O NEGRINHO DO PASTOREIO (I)

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Recontada por Lu Dias Carvalho

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Gente má existiu e sempre existirá neste mundo, em quaisquer que sejam as épocas. E numa delas, em que se pode precisar o tempo, como sendo o da escravidão, aconteceu um fato muito triste aqui em nosso país.

Certo fazendeiro, que mais se parecia com o filho do diabo do que do Criador, era senhor de muitas terras, muitas reses e muitos escravos. A sua riqueza evoluía na mesma proporção em que sua maldade crescia em relação aos menos favorecidos. Assim, esse tal senhor, no inverno de certo ano, por sinal muito gélido, comprou duas dúzias de reses da melhor e mais cara espécie, encarregando um meninote negro, ainda imberbe, para delas cuidar, quando no pasto estivessem.

O molecote levava todos os dias o gado para a pastagem e, à tardinha, voltava com ele, estando na maioria das vezes faminto, pois tinha que se valer com as frutas que encontrava pelo caminho. De uma feita, ao contar as reses, o que fazia diariamente, o homem deu pela falta de um novilho. Depois de castigar impiedosamente o garoto, fez com que ele retornasse ao campo em busca da rês desgarrada.

Já estando muito cansado de tanto procurar o novilho e já sendo noitinha, o garoto, usando um toco de vela, encontrou-o, por sorte, pastando detrás de uma moita alta de capim. Laçou-o, mas seu cavalo e suas forças eram fracas para conter um animal no auge de sua resistência. O laço rompeu-se e o novilho desapareceu em disparada. Já era noite alta, quando o rapazola voltou para contar ao amo o que lhe acontecera. Como castigo, o menino negro, depois de apanhar muito, foi amarrado pelos pés e mãos, e deixado nu dentro de uma cova, que não era outra coisa senão um formigueiro aberto.

No dia seguinte, o fazendeiro mau, acompanhado de um grande séquito, a quem queria  mostrar sua valentia e dar exemplo, retornou ao lugar, onde se encontrava o menino negro, para dar continuidade ao suplício. O grupo foi parado inesperadamente por uma nuvem que se levantava da cova, tendo em seu seio o pequeno mártir, ascendendo aos céus, como um santo.

Conta-se que, até os dias de hoje, as pessoas do lugar e adjacências, quando perdem alguma coisa, fazem promessas ao Negrinho do Pastoreio para encontrá-la, sendo comumente ouvidas.

Nota: imagem copiada de www.studioclio.com.br

Fonte de pesquisa
Literatura oral para a infância e a juventude/ Henriqueta Lisboa

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4 comentaram em “O NEGRINHO DO PASTOREIO (I)

  1. Edward

    LuDias
    É excelente a sua maneira de expor esta lenda. Mostra as raízes da maldade sem limites, praticadas por um rico fazendeiro, máxime, quando trata uma criança negra, filho de escravos.

    Esta tragédia ainda se repete, em nosso dia a dia, infelizmente, em forma de preconceito, como se o fazendeiro estivesse por aí, na alma de certa pessoas, buscando vingar-se do Negrinho do Pastoreio. Essas pessoas, se é que têm direito de assim serem chamadas – tratam nossos irmãos negros como se ainda fossem seus escravos. E é esta a raiz do preconceito racial, e não vejo na cor da pele a razão de sua existência. Trata-se, no fundo, de uma revanche. Um sinal de inconformismo com a abolição da escravatura. São pessoas, que ainda se consideram senhor do engenho, e pensam que podem maltratar seres humanos. Acham-se superiores e com o direito de fazer sofrer os negros, como o fizeram com o menino do pastoreio.

    Esta ação abominável e condenável, praticada, usando sua expressão, por filhos do diabo, não pode ser admitida, e merece que a combatamos com toda a força de nossos direitos. Esses filhos do diabo se esquecem que é crime esta prática e, que estamos em um estado de direito, uma democracia, onde todos os cidadãos são livres, e têm direito à dignidade, o direito de serem respeitados. Se penetrarmos no âmago da questão, sempre haverá quem se entende superior ao seu semelhante, como nos tempos de Hitler, a raça ariana, o ser superior.

    “Enquanto imperar a filosofia de que há uma raça inferior e outra superior, o mundo estará permanentemente em guerra. É uma profecia, mas todo mundo sabe que isso é verdade.”, expressão de Bob Marley. E o ódio se espalha, como ainda vemos, infelizmente em nosso redor.

    Parabéns pela excelência de seu texto, que é claro, mostra como era cruel e difícil aqueles tempos da escravatura.

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Ed

      Nenhuma lenda retrata tão bem os tempos da escravidão como esta do “Negrinho do Pastoreio”. Enquanto houver uma só pessoa no nosso país, capaz de propagá-la, cenas como as aqui retratadas jamais se repetirão. O que mais me incomoda é o fato de saber que as pessoas da época eram “cristãos fervorosos”, o que não passa de uma abominável ironia.

      Apesar dos tempos, meu amigo, muita gente ainda parece saudosa daquela época, quando pensa apenas no próprio umbigo, sem se importar com o crescimento social do outro. Trazem, não nas mãos, mas no espírito, o chicote da prepotência, da ambição desmedida, da arrogância e da ganância, raiz de todos os males, sem se darem conta de quão passageira é a nossa vida.

      Um grande abraço,

      Lu

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      1. Edward

        LuDias

        Sua resposta ao meu comentário é a síntese muito bem retratada de toda realidade humana, que deveria ser postagem como a grande verdade por detrás do preconceito:

        “Trazem, não nas mãos, mas no espírito, o chicote da prepotência, da ambição desmedida, da arrogância e da ganância, raiz de todos os males, sem se darem conta de quão passageira é a nossa vida.”

        Abraços

        Responder
        1. LuDiasBH Autor do post

          Ed

          Esses são os verdadeiros sanguessugas do planeta Terra.
          Mas um dia dar-se-á o contrário, quando serão sorvidos pela terra.

          Abraços,

          Lu

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