Autoria do Prof. Pierre Santos
Os Evangelhos
Todos nós sabemos o que são os evangelhos ou pelo menos temos boa noção do que sejam. A rigor, trata-se daqueles textos contidos no Novo Testamento e escritos pelos evangelistas Mateus, Marcos, Lucas e João, dentre os quais apenas São Mateus e São João estavam incluídos entre os doze apóstolos de Cristo. Procuraram eles transcrever, da maneira a mais objetiva possível, as parábolas e os ensinamentos passados por Cristo, nos seus sermões proferidos na Galileia. Nessa empreitada era sempre coadjuvado por seus doze apóstolos – Pedro, André, Tiago Maior, João, Filipe, Bartolomeu, Judas Tomé, Tiago Menor, Mateus, Simão, Judas Tadeu e Judas Iscariote – os quais se encarregavam de esclarecer, para aqueles que não tivessem entendido bem as parábolas, o real significado das mesmas. Na verdade, esses doze homens pelo Senhor escolhidos eram seus reais discípulos, pois sabia que, em sua falta, iria caber-lhes a disseminação de seus ensinamentos.
Contudo, o primeiro a ter ideia de registrar, em linguagem bem inteligível, as pregações de Jesus, não foi nenhum dos autores dos quatro livros que compõem o Livro dos Evangelhos aos quais se somaram o Ato dos Apóstolos, de São Lucas, as treze Epístolas, de São Paulo, as três de São João e, também deste, o Apocalipse. Quem realmente pensou nisto primeiro foi São Paulo que, em suas treze cartas – Romanos/ Coríntios I/ Coríntios II/ Gálatas/ Efésios/ Filipenses/ Colossenses/ Tessalonicenses I/ Tessalonicenses II/ Timóteo I/ Timóteo II/ Tito/ Filémon – endereçadas às igrejas por ele fundadas, expõe de maneira bem resumida as principais mensagens de Cristo.
No alvor do culto e durante grande parte do século I, os deões sentiam falta de ter em mãos, por escrito, as palavras do Senhor, para se guiarem com maior segurança durante as orações conjuntas. Para tanto, pediam a alguém alfabetizado e mais culto para anotar, a partir do relato de pessoas que tivessem ouvido as pregações do Senhor, os seus ensinamentos. Este costume, contudo, estava sujeito a vários perigos, como o da deturpação, da falta de unidade nos escritos e, principalmente, de esses ficarem incompletos, como realmente ficavam, pois a tradição da oralidade vai sofrendo alterações ao longo do tempo e, “como quem conta um conto, aumenta um ponto”, de acordo com a sabedoria popular, esses relatos iam perdendo cada vez mais a fidelidade em face da certeza dos ditos sagrados.
No princípio do século II, o Papa Alexandre I, tendo em vista os referidos perigos e conhecedor dos textos escritos, primeiramente por Mateus e João, apóstolos diretos de Cristo, em seguida, por Marcos e Lucas (havia outros textos que, na época, também circulavam, os quais, por não apresentarem a completude e a segurança comprovadas nos textos dos evangelistas, deixaram de ser considerados), determinou a compilação dos quatro textos aprovados, quais sejam, o evangelho segundo Mateus, o primeiro deles, o evangelho segundo Marcos, o segundo na ordem e o evangelho segundo Lucas, o terceiro deles, sendo estes três chamados sinópticos ou semelhantes por terem a mesma estrutura e seguirem o mesmo esquema, com poucas diferenças; e ainda o evangelho segundo João, “o bem amado”, como a ele se referia Jesus, diferente dos outros textos, porque se ateve mais à vida do Mestre e é mais completo na transcrição dos discursos do Senhor, pelo que é considerado evangelho teológico. A eles o Papa mandou acrescentar as Cartas escritas por Paulo, o Ato dos Apóstolos escrito por Lucas, autor também do terceiro evangelho, as Cartas e o Apocalipse escritos por João. Assim compilados, definidos e aprovados, o Papa recomendou seu uso a todas as comunidades cristãs, a cujos líderes era facultada a obtenção de cópias, as quais eram feitas por copiadores oficiais, que se atinham com exclusividade aos textos, sem nenhuma sofisticação.
Essa forma de culto foi mantida até o final do século VI, ao longo de cujo tempo a liturgia foi evoluindo até à definição ideal de todos os rituais, com o uso dos evangelhos devidamente estabelecido. Àquela altura, os monastérios já iam se espalhando por vários lugares e os monges assumiram o ofício de copistas, no qual se especializaram a tal ponto, que se puseram a fazer obras em tudo notáveis, tornando-se os responsáveis por uma das artes mais representativas da Idade Média: a arte das miniaturas e iluminuras de livros.
Ao longo do século VII, copiava-se normalmente o Livro dos Evangelhos, por encomenda das igrejas cristãs espalhadas pelo mundo. Mas aí, os monges começaram a sofisticar cada cópia. Reis, políticos e importantes colecionadores de obras de arte viram essas cópias e fizeram encomendas para si, personificadas. Aí veio Carlos Magno e incrementou o empreendimento do setor, como passaremos em revista na próxima postagem.
Os Evangelistas
São Mateus foi o autor do primeiro evangelho. Era filho de Alfeu e seu nome mesmo era Levi. Exercia a profissão de publicano, ou seja, de cobrador de impostos (profissão odiada à época) na cidade de Cafarnaum, a serviço de Herodes Antipas. Consta que Jesus, um belo dia, após atravessar o Lago de Tiberíades, ao passar pela porta de uma taberna, avistou lá dentro Matias e seus ajudantes, ocupados em conferir a coleta de impostos. Então, indicando-o num amplo gesto, disse-lhe: “És meu escolhido. Segue-me”. E Mateus obedeceu, tornando-se um de seus doze apóstolos. A propósito, há neste blog uma extraordinária postagem de LuDias sobre um quadro de Caravaggio, que trata exatamente desta passagem bíblica, intitulado: Caravaggio – A VOCAÇÃO DE SÃO MATEUS
Enquanto o Mestre viveu, Mateus o seguiu muito de perto, sem perder nenhuma de suas pregações, inclusive indagando aos condiscípulos, com muita curiosidade – segundo narra em algum lugar de seus textos – sobre aquelas proferidas antes de sua incorporação ao grupo, que Ele não tenha repetido. Aproveitava os momentos em que ficava parado para tudo anotar. Além de ter testemunhado tantos acontecimentos em sua maioria surpreendentes, participou da Santa Ceia e presenciou as aparições de Cristo ressuscitado, sua ascensão e o episódio do Pentecostes. Depois, na qualidade de pregador independente, enquanto levava os ensinamentos do Senhor a regiões como da Palestina e da Etiópia, sentiu necessidade de por em ordem e dar melhor redação às suas anotações. Assim nasceu o seu evangelho.
São Marcos foi o autor do segundo evangelho. Era filho de Maria de Jerusalém. Barnabé (seu primo), Lucas, Paulo, Marcos e outros personagens, são considerados entre os apóstolos bíblicos de Cristo, e não entre os doze escolhidos pelo Salvador. Provavelmente nasceu em Jerusalém, mas pouco se sabe sobre sua vida. Sabe-se, contudo, que foi um veemente e exímio pregador, tendo viajado a inúmeras localidades em companhia de Barnabé e Paulo, a fim de levar a elas as palavras do Mestre. Esteve no Egito, onde fundou a Igreja de Cristo, e na Itália, onde fundou a cidade de Veneza, da qual é o padroeiro. Seu evangelho foi escrito em Roma, por sugestão de Paulo, quando lá esteve para dar assistência ao amigo, que estava encarcerado. Dedicou seu evangelho, de estilo simples e vigoroso, aos cristãos provenientes do paganismo, constando de 661 versículos, pelo que é o mais extenso de todos e segue, para a disposição da matéria, o esquema do de Mateus, assim como Lucas.
São Lucas foi o autor do terceiro evangelho, como também de Atos dos Apóstolos, inseridos no quinto lugar do mesmo livro. Viveu no século I da era cristã, era sírio nascido em Antióquia, médico de profissão e pintor nas horas vagas, tendo pintado vários quadros com o tema da Virgem Maria e, segundo consta, retratos de Paulo e de Pedro. Só por curiosidade, é por isto que as Guildas de São Lucas, na Flandres medieval, tinham seu nome e a Accademia di San Luca, de Roma, com filiais em outras cidades européias, tem como um de seus objetivos a proteção dos pintores. Mencionado várias vezes nas epístolas de São Paulo, com este viajou por alguns lugares e depois, sozinho, andou pregando o evangelho no sul da Europa, na Macedônia, em Jerusalém e, finalmente, na Grécia, onde foi martirizado.
São João foi o autor do quarto evangelho. Usou esquema próprio, diferente dos demais na distribuição da matéria escrita, não sendo sinóptico como os demais, pois sua preocupação bem centrada foi narrar a vida e a obra de Jesus Cristo, descrevendo com mais finura os ensinamentos do Senhor e sendo mais inclinado à contemplação do que à ação, o que fez sua diferença. Nascido em Batsaida, na Galiléia, foi chamado pelo próprio Jesus para segui-lo, juntamente com seu irmão Tiago Maior. Esteve presente em todos os importantes lances da vida de Cristo e foi o único a segui-lo até na hora de sua morte, na cruz, ocasião em que foi o apoio de Maria, de quem cuidou. Depois de muitas andanças pregando o evangelho, foi viver em Éfeso, na Ásia Menor, nas costas da Turquia, de onde comandou várias igrejas que havia criado e onde escreveu seu evangelho. Quando Domiciano assumiu o poder, foi exilado para a Ilha de Patmos, onde escreveu o Livro do Apocalipse ou da Revelação, o último a ser incluído no Livro dos Evangelhos juntamente com suas três cartas endereçadas a todos os cristãos. Faleceu em Éfeso já velho, onde foi sepultado.
Ilustrações:
1.Os quatro Evangelistas, iluminura do séc. VIII
2. Os quatro Evangelistas, séc. IX, Cat. de Aachen, Alemanhna
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