Autoria de Lu Dias Carvalho
O clima de Bombaim (hoje Mumbai), a maior cidade da Índia, possui um calor de chumbo, sufocante, o que impede muitos estrangeiros de ali se acostumarem. Dizem que a Índia não convém a todo mundo. Penso que lugar algum convém a todo mundo.
Nas ruas, sente-se o odor forte das frutas, que estragam facilmente com o calor, o cheiro de barro e o de incenso de milhares de altares espalhados pela cidade. Aliado a isso, a fetidez do estrume de gado faz-se presente por onde quer que se vá. Os riquixás correm pelas ruas, movimentados por homens esqueléticos, a quem apenas uma força sobrenatural da luta pela sobrevivência consegue manter de pé. Jamais esses poderiam ser puxados por parelhas de bois, pois, para os hindus, a vida de uma vaca vale infinitamente mais que a de um homem.
Bombaim é uma cidade onde a moda toma os mais diversos caminhos. Há indianos enrolados em metros de tecidos, outros meio vestidos e alguns outros praticamente sem roupa alguma. Crianças de pernas finas como palitos e olhos de khol são vistas, aos montes, nas ruas centrais e favelas. Algumas são tão doentes que parecem carregar o quádruplo da idade, enquanto outras mal aguentam de pé a barriga cheia de vermes. Os mendigos parecem arrancar a roupa dos turistas desavisados, pedindo esmolas, com suas múltiplas mutilações e doenças, dentre essas, a lepra.
Cinco torres enfeitam uma colina, onde o silêncio é interrompido pelo voo dos abutres e o grasnado dos corvos gulosos. São as famosas Torres do Silêncio, local onde os parses (ou pársis) celebram seus ritos funerários. Segundo a Wikipédia “uma torre do silêncio é uma construção em forma de torre, que possui usos e simbologias funerárias para os adeptos do zoroastrismo.”.
O Zoroastrismo é uma das mais antigas religiões da história da humanidade, tendo sido predominante na Pérsia (atual Irã), antes de ser invadida pelos muçulmanos. Foi fundada por Zaratustra (ou Zoroastro), profeta do leste da Pérsia. E, segundo certos historiadores, alguns de seus baluartes religiosos, como a crença na existência do juízo final (com a vinda do Messias), na ressurreição e na existência do paraíso, influenciaram as três grandes religiões: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo.
Após os muçulmanos tomarem o poder na Pérsia, começaram a matar os parses e a qualquer um que se negasse converter ao islamismo. Os parses, para escaparem das perseguições islâmicas, fugiram para a Índia no século X. E ali, em Bombaim, os ingleses deram-lhes uma colina, para depositar seus mortos.
Os parses não enterram e tampouco queimam seus mortos. Os corpos são colocados nus, sobre pedras de mármore, onde são deixados para que abutres e corvos devorem-nos, de modo que a morte volte à vida o mais rapidamente possível. Somente os “condutores dos mortos”, vestidos com um mero pedaço de pano envolvendo a cintura, podem tocar nos cadáveres. Carregam como arma, para se defenderem dos animais carnívoros, um simples pedaço de pau. Esses homens jogam no mar os ossos e os restos que não foram devorados. Mas esta prática vem sendo abandonada, por inúmeras razões, dentre elas, a diminuição da população de aves de rapina ou a ilegalidade dessa tradição em muitos países, levando os seus seguidores, que habitam o Ocidente, a escolherem a cremação.
Os zoroastrianos creem que o corpo humano é puro, por isso, quando uma pessoa morre, o seu espírito tem um prazo de três dias para deixar o corpo. Depois desse prazo, fica apenas o cadáver, que é impuro. E, se ele fica na natureza, que é uma criação divina marcada pela pureza, poderá poluí-la. No quarto, onde se encontra o cadáver, arde uma pira de fogo ou velas, durante três dias.
As cerimônias dessa religião são celebradas nos conhecidos templos de fogo. A parte principal de seus templos é a câmara, onde se conserva o fogo sagrado (que queima numa pira metálica, colocada sobre uma plataforma de pedra). Os sacerdotes zoroastrianos devem visitar o fogo cinco vezes por dia, de modo que não se apague. Usam o sândalo como oferenda e recitam orações, sempre com a boca tapada por um tecido, para não poluírem o fogo, pois esse é adorado como um símbolo da sabedoria e luz divina de Ahura Mazda.
Apesar de sua vista deslumbrante, a grande maioria dos estrangeiros é levada até as Torres do Silêncio por uma curiosidade doentia, para acreditarem na descrição de um mórbido espetáculo, que lhes chega aos ouvidos, sem entender esse mundo cheio de mistérios e tão próximo da morte. Enquanto isso, as piras funerárias estendem-se pela baía, iluminando o dia ou a noite, num outro ritual de passagem da morte para a vida, agora dentro do hinduísmo.
Views: 16
Lu
Religiões , culturas e tradições quem pode com elas? Com toda tecnologia e globalização o homem é capaz de coisas tão bizarras que até Deus deve duvidar.
Beijos
As religiões acabam por se tornarem perversas, é verdade, parece que estamos na Idade Média, esta coisa das religiões faz-me uma confusão.
Um abraço Lu
Rui Sofia
Cara Lu
Presenciei estas torres na Índia que me deixaram horrorizado. São coisas que assustam e nos fica uma pergunta: De onde tiraram tanta imaginação, tanto requinte, não digo perverso, mas uma colocação da morte tão esdrúxula?
Abraços
Geraldo Magela
Magela
Não teria coragem de ir ali.
Tais imaginações vêm das religiões, com certeza.
Parece que ainda estamos na Idade Média.
Abraços,
Lu
No Tibet, prática semelhante a essa ocorre quando habitantes locais deixam a “morada terrena”. Em uma espécie de altar é colocado o corpo inerte, realizada uma autopsia, e, depois de analisado e dado o diagnóstico da causa mortis, o órgão é extraído, um monge eleva-o no ar, e os abutres os apanham, fazendo ali mesmo a horrenda refeição. O Tibet é um país onde ainda existe a teocracia, talvez esteja aí a explicação para tamanho horror.
Ju
Penso que, com a globalização, muitas dessas culturas vão ser exterminadas.
Principalmente as mais bizarras, impossíveis de conviver com a modernidade.
Você não disse qual era o órgão. Imagino que seja o coração.
Gostei da informação.
Abraços,
Lu
São todos os órgãos, todos os tecidos. Me parece que lá, a cremação e demais métodos de extermínio de cadáveres, que não este, não é permitido por ser considerado uma profanação.
Ju
É verdade!
Os zoroastrianos creem que o corpo humano é puro, por isso, quando uma pessoa morre, o seu espírito tem um prazo de três dias para deixar o corpo. Depois desse prazo, fica apenas o cadáver, que é impuro. E, se ele fica na natureza, que é uma criação divina marcada pela pureza, poderá poluí-la. No quarto, onde se encontra o cadáver, arde uma pira de fogo ou velas, durante três dias.
Abraços,
Lu