Autoria de Lu Dias Carvalho
O infeliz marido optou por apelar para as rezas, sejam elas quais fossem. Por sua casa passavam benzedeiros, mata-sanos, curandeiros, pajés, abençoadeiros, saludadores e quaisquer outros nomes que se queira dar aos charlatões. Mal um saía, outro entrava. O telhado da humilde casa já se encontrava atulhado de mil e uma raízes. Não havia mais onde botar as folhas de ervas que serviam para isso ou para aquilo. Garrafadas milagrosas e velas de sete dias espalhavam-se por todos os lados.
Na cabeceira da cama do casal havia incontáveis patuás, com inúmeras finalidades e, debaixo, descansavam mil e um amuletos, não importando de que cultura fossem: ferradura, figa, olho grego, elefante com tromba para cima, cruz, dente de alho, sapo, pé de coelho, estrela de Davi, espelho de bolsa e outras bugigangas e quinquilharias desconhecidas dos leigos. O que importava era trazer Celestina para a vida dantes.
Pobre homem, nada, absolutamente nada, ajudava-o a molhar o seu ressentido e choroso pavio. Já totalmente desenganado, resolveu vigiar sua mulher no serviço feito Bosque do Silêncio. Lá pelas tantas, quando a pálida lua reduziu ainda mais a sua languidez sobre o local, ele a viu se estrebuchar no chão. Em meio a gemidos de luxúria, ela se mergulhava no mundo voraz da voluptuosidade. Sem que ele soubesse como, era jogada de um lado para o outro, num estado de profundo gozo.
O esposo chifrado, por mais que tentasse, não conseguia descobrir a identidade de seu rival, não lhe era possível avistá-lo. A frouxa luz que vinha da lua parecia coligada com os amantes. Suportaria tudo de Celestina, menos uma traição tão escancarada e desenvergonhada jamais. Logo o seu nome estaria falado em toda a freguesia.
O marido voltou destroçado para casa. Ali estava a causa da frigidez de sua mulher, antes tão obcecada pelos carinhos da vida a dois. Queria pegá-la, junto ao seu amante, no flagrante. Sabia que sozinho não daria conta, pois o sujeito parecia muito forçudo, pois levantava Celestina nos braços como se fosse uma pena, jogando-a de um lado para outro, colocando-a nas mais inusitadas posições.
O traído lembrou-se, então, de seu substituto na lavoura – aquele mesmo que fora amante de Celestina. Contou-lhe todo o sucedido e pediu-lhe ajuda para pegá-la no flagra. O moço, ainda ressentido com o abandono por parte da antiga amante, julgando que ela se encontrava nos braços de outro, viu no convite um jeito de vingar-se da famigerada usurpadora de corações. Ela não perderia por esperar.
Mal Celestina partiu para seu serviço no Bosque do Silêncio, marido e antigo amante puseram-se a espreitá-la caminho a fora, munidos de grossas varas de marmelo. Tinham como intuito dar uma boa surra nos dois devassos, a fim de criarem vergonha na cara. Escondidos, os dois viram o novo dia engatinhar e o sol nascer, sem que algo acontecesse. A mulher estava ali quietinha, num fechar e abrir de olhos.
A dupla pôs-se de volta, cada um para a sua casa, de modo a não despertar a curiosidade de Celestina, que nesse dia chegou em casa um pouquinho mais animada, mas nada que fosse capaz entusiasmá-la na alcova. Literalmente continuava boa de cama, ou seja, dormia profundamente, não querendo ser perturbada por nem mesmo um beijo. Como uma estátua ela se deitou e como tal se levantou.
Obs.: Se corajoso fores, não percas o episódio IV.
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