Dalí – SALVADOR DALÍ E GALA

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Autoria de Lu Dias Carvalho dali2

Ela, Eu, a Totalidade do Mundo, Gala é ela e todas as mulheres; e também o cosmos. (Dalí sobre Gala)

Gala trouxe-me, no verdadeiro sentido da palavra, a ordem que faltava à minha vida. Eu existia apenas num saco cheio de buracos, mole e delicado, sempre à procura de uma muleta. Ao juntar-me a Gala, encontrei a minha coluna vertebral e, ao fazer amor com ela, preenchi a minha pele. (Dalí)

Quando se estabeleceu em Paris, Dalí travou inúmeros contatos, sendo um deles com o poeta Paul Eluard, que fazia parte do grupo dos surrealistas, casado com a russa Helena Ivanovna Diakanova, a famosa Gala, com quem teve uma filha, Cécile, muito maltratada pela mãe, que abominava a maternidade. Até então, Dalí não tinha tido nenhuma relação amorosa com uma mulher. Embora negasse, mantinha uma relação homoafetiva com o poeta andaluz, Gabriel Garcia Lorca, obcecado por ele, havendo provas claras de tal relacionamento. Dalí alegava não ter tido nenhuma relação com uma mulher, porque ainda não encontrara a “fêmea” idealizada: jovem, de costas e formas perfeitas, não se importando se ela fosse bonita ou feia, ou em que lugar fosse encontrada. E foi justamente em Gala, 10 anos mais velha do que ele, que encontrou a sua tão sonhada musa, amiga, amor, incentivadora, marchand e dominadora mulher.

Ao receber a visita dos amigos do surrealismo, dentre os quais estavam Buñel, René Magritte e Paul Eluard, acompanhado de suas esposas, Dalí teve um ataque de riso, que só cessou depois que confessou o seu amor a Gala, na frente de seu marido. Segundo o casal, foi amor à primeira vista. O marido de Gala não se mostrou enciumado, pois achava se tratar de mais um capricho da esposa. Só temia que os dois caíssem das rochas, de tão eufóricos que se encontravam, correndo entre as escarpas. Quando o grupo partiu, Gala permaneceu com Dalí por mais duas semanas, iniciando um relacionamento que duraria até a morte dela.

O pai do artista não gostou de sua relação com uma mulher casada e bem mais velha do que o filho, e de ver a litografia do Sagrado Coração, onde ele gravara a frase: “Às vezes cuspo por prazer sobre o retrato de minha mãe.”. A relação entre os dois (pai e filho) foi quebrada, o que fez o artista pintar compulsivamente, como se a pintura fosse uma válvula de escape.

Dalí casou-se com Gala em 1934, aos 30 anos de idade e ela aos 40. Como estivesse passando por problemas financeiros, Picasso emprestou dinheiro ao casal para que viajasse aos Estados Unidos, onde o pintor inauguraria sua exposição. Ali conseguiu vender seus quadros por valores exorbitantes. Naquele país, Dalí e Gala tiveram uma vida de reis, fazendo tudo que lhes trouxesse fama e dinheiro: decoração de vitrines, desenho de joias, preparação de cenografias, organização de festas grandiosas, etc. Contudo, o casal jamais pagou o empréstimo feito pelo amigo.

O apego de Dalí e Gala pelo dinheiro era tão grande, que o artista recebeu, em espanhol, o apelido de “Avida Dollars” (Ávido por Dólares). Ele chegou a perder a noção de seu trabalho, ao assinar telas e papéis em branco, para que se transformassem em obras falsificadas. Segundo alguns, chegaram à vergonhosa cifra de 50.000, recebendo o artista 10 dólares por cada um.

No início da Segunda Guerra Mundial, quando muitos artistas europeus deixaram o continente rumando para os Estados Unidos, Dalí e Gala também para ali seguiram. Contudo, o modo como o casal agia, mostrando despreocupação, indiferença e certa insolência para com os acontecimentos, que dilaceravam a Europa, irritava os seus antigos amigos. A união dos dois demonstrava de um lado, um pintor visionário, criativo, ganancioso e egocêntrico, e do outro, uma mulher fria, calculista e ambiciosa, formando um casal “ávido por dólares”. O orgulho era a tônica do par, que agia sempre de acordo com as conveniências, mesmo que tivesse de abrir mãos de antigos princípios, como ao dar apoio ao ditador espanhol Franco, pois lhes favoreceria o retorno à Espanha com facilidade.

Dalí possuía uma personalidade profundamente narcisista, egocêntrica, cínica e era uma figura provocativa até no modo de se vestir, que fazia uso de delirantes comportamentos autopromocionais. De uma feita, chegou a uma conferência num Rolls Royce cheio de couves-flores. Foi denunciado em Paris por explorar o racismo. Acabou sendo expulso do movimento surrealista sob a acusação de ter “vendido a arte”. O artista tinha realmente uma grande gana por dinheiro, estando sempre rodeado por mecenas e colecionadores. Sua vaidade era tamanha, que decorou uma das paredes de sua casa com as capas das revistas, que davam destaque a ele e suas obras. As festas à fantasia, jantares e exposições em Nova York separavam cada vez mais o casal de seus amigos distantes, muitas vezes passando por severas dificuldades financeiras.

O lançamento da bomba atômica sobre Hiroshima aflorou o lado místico do artista, que acompanhava os avanços científicos, e estudava as religiões, em especial a católica, obcecado pela Santa Inquisição e pelas superstições populares espanholas. Para ele, parecia não haver diferença entre ciência e religião. Rompeu amizade com Buñel, com quem fizera o filme Um Cão Andaluz, cuja tônica seria a de que nenhuma imagem tivesse lógica, ao revelar que o cineasta era ateu. Isso fez com que Buñel fosse expulso de onde trabalhava, colocando em dificuldades o amigo cineasta. Também se posicionou ao lado do ditador Franco.

A relação de Dalí e Gala não foi um poema de amor até o fim. Ele fingia não ver sua mulher em busca dos garotões. Com o passar dos anos, ela passou a lhe dispensar cuidados maternais, enquanto vivia cercada de jovens, numa furiosa vida sexual, mas sempre de olho nos negócios, enquanto ele era cercado de modelos e transexuais. Ou seja, ambos rezavam na mesma cartilha. Mas, quando ela morreu, ele entrou em profunda depressão, pois era  quem direcionava a sua vida, tomando para si todas as responsabilidades. Além disso, ela também foi muito importante para ele, pois ajudou-o na sua libertação pessoal.

Dalí sofreu sérias queimaduras por ocasião de um incêndio no seu Castelo de Púbol. Morreu aos 85 anos de idade. Para muitos, ele foi maior do que a sua obra.

Fontes de pesquisa
Dalí/ Coleção Folha
Dalí/ Abril Coleções
Dalí/ Coleção Girassol

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18 comentaram em “Dalí – SALVADOR DALÍ E GALA

  1. Alvimar Cury Júnior

    Um mundo de sonhos, universo particular de questões particulares. Uma visão peculiar, própria, revelada em sua arte. Gênio ou louco, Dali se expressava livremente em sua representação artística. Li o que disse Lu Dias a respeito do ego, concordo com ela. Talvez Dali se julgasse um pintor superior, e isso podemos constatar observando seu comportamento. O fato é que, também pode ter sido isso (ou não) um motivo para que ele fosse tão provocador, tão crítico, e tão amado e odiado. Mas devemos separar o homem da sua arte, visto que é inegável ter sido um grande mestre.

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    1. LuDiasBH Autor do post

      Alvimar

      O surrealista espanhol Dalí foi realmente um dos grandes nomes da pintura mundial. Era um artista egocêntrico, sem nenhuma preocupação com os outros, inclusive com os próprios colegas, mas, como você disse,: “…devemos separar o homem da sua arte, visto que é inegável ter sido um grande mestre”.

      Abraços,

      Lu

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  2. Ayrton de Moraes

    Os seres humanos são, realmente, misteriosos. Cito como exemplo essa exótica figura chamada Salvador Dali. Haverá no universo artístico maior contradição? De um lado, um ser egoísta, contraditório, mesquinho, frágil e dócil. Por outro lado, a obra surrealista de encanto transcendental que emana de seus quadros, através de suas mãos.

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    1. LuDiasBH Autor do post

      Ayrton

      Sua análise sobre Salvador Dalí e sua obra é perfeita!

      Confesso-lhe, amigo, que dentre os inúmeros pintores pesquisados até o presente momento, nenhum me causou maior desencanto, em relação à pessoa humana, do que Dalí, sobretudo pelo culto a si mesmo. O desapreço pelos amigos, assim como o descaso pelo sofrimento daqueles que ficaram na Europa e vivenciaram a Segunda Guerra Mundial, também é outro ponto lamentável de sua vida. Contudo, não se pode negar a transcedência de sua obra, como você o diz. Penso eu, Ayrton, que Dalí é a grande representação do artista que, ciente da exuberância de seu dom artístico, não dá a mínima importância para o seu lado humano, pois os outros para ele são pequenos demais. Sempre tive um pé atrás com todo aquele que se trata pelo próprio nome, como se fosse uma terceira pessoa. Quando se referia a si, esse artista dizia: “O Dalí… O que o Dalí…”. Mas a sua obra é incontestável.

      Amigo, agradeço a sua visita e o seu comentário. Será sempre um prazer contar com seus lúcidos comentários.

      Abraços,

      Lu

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      1. Ayrton de Moraes

        Obrigado pelo elogio de meu humilde texto, caríssima Lu. Entretanto, o artista a quem nos referimos reflete à perfeição o planeta em que vivemos: dualista em sua expressão fenomênica. Haja vista a beleza tocante de sua natureza em flor. De suas montanhas insinuantes, rios e mares verdejantes. Do por do sol multicolorido e da beleza das estrelas cintilantes numa noite sem luar… Mas observe também, entre tanta beleza, as grandes catástrofes naturais: terremotos e maremotos. Vulcões e vendavais, num processo interminável de um eterno vir a ser… além do espaço e do tempo. Veja também, no campo das realizações humanas, as personalidades autodestruidoras de um Hitler, de um Mussolini e de tantos outros ditadores e criminosos de todas as matizes – mas abre também teu coração para a beleza dos grandes artistas e suas obras divinais no campo da literatura, da música, da pintura, etc, etc. Em síntese, às vezes nos revelamos seres diabólicos – mas também divinos e nosso destino é a evolução infinita até que um dia nos revestiremos das qualidades de um anjo…

        Receba, amiga Lu, meu abraço carinhoso e fraterno!

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        1. LuDiasBH Autor do post

          Ayrton

          É difícil controlar o bem e o mal que se degladiam dentro de nós. Penso que é o nosso pagamento por termo-nos tornado seres pensantes. O homem é o único animal a premeditar o mal. E esta nossa casa chamada planeta Terra é o que pode haver de mais belo, apesar das turbulências que muitas vezes abalam o seu âmago. Talvez tenham por objetivo alertar-nos de que somos muito “menos” do que imaginamos ser, diante de seu poder e majestade. Confesso, meu amiguinho, que pelo andar da carruagem, não imagino que “nosso destino é a evolução infinita até que um dia nos revestiremos das qualidades de um anjo…”. Ao contrário, acredito que antes mesmo que se torne real a hipótese de que nosso Sol se consumirá, matando nossa Terra, o homem já a terá destruído. Ainda assim, prefiro abraçar a sua hipótese. Li recentemente o livro “Os Anjos Bons da Natureza Humana”, de Steven Pinker, em que o autor comprova que a humanidade vem tendo uma significante redução do comportamento agressivo, com as taxas de violência caindo no decorrer dos séculos. Ainda assim…

          Abraços,

          Lu

        2. Ayrton

          Caríssima Lu, tem toda razão… Nós, seres humanos, somos as feras mais agressivas do reino animal, temos potencial e patologias mais que suficiente para promover nossa própria destruição. Mas possuímos também recursos para vivermos em paz interior enquanto habitarmos nosso ainda belíssimo planetinha azul, não é mesmo?

        3. LuDiasBH Autor do post

          Ayrton

          A minha esperança é a de que o lado bom de nossa natureza humana sobressaia, enquanto ainda há tempo para cuidarmos de nossa maravilhosa casa – a Terra. É preciso dar um basta no consumismo doentio, advindo do capitalismo selvagem. Tudo que nos sobra, está originando penúria em alguém em alguma parte de nosso mundo. Penso que se o homem conseguir conter a avidez pelo “ter”, ainda é possível cultivar a esperança.

          Abraços,

          Lu

  3. Pedro Rui

    Tenho visto as obras de Dalí, ele é excêntrico, é meio louco, mas como artista surrealista não há melhor pintor, fico maravilhado com as suas obras. Eu também desenho, sei que tudo que nos vem da cabeça é passado para a tela. Lu, realmente Dalí encontrou a sua cara metade, será que ela não sofreu nas mãos dele?
    Rui Sofia

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Rui

      Dalí era, sobretudo, um grande desenhista.
      Realmente encontra-se na lista dos grandes pintores do mundo.
      Quanto a Gala ter sofrido com ele, tenho a certeza de que não, pois ela era uma mulher muito forte e que comandou toda a vida dele.
      Teria sido mais fácil acontecer o contrário… risos.

      Abraços,

      Lu

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        1. LuDiasBH Autor do post

          Mário

          Pelo que pesquisei foi sim.
          Não tomei conhecimento de nenhuma outra mulher em sua vida, mas de homem, sim.

          Abraços,

          Lu

      1. Pedro Rui

        Olá Lu. Realmente se fosse ao contrário seria difícil, para mim ela foi sua estrela de orientação, sua companheira, sua esposa e a sua cara metade. Uma força da natureza.
        Meus cumprimentos!

        Rui Sofia

        Responder
        1. LuDiasBH Autor do post

          Rui

          Gala foi a grande musa de Dali.
          Ela esteve presente em sua vida desde que se conheceram.
          E nunca mais se separam.
          Penso que se ele não a tivesse encontrado, sua vida teria sido um caos.

          Abraços,

          Lu

    1. LuDiasBH Autor do post

      Pedro Rui

      Você tem toda a razão.
      Uma mulher na vida de um homem faz toda a diferença, quer para o bem quer para o mal.
      Vai depender da escolha feita.
      E Dalí encontrou uma que o completou.

      Abraços,

      Lu

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  4. Mário Mendonça

    Lu Dias

    “Ela, Eu, a Totalidade do Mundo, Gala é ela e todas as mulheres; e também o cosmos. (Dalí sobre Gala)

    Gala trouxe-me, no verdadeiro sentido da palavra, a ordem que faltava à minha vida. Eu existia apenas num saco cheio de buracos, mole e delicado, sempre à procura de uma muleta. Ao juntar-me a Gala, encontrei a minha coluna vertebral e, ao fazer amor com ela, preenchi a minha pele. (Dalí)”

    A paixão de Dali por Gala era tão avassaladora que em quase todas as obras do artista sentimos ou vemos a presença dela. Gosto muito de Galatea das Esferas. Tenho a impressão de que ele não seria o que se tornou sem ela; com o amor esquizofrênico, se tornaram poderosos. Quanto as extravagâncias (por sua exposição) não as vejo como racismo que propagam. Quanto ao Franco, diziam de artistas flertaram com ditadores, principalmente os da Igreja; e acho que ele usou a amizade pelo regime para o ir e vir.

    Como lhe escrevi recentemente não costumo cultuar pessoas mas seus legados.
    Gostei de sua narrativa, com sempre bela.

    Abração

    Mário Mendonça

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    1. LuDiasBH Autor do post

      Mário

      Até onde pesquisei, eu não consegui descobrir o porquê de tacharem o Dalí de racista?
      Não sei se tem a ver com os judeus.
      Quanto a Gala, ela foi muito importante em sua vida.
      Ela o transformou, é verdade.
      Deve ter estimulado muito o seu talento.
      Uma grande mulher na vida de um homem faz toda a diferença.
      Não sei se a possibilidade de “ir e vir” justificaria a amizade de Dalí com o ditador Franco.
      Os artistas que ficaram do lado da ditadura brasileira foram massacrados.

      Abraços,

      Lu

      Responder

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