PAGANISMO, CRISTIANISMO E HUMANISMO (Aula nº 35)

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Autoria de Lu Dias Carvalho

O distanciamento dos fatos faz com que imaginemos que a harmonização entre o paganismo e o cristianismo ocorreu pacificamente. Não foi bem assim, principalmente nos séculos XII e XV, quando houve a necessidade de conciliar a civilização clássica com a cristã. Lembremo-nos de que os escritores gregos e romanos da Idade Antiga eram pagãos (nome dado à época a todos os romanos que se mantinham fiéis às suas antigas crenças, não se convertendo ao cristianismo), enquanto a Idade Média primou pela religiosidade, sendo que qualquer fenômeno recebia uma interpretação cristã. Era normal, portanto, que muitos relatos desses escritores clássicos acabassem colidindo com os ensinamentos da Igreja.

Só para termos uma ideia desse embate ideológico, o poeta italiano Dante Alighieri (1265-1321), na segunda metade do século XIV, condenou todos os escritores clássicos a padecer no Inferno em sua famosa obra intitulada “Divina Comédia”, simplesmente por não terem sido batizados no cristianismo, mesmo que esses indivíduos tenham vivido “antes do tempo da cristandade”, o que nos parece uma posição bizarra por partir de um intelectual.

A colisão “cristianismo” versus “paganismo” chegou a aflorar tanto que, durante certo tempo, até mesmo a filosofia aristotélica foi banida da Universidade de Paris em razão das associações pagãs do filósofo que viveu na Antiguidade — antes de o cristianismo existir. E o mais paradoxal nessa trama é que o imortal Aristóteles só passou para a posteridade, chegando até nossos dias, em razão do auxílio que deram às suas obras os frades dominicanos Alberto Magno (c. 1206-1280) e São Tomás de Aquino (1225-1274) — um dos doutores da Igreja Cristã — que deram às suas ideias uma roupagem cristã.

Durante o Renascimento italiano a grande maioria de eruditos e artistas fizeram uso da civilização clássica, mas sob o prisma da fé cristã, o que nos mostra a capacidade que o ser humano possui de adequar os fatos de acordo com a sua vontade ou visão de mundo, o que torna a nossa compreensão do passado — ou até mesmo do presente — quase sempre comprometida. Ainda que o Renascimento italiano carregasse o comprometimento de cristianizar as tradições clássicas, alguns poucos eruditos ficaram tão tocados pela literatura pagã a ponto de recusar o cristianismo. Apenas para efeito de citação, podemos ver a mesclagem entre os temas e as técnicas clássicas com a iconografia cristã em obras como “Os Esponsais dos Arnolfini” (1434), obra de Jan van Eyck e “A Primavera” (c. 1418), obra de Sandro Botticelli (Iremos estudá-las.)

É na literatura “humanista” (palavra que apareceu pela primeira vez no século XVI) que a união entre as crenças do Renascimento e as cristãs tornam-se mais nítidas. Ainda que o termo “humanismo” seja fruto de finais do século XVIII ou do XIX, é importante empregá-lo para estudarmos certas características do pensamento e do saber do Renascimento. À época, aquele que fazia um curso em humanidade (studia humanitis) era chamado de “humanista”. De seus estudos faziam parte: gramática e retórica, mas dentro dessa grade estavam inseridas: literatura, poesia, história e a habilidade de comunicar-se com a mais absoluta clareza e persuasão. Apesar do título, não havia um programa “humanista” no sentido estrito da palavra, mas o estudo da grade citada teve grande importância ao romper com o currículo tradicional das universidades que até então se resumia ao estudo de lógica e de métodos repetitivos, a fim de que os alunos apreendessem as fórmulas intelectuais de memória, ou seja, na decoreba.

Outro ponto importante do estudo das “humanidades” foi o de destacar mais os valores seculares do que os transcendentais, dando maior ênfase ao concreto do que ao abstrato. Ao invés do estudo de metafísica e da teologia, o humanista buscava compreender a si mesmo e a melhorar como indivíduo. Contudo, era crença comum na Idade Média que o homem encontrava-se totalmente sob a influência da graça de Deus — conforme ensinava a Igreja Cristã — e sem essa bondade não passaria de um bicho. O “humanista” por sua vez, cria que homem era capaz de melhorar a si mesmo graças a uma educação e a uma preparação eficazes. Em razão desse pensamento, a Igreja sentiu-se em perigo pelo fato de não se fazer uma referência aos seus ensinamentos.

O humanismo, que historicamente falando tratou-se de um movimento intelectual da Europa renascentista, com base na cultura greco-romana e em sua valorização do conhecimento do homem e suas perspectivas, também teve um papel importante ao buscar fazer versões corretas dos textos clássicos. Grande parte do trabalho dos humanistas dizia respeito a uma bem elaborada edição das obras latinas e gregas.

 Exercício
Para o enriquecimento deste texto/aula os participantes deverão responder as questões abaixo:

1. Por que houve um embate entre o classicismo e o cristianismo?
2. Quem foi Dante Alighieri e o que fez em relação ao paganismo?
3. Em que ponto a visão humanista diferia da cristã?

Ilustração: Santo Agostinho Ensinando em Roma, (1464), obra de Benozzo Gozzoli.

Fontes de pesquisa
A História da Arte / Prof. E. H. Gombrich
Renascimento/ Nicholas Mann

6 comentaram em “PAGANISMO, CRISTIANISMO E HUMANISMO (Aula nº 35)

  1. Marinalva Dias Autor do post

    Lu
    Essa aula nos dá a dimensão de como acontecimentos, às vezes maus, às vezes bons, vão acontecendo na vida da humanidade. Vimos o Cristianismo sobrepondo-se como religião às demais crenças que existiam até sua chegada, achando que por serem diferentes, elas deveriam ser eliminadas. Mas de um jeito ou de outro as mudanças sempre surgem.

    O humanismo, inspirando na civilização greco-romana, movimento intelectual difundido na Europa, começou a distanciar-se da influência da Igreja (Teocentrismo), comportamento visto na Idade Média, cedendo lugar ao Antropocentrismo, passando o homem a ser o centro dos interesses terrenos e assim desenvolver o espírito crítico em relação aos problemas sociais. Os humanistas do Renascimento estavam conscientes de suas capacidades intelectuais, sendo os seres humanos responsáveis por suas próprias criações, sejam elas boas ou ruins. Os valores terrenos são ditados por eles e não por Deus.

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Marinalva

      O Cristianismo, ao surgir, tentou inviabilizar todas as outras crenças e foi aos poucos tomando conta da vida das pessoas, principalmente ao juntar-se ao Estado. Já vimos o exemplo de vários países mostrando que religião e política é um balaio de gatos de onde não saem coisas boas. Um país laico jamais deve se portar segundo uma postura religiosa, até mesmo em respeito aos cidadãos que professam outras crenças.

      O Humanismo foi um dos fatos mais importantes que aconteceram no Renascimento. A visão do homem como senhor de seus atos, em vez de joguete nas mãos de Deus, fez toda a diferença, embora vimos tal pregação acontecer até os dias de hoje, pois o terror, o amedrontamento é a melhor forma de arrebanhar adeptos.

      Gostaria de destacar seu pensamento:
      “Os humanistas do Renascimento estavam conscientes de suas capacidades intelectuais, sendo os seres humanos responsáveis por suas próprias criações, sejam elas boas ou ruins. Os valores terrenos são ditados por eles e não por Deus.”

      Abraços,

      Lu

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  2. Antônio Costa

    Lu
    É notória a influência da Igreja Cristã em todos os tempos, dos primórdios aos dias atuais. O momento histórico do humanismo teve uma força especial para enfraquecer sem confrontar o cristianismo. Creio ter sido um momento inquietante e indefensável em relação aos dogmas estabelecidos. A Igreja dirigia o homem ao um fim a ela satisfatório, enquanto o humanismo preconizava a transformação pelas possibilidades a serem trabalhadas. O antagonismo pagão x cristão tinha como pano de fundo o permanente interesse econômico que a Igreja sempre manteve.

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Antônio

      A Igreja, qualquer que seja a crença exercida, sempre foi uma pedra no caminho do desenvolvimento, sobretudo da Ciência. Penso como os humanistas, o importante é mudarmos a nós mesmos como pessoas em prol de um mundo melhor, a começar pelos que nos rodeiam, e não de uma suposta “vida eterna” que não passa de uma incógnita.

      Abraços,

      Lu

      Responder
  3. Hernando Martins

    Lu

    O texto mostra uma evolução bastante acentuada do pensamento humano, do paganismo da Idade Antiga ao cristianismo implantado pelos romanos,como religião oficial e o humanismo,com o surgimento do
    Renascimento.

    Já foi relatado por você,através de belos textos elucidativos, informações sobre o paganismo e o cristianismo, influenciando as temáticas artísticas em seus respectivos períodos. O humanismo herdou uma influência acentuada do pensamento grego da Idade Antiga, com certa peculariedade na temática religiosa, dando-lhe outra roupagem. No humanismo o homem é o centro do universo, enquanto no cristianismo Deus era o centro.

    Se analisarmos esta expressão bíblica que diz:

    “No principio era o verbo, e o verbo era Deus e,se fez homem à sua imagem e semelhança.”, podemos afirmar que o homem da Bíblia é visto à imagem e semelhança de Deus. Dessa forma, o antropocentrismo (homem no centro do universo) tem um aspecto bíblico peculiar. Sendo à imagem e semelhança do Criador só poderia expressar e praticar algo maravilhoso para o bem comum da humanidade.

    No cristianismo da Idade Média prevaleceu o teocentrismo (Deus como centro do universo), e ele estava sempre distante, inclusive observamos em textos anteriores que os anjos, representantes de Deus para os cristãos, estavam sempre no alto, equidistante da realidade. Ao contrário do humanismo, Deus enconstra-se sempre ao lado da sua imagem e semelhança para proporcionar solidariedade,justiça e liberdade na realização de obras magníficas para a humanidade.

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Hernando

      Realmente existe uma grande incoerência entre os cristãos no que diz respeito ao fato de “serem feitos à imagem e semelhança de Deus”. Se assim é, o que eles mostram é um Deus perverso, injusto e totalmente indiferente à vida do Homem na Terra. Como você pensa, essa “semelhança deveria proporcionar solidariedade,justiça e liberdade na realização de obras magníficas para a humanidade”. Mas o que vemos é totalmente diferente disso. Entre a pregação e os fatos estamos a bilhões de distância e Deus não tem passado de uma moeda de troca tanto para o acesso ao poder quanto para o enriquecimento.

      A Igreja sempre retratou os “pagãos” como pessoas adeptas do diabo. E vemos isso acontecer até mesmo com pessoas cultas, como Dante Alighieri, ao mandar para o inferno os autores clássicos, mesmo que esses tenham vivido numa época em que Cristo nem havia nascido. Haja incoerência. Mas a humanidade será sempre complexa e bizarra, como ainda vemos nos dias de hoje… isso faz parte de sua índole.

      Beijos,

      Lu

      Responder

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