Autoria do Prof. Pierre Santos
Fiz um trabalho sobre a arte em Belo Horizonte, desde a instalação da Capital até Guignard e os seus alunos imediatos, mas parei por aí. Também lecionei durante muitos anos na Escola de Belas-Artes e a minha primeira aula, a cada semestre, era sobre o artista, para que os alunos conhecessem a dimensão e a importância de sua obra.
A primeira vez que fui com Guignard a Ouro Preto, ele me levou à igreja de São Francisco de Paula. “Olha essa vista!”. Então desceu comigo, fomos para frente da igreja de Nossa Senhora do Pilar. O interessante em Guignard era o seguinte: escolhia o lugar e pintava vários quadros. Outro dia saía a pé, sem o cavalete, sem nada. Ia procurar novos rumos, outras referências paisagísticas. Ele sempre achava o que queria.
Guignard falava assim: “Tem uma Ouro Preto que ninguém jamais viu.”. Fiz várias viagens a Ouro Preto com ele. Geralmente nos hospedávamos no Hotel Toffolo. Quando ele ia sozinho, ficava na casa de amigos como a de Theódulo Pereira ou a da Lili Corrêa de Araújo, o Pouso Chico Rey. Ele despertava um encantamento, exercia um fascínio sobre intelectuais e alguns segmentos da sociedade. Mas ninguém vendia arte no Brasil, muito menos Guignard. O Di Cavalcanti, com uma obra fantástica, morreu 10 anos depois dele, praticamente na miséria. Ele gostava muito do Jefferson Lodi, do Wilde Lacerda, do Vicente Abreu.
Os pintores brasileiros de que muito falava eram Clóvis Graciano e Di Cavalcanti. Do Portinari ele nunca me falou. Tenho a impressão de que achava o seu jeito de fazer arte, meio acadêmico, meio preso. Ele ouvia muita música enquanto pintava. Adorava Mozart e Brahms. Também me lembro de Guignard solfejando alguma coisa de música popular. Tinha uma música que cantava de vez em quando: “Se a noite for chegando… eu me perdi no deserto…” Era mais ou menos assim: “Sabiá laranjeira, ouço o teu cantar bem perto…” É uma música antiquíssima, folclórica.
A arte de Guignard perdeu um tanto da cor, da tinta que ele punha. Sua pincelada foi ficando cada vez mais rala, mas era um efeito proposital. Todo mundo achava que ele estava poupando tinta. O Roberto Marinho soube disso e mandou para ele toneladas de tintas, das várias marcas que utilizava para pintar. Ele gostava muito da tinta Laurrilt, que era francesa. Mesmo assim, Guignard continuou a pintar dessa forma até o fim da vida. E a sua arte ganhou em dramaticidade, embora tenha perdido um pouco o impacto da cor. Ficou muito dramática, claro e escuro como as paisagens de Ouro Preto. Os últimos autorretratos são trágicos. Ele estava sentido a aproximação da morte, coisa impressionante.
Obs.: Ouça a música Sabiá Laranjeira, autoria de Dércio Marques:
https://www.ouvirmusica.com.br/dercio-marques/1902336/
Nota: Floresta Tropical [Entardecer], Alberto da Veiga Guignard (1938), obra destruída em incêndio, agosto de 2012, pertencia ao marchand e colecionador Jean Boghici.
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