Autoria de Lu Dias Carvalho
Quem canta comigo/ Canta o meu refrão/ Meu melhor amigo/ É meu violão. (Chico Buarque)
Vida de negro no meu país não é fácil, meu irmão. Ainda mais quando se nasce no morro.
Na favela, eu fui uma criança feliz, livre como um passarinho sem domesticação. Brinquei de bola, soltei pipa e muito balão. Eu até fugi da escola, cheio de curiosidade e simpatia, para conhecer a vida na cidade, lá embaixo. E foi aí que aprendi uma vergonhosa lição: não era um sujeito, como apregoava D. Adelaide em suas aulas de cidadania, mas tão somente um objeto qualquer, sem préstimo ou sensibilidade. Era tão somente um negro nesta grande nação. Compreendi, a duras penas, que, quando do morro os negros descem, são vistos com olhos de horror e tensão. Os privilegiados ainda enxergam em cada um de nós um marginal, um tipinho à toa, um ladrão. Eu “Já chorei sentido/ De desilusão/ Hoje estou crescido/ Já não choro não”.
“Eu nasci sem sorte/ Moro num barraco/ Mas meu santo é forte”, murmurava para mim mesmo, tentando elevar a autoestima. Chegado que era a um violão, vi que no samba, velho companheiro de quem nasce no morro, estava a minha salvação. Não iria dar o braço a torcer, acreditar no que falam muitos brancos, que todo negro é treiteiro e vadio, que não tem respeito ou qualquer tipo de brio. Iria moldar meu caminho, e fazer valer meu próprio refrão. Jurei que meu melhor amigo seria meu violão.
E foi assim que abracei o samba, sou compositor de gabarito e sambista de verdade, respeitado no morro e na cidade. Não me fiz refém do racismo, e contra ele canto meu estribilho em alto e bom tom: “Quem canta comigo/ Canta o meu refrão/ Meu melhor amigo/ É meu violão“. E para quem não sabe, “O samba é o meu fraco/ No meu samba eu digo/ O que é de coração”.
Obs.: ouça a música: MEU REFRÃO
Nota: pintura de Portinari, Samba
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