Autoria do Prof. Hermógenes
O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, escreveu mais de 30 livros sobre a saúde física e mental. Neste texto retirado de seu livro “Yoga para Nervosos”*, ele nos mostra que o vazio atrai o tédio.
Enquanto o homem não inventara a agricultura e vivia somente da coleta, caça e pesca, tinha uma vida árdua e totalmente ocupada com o estômago e com o abrigo. Era obrigado a um viver nômade, sem pouso nem descanso. Inventada a agricultura, portanto, sentindo-se mais independente da natureza, à qual passou a obrigar a fornecer-lhe alimentos, em tribos e famílias, começaram os homens a fixar-se, iniciando-se dessa forma, a vida sedentária. O sedentarismo deu começo à civilização, pois proporcionava ao ex-nômade uma folga, um tempo de lazer, já que não era totalmente necessário lutar ininterruptamente pelo alimento e, assim, nos momentos de ócio, dedicou-se à arte. E o pensamento se desenvolveu.
Quem é obrigado a buscar o pão de cada dia, sem um pingo de folga, que possibilidades tem de meditar, de criar e de inventar algo melhor? O lazer do homem primitivo criou e desenvolveu a ciência, a filosofia e a arte. O mesmo tempo vago que impulsionou o ser humano para cultivar o espírito e desenvolver a mente tem sido hoje, no entanto, responsável pelo desequilíbrio dos nervos e sofrimento mental de muitas pessoas. Não é raro encontrar quem, ou por atitude neurótica ou por abastança financeira ou por educação errônea, nada ou pouco faz de útil. Os empregados fazem tudo. O tempo sobra, sobra demais. O vazio atrai o tédio. Assim como para a depressão do terreno correm as águas da chuva, o tédio corre para o coração do ocioso. Com o tédio pode vir, quase sempre, a distonia do simpático e a psiconeurose.
Sou conhecedor de muitos casos de oficiais das forças armadas que, aproveitando a suposta vantagem de uma reforma do serviço ativo quando ainda relativamente jovens, dentro de poucos meses de inatividade, viram-se presas do sentimento de inutilidade e frustração. Alguns arranjaram um novo emprego e, assim, conseguiram manter o equilíbrio emocional.
Se por quaisquer circunstâncias você está desocupado, vendo monótonos dias se arrastarem morosos e improdutivos, se o “fazer nada” está enchendo-o de tédio, recorra àquilo que é chamado de terapêutica ocupacional ou ergoterapia. “Ergo” significa trabalho. Assuma a responsabilidade por um afazer qualquer. Comece a sentir-se capaz. Trate de criar alguma coisa. Isto o aliviará. Adquira pincéis e tintas e pinte. Aprenda um instrumento e faça música. Cuide do canteiro. Arrume a casa. Mas a ocupação que lhe dará mais significativas e profundas horas de bem-estar, integração e equilíbrio psíquico é a que lhe der oportunidade de sentir-se útil e, melhor ainda, ser necessário a alguém.
Garanto que uma senhora infeliz e inutilizada pela vida de conforto e lazer excessivos, gozará de grande alegria espiritual se dedicar seus dias à assistência social. Quem sentir sua presença fazendo nascer sorrisos em faces tristes e suas palavras transmitindo esperanças novas aos desalentados, ou quem, por necessidade de ajudar, surpreender-se pedindo a Deus que lhe dê forças para melhor prestar serviço, atingirá os planos onde a felicidade é autêntica e indescritível e forças lhe serão concedidas.
É o serviço inegoístico, o que liberta e integra o psiquismo. Trabalhar para si e para os seus evita o tédio. Mas somente seva, isto é, o servir aos outros em nome do Supremo é que nos conduz à bem-aventurança. A caridade que é tida por alguns como o único meio de salvação é diferente do que se chama Karma Yoga. Qualquer que seja o interesse egoístico que motive o servir aos outros, pode reduzir o valor espiritual do trabalho, mesmo que este interesse seja ganhar o céu.
Fazer “caridade” por ostentação, como “hobby”, porque está na moda ou por mero passatempo e mesmo para salvar-se e ganhar as bênçãos de Deus e galgar o céu, espiritualmente, é ação ainda frustradora por ser egoística. Mas, é bem melhor do que o ócio e a vadiagem. Ocupe seu ócio com o servir Deus, na pessoa de seu próximo. Isto sim é solução. Ofereça ao Senhor Supremo o fruto do seu agir. Não se reconheça credor de retribuições. Esta é a mais eficaz terapia ocupacional.
É legítimo e sadio, ganhar profissionalmente seu sustento. Mesmo que você receba remuneração pelo que faz, devote a Deus o que faz e faça tudo em Seu Santo Nome e para Sua Glória. Tire de sua ocupação o necessário para si, mas faça de suas obras, de seus atos, de seu agir no mundo oferendas ao Onipresente.
*O livro “Yoga para Nervosos” encontra-se em PDF no Google.
Nota: Bailarina, obra de Anita Malfatti
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