SOFRIMENTO X FELICIDADE

Siga-nos nas Redes Socias:
FACEBOOK
Instagram

Autoria do Prof. Hermógenes

O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, escreveu mais de 30 livros sobre a saúde física e mental.  Neste texto retirado de seu livro “Yoga para Nervosos”*, ele nos fala sobre sofrimento e felicidade.

Em relação ao problema sofrimento/felicidade, os filósofos se dividem em otimistas e pessimistas. Os primeiros afirmam ser a dor real, universal e existente por si mesma, enquanto o prazer ou a felicidade não passa de simples ausência dela. Os otimistas, ao contrário, acham ser a dor tão somente a falta da felicidade, tal como a sombra que só existe quando e onde falta a luz. Os primeiros veem o mundo com um desastrado desterro e o existir, em si mesmo, um sofrer incessante e sem esperança “neste vale de lágrimas”. Há muito mais pessimistas do que otimistas. O que mais se ouve são reclamações, lamentos e ais. Há muito mais rostos tristes do que sorridentes. Há muito menos indivíduos corajosos e afirmativos do que amedrontados e negativos. É raro encontrar quem tenha paz e seja autossuficiente em seu contentamento.

Não estou querendo catequizar ninguém para um otimismo piegas e enganoso. A filosofia yogui poderá até ser chamada pessimista, quando mostra ser este mundo maiávico (ilusório) feito de experiência dolorosa, concluindo que viver é conviver com a dor. A mesma filosofia pode ser chamada, no entanto, otimista ao ensinar um remédio para a dor da existência. Há não só uma salvação, mas também uma explicação para a dor. Tanto há um modo de amenizar, como de evitar o sofrimento. Yoga é, portanto, uma filosofia da Realidade: nem pessimista nem otimista. Afirma ser a Realidade, em sua manifestação ilusória, feita de opostos: luz e sombra; alegria e tristeza; riqueza e pobreza; fome e saciedade; altos e baixos; dias de sol e dias de chuva; rigor de inverno e de verão; umidade e secura; trigais e espinheiros; desertos e florestas; guerra e paz; harmonia e discórdia; berço e esquife; cair e levantar-se, crime e amor. . . São opostos e complementares. Um não existe sem o outro. Nos extremos de um, o outro nasce. Sucedem-se e coexistem. Estão aqui e além. Fora e dentro.

O yoguin é permanentemente sereno e equânime, isolado da dualidade, longe do alcance das fugazes manifestações do Real. Para ele, tudo é necessário e nada indispensável. Sabe conquistar o positivo, mas não se perturba, se o perde. Sabe evitar o negativo, mas não se apavora quando por ele é apanhado. Sabe gozar o dia quente e aproveitar a noite de chuva. Vê na dor não ameaça ou desgraça, mas um desafio ao próprio crescimento: à evolução. A angústia – este privilégio do bicho-homem – não é infelicidade em si, senão na medida em que o angustiado, por ignorância e autopiedade, enfrenta-a em mísero estado de medo e infelicidade. Para o yoguin, angústia é saudade da Perfeição, da Plenitude, do Amor Universal Onipresente. Sem o desafio e a convocação, representados pela angústia, o jiva (alma individual em evolução) se perderá, totalmente alienado, nesta existência maiávica (ilusória), onde os prazeres são muitos, mas decepcionantes. A vitória sobre a angústia, em última e definitiva instância, consiste em a alma individual em evolução (jiva) integrar-se à Alma Universal (Paramatman).

A dor em todas suas nuances e níveis é filha do pecado (erro) e neta da ignorância. A filosofia yogui diz igualmente que, por ignorância (avidya), o homem causa a si mesmo os piores danos, seus próprios sofrimentos. Esta é a chamada lei do karma, isto é, a lei da causalidade, segundo mesmo o bem ou o mal, a bem-aventurança ou a desgraça, como consequência dos atos que se praticar. O homem peca porque é ignorante. Ele ignora a Realidade de Deus. Ignora que ele e o Pai são um só. Ignora que ele e o próximo (e até mesmo seu inimigo) também são um só. Ignora a lei do karma e que ele, consequentemente, é o artífice de seu próprio destino.

O homem vive sob a convicção de ser um degradado, um cão sem dono, uma presa das enfermidades, mas achando ter o direito de vir a ser feliz de qualquer modo, até mesmo à custa do sofrimento dos “outros”. Por ignorância, crê num Deus antropomórfico a quem recorre somente nas horas de necessidade. Por ignorância já não acredita num Deus que não tem atendido as suas orações egoístas. Sendo ignorante, tem a ilusão de impunemente poder fazer todas as formas de maldades, desde que “ninguém fique sabendo que foi ele o autor”. Por ignorância, tem cometido, vem cometendo e cometerá toda sorte de violências contra a infalível lei do karma e, portanto, contra si mesmo, embora enganosamente queira ferir os outros. Por ignorância, cria para si mesmo as algemas de seus distúrbios neuróticos e os desesperos de sua alienação.

A filosofia do yoguin faculta-o a optar por ser bom ou ser mau, pelo viver enfermo ou sadio, pelo efêmero ou pelo Eterno, dedicar-se às coisas finitas ou ao Infinito. Dá-lhe sabedoria (vidya), com a qual pode, algum dia, deslumbrar-se na contemplação do Absoluto. A isto é que poderíamos chamar vidyaterapia ou a cura pela sabedoria. No ocidente, logoterapia. Estudando, meditando sobre e vivenciando no quotidiano e em toda a vida a libertadora Yoga Brahtna Vidya (Ciência Sintética do Absoluto), cada um de nós vai podendo evitar erros e consequentes sofrimentos. Ao mesmo tempo, sabedor das consequências kármicas de seus pensamentos, desejos e ações, o yoguin trata de semear na mente, no corpo e para o futuro, as sementes próprias à colheita de paz, alegria, serenidade, saúde, vitória, resistência…

A metafísica yogui desinteressa-se pela consideração do pecado. Não incute no homem que é pecador. Não se ocupa em falar sobre o mal. Ensina o caminho do bem. Não fala de castigos ao malvado. Anuncia promessas de libertação àquele que sofre.

*Esse livro é encontrado em PDF no Google.

Nota: Retrato do Dr. Gachet, obra de Van Gogh

Views: 0

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *