Autoria de Lu Dias Carvalho
Minha avó materna sempre contava aos netos que, quando se casou com o nosso avô, ele não tinha eira e nem beira, tampouco ela. E que os dois viveram tempos muito difíceis para ensinar ao menos o beabá aos filhos. Dizia que se nós quiséssemos sofrer menos na vida, teríamos que estudar muito, pois o Criador põe a inteligência na cabeça da pessoa, mas é preciso que ela vá botando um pouquinho de água todo dia, para que a agudeza cresça, pois se faltar o líquido do esforço, a inteligência vai se embotando até morrer. Essa água, segundo minha vó, era o estudo diário.
As gentes antigamente, apesar de todas as dificuldades pelas quais passavam, valorizavam muito o estudo. Viam-no como se fosse a saída para uma vida menos sofrida. Como eram poucos os exemplos que tinham de pessoas estudadas, observavam que todas as conhecidas gozavam de boa posição social. A pobreza era associada à ignorância, à falta de erudição, ao analfabetismo. O sonho de toda família era ter os filhos “estudados”, para que não vivessem sem eira e nem beira, comendo o pão que o diabo amassou. Será que a minha avozinha estava certa?
A expressão “sem eira e nem beira” era muito usada em tempos idos, tendo vindo de Portugal para nosso país lá pelos idos de 1500. Mas como surgiu? Vejamos primeiro o que diz o mestre Aurélio:
Eira
1. Área de terra batida, lajeada ou cimentada, onde se malham, trilham, secam e limpam cereais e legumes; almanxar./ 2. Terreno onde se junta o sal, ao lado das marinhas./ 3. Pátio, em algumas fábricas de tecido./ 4. Bras. Lugar anexo às fábricas de açúcar, onde se guardam as canas antes de serem utilizadas.
A eira (ver ilustração à esquerda) ficava próxima às casas e tinha uma beira que impedia o vento de levar os grãos para fora do espaço destinado a eles. Sua presença demonstrava que a família era rica e próspera, ocupando uma boa posição social dentro da comunidade. As famílias que não tinham nem uma eira, ou mesmo uma beiradinha dela, eram consideradas pobres ou até mesmo miseráveis. Era muito comum que se referissem a uma pessoa sem recursos como sem eira e nem beira, sendo que os mais poéticos acrescentavam o ramo de figueira apenas para rimar, penso eu.
Há também quem defenda que a beira ou beiral refere-se à aba da casa (ver ilustração à direita/ foto Pinterest), aquela parte do telhado (marquises) que protege contra a chuva. Enquanto as casas dos necessitados não tinham eira e tampouco beira, as pessoas de posses tinham não apenas eira e beira, mas também uma forte tribeira (o telhado propriamente dito). Velha história! Antigos dias!
Views: 13