Autoria de Lu Dias Carvalho
O filme não é rude nem amargo, mas desconcertante e cínico. (Roger Ebert)
Os filmes de Buñuel constituem um dos mais importantes conjuntos de obras do primeiro século do cinema. Ele era cínico, mas não deprimido. (Roger Ebert)
O cineasta francês Luis Buñuel apresenta-nos no seu filme O Discreto Charme da Burguesia (1972) uma interessante comédia, que faz dançar a cabeça do espectador, pois, como diz o aclamado crítico de cinema Roger Ebert, já falecido, “mais parece uma punhalada, fingida e dolorosa”, pois três casais, por mais que tentem, jamais conseguem se sentarem e comerem juntos.
Assim como em O Anjo Exeterminador (1962), considerado um dos melhores filmes do diretor Buñuel, onde os convidados chegam para o jantar e, em razão do divertimento, não mais conseguem deixar a casa do anfitrião, sendo que a permanência de tantos dias, juntos, dilui todo o verniz de civilidade do grupo, mostrando a verdadeira face de cada um, o assunto em O Discreto Charme da Burguesia é semelhante, só que os convidados não conseguem comer, movidos pelas mais díspares razões: enganam-se quanto ao dia do convite, ou encontram o cadáver do dono do restaurante sendo velado numa sala contígua, ou são importunados por um grupo de militares que fazem manobras próximas ao local onde vão comer, etc.
Buñuel apresenta o jantar como o mais importante rito social da classe média, que o usa como um meio de ostentar suas posses e mostrar o quanto é civilizada. Ao trazer “o ato de comer” como tema, fazendo da comida o assunto central, o diretor mostra como é vazia e tola a classe burguesa, desprovida de assuntos interessantes, e aqueles, que possui, são tão escabrosos, que faz tudo para mantê-los ocultos.
O filme enfoca a decadente aristocracia europeia, composta por políticos, militares e ricaços, deixando à vista os segredos velados, adultérios, drogas, corrupção, depravação, golpes militares e, sobretudo, o aborrecimento e o fastio que toma conta dela, que nada de útil tem para fazer. Para demonstrar o seu descontentamento com a Igreja, o cineasta acrescenta ao elenco um bispo, cujo prazer é se vestir de jardineiro e trabalhar nos jardins dos milionários.
Os personagens de O Discreto Charme da Burguesia andam muito bem vestidos, são autoconfiantes e fazem uso da posição que ostentam na sociedade. Dentre os personagens principais estão presentes: o pomposo embaixador (Fernando Rey), a anfitriã ricaça (Stèphane Audran), a sempre enfadada e neurótica filha (Bulle Ogier) e o bispo cheio de fetiche (Julllien Bertheau), que ora se apresenta como jardineiro e ora como um eminente convidado.
O filme francês, que se tornou um dos grandes sucessos de Buñuel, e, que acabou ganhando o Oscar de melhor filme estrangeiro, o único Oscar do autor, estreou no auge na Guerra do Vietnã, época em que a classe média alta, apesar de se encontrar na moda, era alvo de desprezo de parte da sociedade. E nele, o diretor mais uma vez demonstra o seu não acatamento das ditas autoridades constituídas e sua descrença em relação à natureza humana, sempre cheia de máscaras. Com uma visão ferina, ele demonstra a superficialidade que existe nessa sociedade que se julga bem-educada, mas que é marcada pela luxúria e pelo valor que dá à riqueza.
O filme inicia-se com um casal esperando seus convidados para o jantar, mas, enquanto isso, marido e mulher deixam-se levar pelo prazer do sexo. A chegada dos convidados não é capaz de interromper a avidez amorosa. Como a mulher faz muito barulho durante o sexo, o casal desce pela janela e vai para o jardim terminar o coito iniciado. Faz o retorno do mesmo jeito, só que um dos convidados repara que ela tem grama nos cabelos.
Uma cena engraçada é aquela em que o bispo, em trajes de jardineiro, bate à porta de uma das famílias procurando emprego, e é logo despachado, sem obter coisa alguma, mas ao voltar, todo metido em suas roupas clericais, tentando se explicar, é recebido com veemência. Além de obter o serviço, ainda passa a fazer parte do grupo. Outra cena hilária é a que mostra um dos convidados debaixo da mesa, escondendo-se dos soldados que abrem fogo contra o grupo, mas ainda assim tenta pegar seu prato de comida. Também não é possível esquecer o encontro das mulheres em um café, com um tenente que narra a sua infância. Noutra, durante um jantar, os frangos assados que o criado põe à mesa não passam de objetos de cena, ocasião em que a cortina se levanta e os convidados encontram-se diante de uma plateia. Tudo para diversão de Buñuel, que dá vasão às suas fantasias.
Sugestão:
Outros bons filmes do diretor: O anjo exterminador, Tristana, Um cão andaluz, Esse obscuro objeto do desejo, O diário de uma camareira, O estranho caminho de São Tiago ou Via Láctea, O fantasma da liberdade, etc.
Fontes de pesquisa
Grandes filme / Roger Ebert
1002 filmes para ver…/ Editora Sextante
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LuDias
Já assisti; a ironia de Buñuel é ótima.
Outro dia lhe dei uma dica por e-mail sobre um filme do mestre Costa Gravas. Abaixo uma resenha sobre o filme (imperdível), O Capital.
http://www.adufmat.org.br/portal/index.php/deixe-um-comentario/item/95-analise-critica-do-filme-o-o-capital-de-costa-gravas
Segue também o link do filme que se encontra disponível no Youtube
https://www.youtube.com/watch?v=xL8hXYGg8mA
Tenho certeza que tu e os amigos do blog gostarão.
Vou aguardar o parecer.
Abração
Mário Mendonça