NOVOS ESTILOS – FUTURISMO, ORFISMO E RAIONISMO I (Aula nº 98)

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Autoria de Lu Dias Carvalho

                                  

O mundo, após a Primeira Guerra Mundial, passou por mudanças dramáticas no que diz respeito às noções de distância e tempo, com a chegada do aeroplano, dos automóveis e das comunicações sem fio. Nesse período apareceram inúmeros movimentos de arte inter-relacionados que objetivavam revelar o dinamismo da tecnologia e suas consequências para a sociedade. O Futurismo, movimento sociopolítico italiano de vanguarda que englobou todas as artes de origem, aconteceu numa época em que a mecanização tornava tudo mais veloz, o que fez com que os artistas também quisessem acompanhar as mudanças provocadas pelos novos tempos, pois, como já vimos, a arte é um produto de seu tempo. Novamente a Itália encontra-se como centro da arte.

O Manifesto Futurista de 1909 de autoria do poeta e escritor Filippo Tommaso Marinetti ? tinha grande ligação com a literatura ?, inaugurou o novo estilo que apregoava a liberdade das palavras, levando em conta o design tipográfico. Já o manifesto, criado em 1910 em Milão, era mais dirigido às artes plásticas, tendo sido assinado por artistas plásticos como Umberto Boccioni e Giacomo Balla. Esse último visava representar o movimento e defender o uso de cores e de formas de modo não realista, sempre se associando à velocidade. Pedia que a Itália deixasse seu passado artístico para trás e abraçasse a vida moderna, criando uma cultura que mostrasse sua nova industrialização.

Os futuristas italianos, vivendo num país tido como símbolo das tradições artísticas, mostraram-se ainda mais comprometidos a deixar de lado o passado clássico do que as vanguardas de outros países. Os manifestos futuristas cantavam a glória e as maravilhas do dinamismo, da juventude, da velocidade, da originalidade, do perigo, da energia e dos efêmeros objetos modernos. Chegavam a pedir destruição de museus, bibliotecas e academias, assim como dos sonhos, das tradições e da moral, sendo atendidos por artistas dos mais diversos campos, principalmente no que dizia respeito ao amor pela velocidade e pela mecanização.

O movimento futurista da Itália moderna tinha como centro a cidade de Milão. A princípio foi abraçado jubilosamente pelos partidários da Primeira Guerra Mundial que viam nele uma fonte purificadora da sociedade, contudo, ao apoiar o Partido Fascista italiano por volta de 1909, caiu em descrédito. No que diz respeito às artes visuais o Futurismo teve o seu ápice de 1912 a1915.

O movimento futurista apresentou em 1910 dois manifestos assinadas pelos artistas Umberto Boccioni, Giacomo Balla, Carlo Carrá, Luigi Russolo e Gino Severini, cujas obras apresentavam tendências artísticas predominantes na época da Arte Nova (Art Nouveau), Simbolismo e Pós-impressionismo. O escultor Medardo Rosso é tido como o único artista italiano desse movimento a colaborar de forma significativa com a arte europeia, sendo sua obra amplamente elogiada. O Futurismo, com sua filosofia voltada para a velocidade e o ritmo acelerado da vida contemporânea, espalhou-se rapidamente pela Europa, impelindo a vanguarda artística de Moscou a Nova York.

As obras vistas na exposição de pintura futurista de Milão, acontecida em 1911, mostrava imagens das grandes metrópoles modernas: clubes noturnos, solares e multidões inquietas. Os artistas empregavam técnicas levemente impressionistas (pinceladas curtas e nervosas para retratar as chispas luminosas e o dinamismo e a efervescência da vida urbana) ou sugeriam o Simbolismo ou o arabesco sensual da Arte Nova (Art Nouveau). A paleta usada pelos futuristas, embora viva, se comparada à dos cubistas, era limitada e menos exata. Eles possuíam um estilo mais abstrato, angular e esquemático. Em 1911/1912 a pintura futurista amadureceu sob a ingerência do Cubismo analítico.

Umberto Boccioni publicou em 1912 um manifesto sobre a escultura futurista que tinha como pontos principais: o fim das estátuas “fechadas”, a expressão do movimento e da atmosfera e a utilização de todos os materiais de que se podia dispor, formando todas as associações possíveis. Antonio Sant’Elia publicou um manifesto em 1914 sobre arquitetura futurista em que eram destacadas todas as necessidades da vida nas cidades modernas: o funcionalismo e a efemeridade dos edifícios.

Nota: 1. A ilustração à direita é uma obra de Giacomo Balla, de 1909, intitulada Lâmpada em Arco, inspirada nas primeiras lâmpadas elétricas de rua, mostrando a influência de Georges Seurat e de Paul Signac. 2. A ilustração à esquerda é uma escultura de Umberto Boccioni, intitulada Formas Únicas de Continuidade no Espaço, 1913.

Fontes de pesquisa
Tudo sobre arte/ Editora Sextante
Manual compacto de arte/ Editora Rideel
A história da arte/ E. H. Gombrich
História da arte/ Folio
Arte/ Publifolha

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UM ELEFANTE BRANCO EM MINHA VIDA

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Autoria de Lu Dias Carvalho

elbran

Quem nunca recebeu um presente ou comprou algo que, em vez de dar alegria, só traz desconforto? Aposto que o meu leitor já está se lembrando de alguma coisa que o incomodou bastante. A melhor maneira de remediar a situação é desfazer-se do objeto.  Se algo nos traz estorvo cada vez que o vemos,  o bom mesmo é tirá-lo de nossa frente. Sempre haverá alguém que o receberá com a maior alegria, uma vez que gosto não se discute, não é mesmo?

Um dos elefantes brancos que já tive foi um multiprocessador que sequer consegui usar uma meia dúzia de vezes. A propaganda era efusiva: o eletrodoméstico só faltava falar e fazer todos os serviços da cozinha. Só não dizia quão trabalhosa era a tarefa de lidar com as suas inúmeras partes e também como era grande a perda de fibras e o pouco aproveitamento dos alimentos. Cansada de ver aquele elefante branco ocupando lugar na minha minúscula cozinha, eu me desfiz dele com a maior satisfação. Quem o recebeu não se incomodou com o trabalho, usando-o bastante.

É muito interessante saber como nasceu a expressão “elefante branco”. Alguém poderá estar indagando: como é que um bichinho, ou melhor, bichão, tão fofo pode cair na língua do povo? E caiu mesmo, meu amado leitor. Nada neste mundo de meu Deus está imune à maldade humana. Mas deixemos de chorumelas, lenga-lenga e cantilena e vamos aos fatos.

Conta-se que no Antigo Sião, atual Tailândia, caso o soberano se indispusesse com um dos seus súditos, ofertava-lhe um animal sagrado, que não era outro senão o belo elefante branco. É fato que se tratava de um valioso presente, irrecusável, mas extremamente complicado. E quem era doido de rejeitar um presente dado pelo rei?

A pobre vítima – não o elefante branco, mas aquela que o recebia –  ficando mais do que estupefata, era obrigada a cuidar e a pagar todas as despesas do portentoso animal, sem jamais passá-lo a outrem. E, como desgraça pouca é bobagem, o “bichinho” tinha que permanecer ricamente enfeitado para agradar o rei. O presenteado não podia nem piar, pois, se o fizesse, ganhava outro animal, penando ao dobro para dar conta do presente. Quando a raiva real era muito grande e o rei queria dobrar o castigo para punir o desafeto, presenteava-o com animais gêmeos, como se o vassalo fosse o homem mais abençoado do reino. Isso que era um rei mui amigo e generoso!

A expressão elefante branco caiu na língua do povo, sendo também muito usada para se referir a obras públicas sem utilidade ou que ficam inacabadas, depois que muito dinheiro do povo foi gasto. É fato que o animal não tem culpa alguma na história. Biologicamente falando, o elefante branco é uma espécie de elefante albino, que existe na Ásia e possui um grande valor simbólico entre os tailandeses.

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GUERNICA (Aula nº 97 F)

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Autoria de Lu Dias Carvalho

 

                                  (Cliquem nas imagens para ampliá-las.)

Guernica é um monumento à desilusão, ao desespero e à destruição. (Herbert Read)

Toda a minha vida foi uma luta contínua contra a reação e contra a morte da arte. (…) Na pintura em que estou trabalhando neste momento e que se chamará Guernica e em todas as minhas obras recentes, exprimo claramente o meu ódio pela casta militar que mergulhou a Espanha em um oceano de dor e de morte. (Pablo Picasso)

A República Espanhola encomendou a Pablo Picasso em 1937 uma enorme composição para ornamentar o pavilhão espanhol na Exposição Internacional de Paris. O governo da Espanha tentava atrair o apoio das potências democráticas no intuito de minar o apoio militar e político de Hitler e Mussolini, direcionados ao general Francisco Franco. Os republicanos, com a intenção de reforçar a pálida democracia, buscaram o apoio da classe de artistas espanhóis. Dentre esses estavam Picasso, Miró, Luís Buñel e Joseph Renau.

Antes de Picasso iniciar a composição da obra encomendada, a cidade basca de Guernica foi bombardeada por uma força expedicionária, a mando de Hitler e em apoio a Franco. Foi desse acontecimento que nasceu a inspiração do artista para a confecção do mural. Ele ficou horrorizado com a brutalidade de que fora vítima a cidade sem defesa, bombardeada durante 03h 15min minutos, ficando um saldo de 1.660 mortos e 890 feridos. Fato ocorrido em 26 de abril de 1937. Da comoção de Picasso nasceu a sua obra mais reconhecida mundialmente: Guernica, organizada como um tríptico, ou seja, possui um painel central e dois laterais, unidos por uma estrutura triangular.

À época a fotógrafa Dora Maar – amante do pintor – fotografou todas as fases da composição, cujo painel central é composto por um enorme triângulo. A lamparina encontra-se no ângulo superior do triângulo e a mão do soldado e o pé da mulher que parece correr ocupam respectivamente o ângulo esquerdo e o direito. Picasso usou o branco e preto com cinzas e toques de azul. Ele fez 45 esboços da obra e levou cinco semanas para concluí-la. No painel tudo é simples, exceto a expressão da dor emanada pelas vítimas.

No mural Guernica Picasso colocou apenas seis figuras humanas e três animais, mas que dão a impressão de muito mais, ao preencher toda a tela, inclusive trazendo a sensação de claustrofobia. Os animais pintados são um touro, um cavalo e um pássaro. Em meio às figuras citadas estão os seguintes elementos a compor a cena: edificações, uma lâmpada, uma lança estilhaçada, chão de tijolinhos, uma flecha, uma mesa e chamas mostrando um caos turbulento.

Guernica não tem o objetivo de mostrar uma época específica da história, pois é atemporal. Trata-se de uma obra universal, ícone do século XX e de uma alegoria lancinante contra a impiedade da guerra. É como se toda a composição representasse um grito paralisante de agonia. Não se tem uma explicação clara sobre todos os elementos presentes na composição, principalmente sobre o cavalo e o touro, tidos como símbolos respectivamente da brutalidade e da inocência do povo. Segundo o pintor, o touro representa a bestialidade das trevas. Mesmo após tal explicação, a imagem do animal ainda continua ambígua, pois Picasso nunca gostou de dar explicações sobre suas figuras.

Os personagens a partir da esquerda para a direita são:

  • mãe chorando, com a cabeça jogada para trás, trazendo um garotinho morto nos braços, com sua cabecinha pendente. Ela parece gritar em desespero, pedindo misericórdia;
  • touro com a cauda levantada, como se estivesse em chamas, imagem difícil de ser compreendida. Sua expressão parece humanizada diante da tragédia;
  • ave com a cabeça virada para cima, com o bico extremamente aberto, como se gritasse assustada;
  • soldado caído de costas, segurando uma espada quebrada e uma flor. Ele traz a cabeça e o braço direito decepados. A flor pode ser entendida como um símbolo da esperança de que a vida continue. Apesar da brutalidade do homem, sua delicadeza acentua ainda mais o caos visto no mural. No braço esquerdo estendido para trás, a mão do soldado traz um ferimento no meio que pode simbolizar o estigma de Cristo;
  • cavalo relinchando, com a cabeça e o pescoço contorcidos, visivelmente atormentado e assustado. A língua no formato de adaga à vista simboliza o primário grito de dor dos inocentes. Bem acima de sua cabeça encontra-se uma lâmpada elétrica que se parece com um grande olho, sendo vista por alguns como o olho onividente de Deus. Seu clarão também pode ser uma referência às bombas caindo;
  • mulher que parece voar, passando pela janela aberta com os seios pressionando a mão. Ela carrega uma lamparina acesa na mão, como se trouxesse luz na tentativa de compreender o que de fato aconteceu;
  • mulher que tem a cabeça erguida e os seios nus, com os olhos direcionados para o cavalo. Seu rosto denota desespero e medo. Ela parece correr;
  • mulher ajoelhada e rodeada pelas chamas, gritando com os braços erguidos para os céus, como se quisesse impedir que as bombas caíssem. Perto dela e acima da janela é possível ver mais chamas, o que indica que a cidade está pegando fogo.

Observação: alguns veem uma caveira, formada pelas narinas e dentes superiores do cavalo, e também a cabeça de um touro, situada no ângulo da perna dianteira desse animal, de frente para o observador, com o focinho quase tocando a flor.

Quando Guernica foi feita, Picasso estava com 56 anos de idade. Como Franco saiu-se vencedor, o pintor decidiu que a obra só voltaria à Espanha quando ali houvesse democracia. Enquanto isso, ela permaneceria no Museu de Arte Moderna de Nova York, nos Estados Unidos. O que realmente aconteceu.

Nota: a imagem colorida tem por objetivo ajudar o leitor a identificar as partes da obra.

Ficha técnica
Ano: 1937
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 349 x 776,5 cm
Localização: Museu Nacional Centro de Arte Sofia, Madri, Espanha

Fontes de pesquisa
Arte/ Publifolha
Picasso/ Coleção Folha
Picasso/ Abril Coleções
Arte em detalhes/ Publifolha
Grandes pinturas/ Publifolha

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Carracci – O COMEDOR DE FEIJÃO

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Autoria de Lu Dias Carvalho

O pintor italiano Annibale Carracci (1560-1609), nascido em Bologna, era oriundo de uma família de artesãos. Seus ancestrais eram alfaiates. Seu irmão Agostino (1557-1602) formou-se como gravador e pintor. Annibale começou trabalhando na alfaiataria, mas depois seguiu os passos do irmão mais velho, com quem trabalhou na oficina do primo Ludovico Carracci em Bolonha, o que leva a crer que esse tenha sido seu professor. Os três fundaram uma escola artística chamada Academia degli Incamminati (Academia do Caminho), sendo Ludovico o dirigente da escola, conhecido por sua rejeição ao estilo maneirista. Annibale era o mais criativo do grupo. Os três artistas trabalharam juntos na decoração do Palazzo Fava em sua cidade natal. Em muitas das primeiras obras de Bolonha, é difícil distinguir as contribuições individuais de cada um deles, pois carregam apenas a assinatura “Carracci”, o que pode sugerir que os três participaram.

A composição intitulada O Comedor de Feijão é uma obra de Annibale Carracci. Nela o artista mostra a sua abertura em relação às tendências realistas da pintura de gênero do Norte europeu. Muitas de suas obras retratam a vida de pessoas simples. Esse foi também um período em que artistas e compradores passaram a mostrar interesse por composições sobre a vida cotidiana da gente simples, nascendo, assim, a chamada “cena de gênero” que já vinha aparecendo nas tapeçarias do século XV.

Para criar a composição acima, Carracci considerou uma estrutura de composição bem comum, optando por pinceladas cruas e simples, fazendo uso de tons de terra. Ele apresenta um homem simples – um camponês ou trabalhador rural – sentado à mesa, fazendo a sua refeição. Usa uma colher de madeira para comer seus feijões. A mesa está coberta com uma toalha branca. Sobre ela, num alinhamento simples, estão: a tigela com feijões, cebolas, pão, um prato com torta de vegetais, um copo pela metade e um vaso listrado de cerâmica. Tudo ali é singelo.

O homem usa roupas modestas e traz sobre a cabeça um chapéu de palha. Possui maneiras rudes e parece comer avidamente. Olha furtivamente para o observador e traz a boca aberta. O pintor não foge à dura realidade do retratado tanto em sua técnica pictórica quanto na abordagem artística. As cores sem brilho em tons de terra são depositadas na tela em pinceladas grossas e irregulares.  Annibale Carracci,  deliberadamente, não acrescentou a ela qualquer artifício ou habilidade. Assim, tudo nela é modesto, é simples, até mesmo o modo como foi criada.

Ficha técnica
Ano: c.1580-1590
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 57 cm x 68 cm
Localização: Galeria de Colonna, Roma, Itália

Fontes de pesquisa
Obras-primas da arte ocidental/ Taschen
1000 obras-primas da pintura europeia/ Konemann

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PATA DE GALINHA NÃO MATA PINTO

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Autoria de Lu Dias Carvalho

galinpin

Minha mãe nunca foi chegada a bater nos filhos. No muito, a gente levava uns cocorotes, ou ficava de castigo, mas por pouco tempo, já que nossos rogos conseguiam demovê-la de seu intento castigador com a maior facilidade. Nós nos comprometíamos a nunca mais repetir tal diabrura, promessa que ela mesma sabia ser fictícia, mas, mesmo assim, fingia acreditar. Meu pai, ao contrário, vindo de uma família matriarcal, castigava por ele e por ela, motivo de zangas entre eles. Ele se baseava na filosofia de que “Quem come do meu pirão está sujeito ao meu corrião.”, mas, nem por isso deixou de ser um bom pai, empenhando seus parcos recursos e muito suor na educação de seus filhos. Tudo era uma questão de ponto de vista na forma de educar.

Dentre as seis irmãs de minha mãe, uma delas tinha a mão pesada para castigar seus filhos. A qualquer palavra (mal)dita, a mão comia de concha na boca do sentenciado, seguida do refrão: “Eu te quebro os dentes, se repetir isso de novo!”. Na sua casa havia um grande arsenal de tortura infantil: ramos de fedegoso (café negro ou folha do pajé), chinelos e um chicotinho de couro, todo metido a besta e servil, pois se encontrava sempre à mão, quando dele ela precisava. Batia de leve, mas doía!

Minha mãe, muito carinhosa com os sobrinhos, tinha o maior cuidado em não deixar que a minha tia brava soubesse das peraltices de seus filhos. Lia-lhes um sermão, é verdade, mas tudo ficava ali, escondidinho, debaixo de sete chaves, entre arrependimentos e promessas que voltariam a ser descumpridas – disso ela não tinha dúvidas. E ai daquele que virasse um delator!

De uma feita, minha prima Zazá que andava com uma gripe danada e meio febril foi para minha casa, sob a promessa de permanecer em repouso absoluto e não mexer com friagem. Cansadas da rotina, ela e eu furamos o cerco de minha mãe e fomos para o rio que passava no nosso quintal, para tomarmos banho. Que delícia! Aquilo era o paraíso na Terra! E quem se lembrava de gripe? Mas os cabelos molhados traíram-nos.

Minha mãe contornou a situação prometendo-me um castigo ainda a ser pensado, enquanto enxugava a cabeleira dourada e encaracolada da minha prima. Mas tudo teria terminado dentro dos conformes, se uma lavadeira boca de trombone não tivesse batido com a língua nos dentes e delatado nossa tão santa diversão à minha amada tia. Imediatamente chegou um estafeta – meu primo mais novo – intimando a vítima. Minha mãe, pressentindo o perigo,  bateu logo depois à porta da casa da minha tia, onde o coro já comia de concha. Minha prima estava sob uma saraivada de lambadas de fedegoso nas pernas e no bumbum. E pior, não lhe era permitido dar um grito. Minha mãe enfrentou a tia raivosa com valentia:

– Mulher, não faça isso com a criança, não vê que ela está doentinha?

– Doentinha coisa nenhuma! Se estava boa para ser desobediente, também está boa para apanhar – respondeu minha tia com o fedegoso na mão.

– Se você não parar de bater na menina, não volto mais aqui! – disse minha mãe.

– Irmã, você não sabe que pata de galinha não mata pinto? – tripudiou minha tia.

O que sei é que minha mãe ficou uns quinze dias sem ir à casa da minha adorada tia castigadora. Eu nunca mais me esqueci de que pata de galinha não mata pinto. Pode não matar, amada tia, mas que machuca, isto eu sei!

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DORA MAAR COM GATO (Aula nº 97 E)

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Autoria de Lu Dias Carvalho

O genial artista espanhol Pablo Ruiz Picasso, além de ser conhecido como revolucionário, visionário e vanguardista, foi também famoso pelo número de mulheres que teve em sua vida. Entre elas estava Dora Maar. Picasso travou conhecimento com a fotógrafa e intelectual de esquerda, de origem croata, que se transformou em sua nova amante, passando a ser sua modelo preferida e uma de suas mais significativas musas. Além de inteligente, ela era famosa por sua beleza, sobretudo pelos cabelos escuros. Ele viveu 10 anos com Dora Maar.

O artista retratou Dora Maar em inúmeras pinturas, sendo Dora Maar com Gato, obra cubista, uma das mais conhecidas. Ela se encontra assentada numa cadeira de madeira, com três quartos do corpo à vista, de frente para o observador. Seus braços descansam nos braços da cadeira. No seu espaldar, à direita da retratada, está um gatinho negro, de pé e com o rabo levantado, que também fixa o observador.

As unhas afiadas de Dora Maar lembram as do gato. Estudiosos de Picasso dizem que ele, certa vez, comparou o fascínio e o temperamento de sua amante semelhantes ao de um gato afegão, portanto, o animal aqui representado carrega em si muitos significados. Na história da arte, a presença de gatos alude aos artifícios da mulher e à agressão sexual. As unhas de Dora Maar reforçam esta significação.

Chama a atenção em especial o chapéu surrealista com que Dora Maar foi retratada. Sua vestimenta possui uma bela padronização. Seria o chapéu uma coroa e a cadeira um trono, feitos pelo pintor para homenagear sua musa? Segundo a crítica, Dora Maar com Gato é uma obra extraordinária de Picasso, tanto pela seleção das cores, pela atenção aos detalhes, pela execução e o simbolismo utilizado.

Ficha técnica
Ano: 1941
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 128,3 x 95,3 cm
Localização: Coleção particular

Fontes de pesquisa
http://totallyhistory.com/dora-maar-au-chat/
http://paintinghistory.blogspot.com.br/2008/12/dora-maar-au-chat.html

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