir é o ponto mais importante da história e também o mais belo, em que a condição humana fala mais alto.
• A delicada e quase silenciosa cena em que Shug Avery ensina Celie como a pessoa se sente, quando é beijada com amor.
• A cena em que a esposa do prefeito, que estava tomando aula de direção com Celie, oferece-se para levá-la de carro, a fim de passar o Natal com os filhos.
• A cena em que a mulher do prefeito sente-se amedrontada com um grupo de negros que só queria ajudá-la a manobrar o carro.
• O momento em que Celie fica sabendo que a irmã e os filhos estão vivos.
• O momento em que Sofia reencontra os filhos e os amigos.
• O desabafo de Celie contra o marido, antes de deixá-lo e a participação de Sofia.
Curiosidades:
• A Cor Púrpura recebeu 11 indicações ao Oscar: melhor filme, melhor atriz, melhor atriz coadjuvante, melhor direção de arte, melhor fotografia, melhor figurino, melhor maquiagem, melhor trilha sonora, melhor canção original e melhor roteiro adaptado, embora não tenha recebido nenhuma estatueta. Fato que só aconteceu com o filme Momento de Decisão.
• O maior plantio da fazenda do Sinhô parece ser campos floridos de cor púrpura, razão do nome do filme.
• A trilha sonora, assinada por Quincy Jones, é fantástica pelos blues na voz de Shug.
• Celie é considerado o melhor trabalho da atriz Whoopi Goldberg.
• A Cor Púrpura foi a estréia de Oprah Winfrey no cinema.
• A cantora Tina Turner chegou a ser convidada para interpretar a personagem Shug Avery, mas recusou o papel.
• O choro do bebê de Celie, logo no início do filme, é de Max, filho de Spielberg com Amy Irving.
• Steven Spielberg entrou em pânico, antes de iniciar as filmagens, sentindo-se incapaz de dirigir um filme sobre negros, vivendo no sul dos Estados Unidos no início do século XX. Era uma realidade muito diferente da sua. Quincy Jones (empresário e produtor musical que detinha os direitos do livro de Alice Walker) convenceu- o a ir em frente: Você não é de outro planeta e contou a história de um extraterrestre.
• Segundo alguns críticos, o filme passa a impressão de que as mulheres afro-norte-americanas são fortes, corajosas, verdadeiras e acabam vencendo, enquanto os homens da mesma raça são fracos, cruéis ou caricaturas cômicas. Harpo perde-se em meio a tanto drama. O pai de Shug, o pregador, repete truísmos de sua Bíblia, mas não é capaz de perdoar. Sinhô é um monstro e seu pai, o Velho Sinhô, é um homenzinho vil e desagradável que emite comentários egoístas em meio a baforadas de cigarro.
Fontes de Pesquisa
Grandes Filmes / Roger Ebert
1001 Filmes que…
Wikipédia
Cinemateca Veja
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