A HORA DOS RUMINANTES (3) – AMÂNCIO E OS PEBAS

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Autoria de Lu Dias Carvalho

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No capítulo passado, em que narrei a chegada dos sibilinos visiteiros ao povoado de Manarairema, vimos que houve um pacto entre os moradores, para que dissimulassem a curiosidade acerca dos intrusos. Pacto esse que não logrou criar raízes, pois a bisbilhotice das pessoas era maior de que a palavra dada.

O fato é que, ainda nos primeiros dias, algumas pessoas grudaram-se à cerca próxima ao acampamento, no intuito de entabular relações com os forasteiros. Nem mesmo o sol aferventando e os mosquitos nadando em sangue fresco eram motivos para que arredassem pé dali. Fome elas não sentiam, porque levavam consigo a matula. Mas os visitantes não davam a mínima. Continuavam com os seus afazeres ou descansavam da labuta. E, quando os curiosos voltavam, sem nenhuma novidade no embornal, para não ficarem com cara de tacho, punham-se a inventar um palanfrório, que jamais houvera sido dito.

Aperreados com aquele bando de curiosos, os sombrios sujeitos começaram a estender roupas, que jamais recolhiam, diante da cerca, de jeito a tapar a visão dos moradores intrusos. De modo que o acampamento voltou a ser observado de longe, como antes.

Quando o povoado apagava as suas luzes na hora de dormir, o barracamento ficava visível sob o fulgor de fogueiras e lampiões. Cansado de esmiuçar a vida dos estranhos, sem ver nisso nenhum resultado satisfatório, o povo largou os nojentos de lado, como se eles fizessem parte de Manarairema. Até Amâncio Mendes não levava mais a sério uma conversa sobre eles. E, nem o fato de Geminiano passar a trabalhar para eles, carregando areia, trouxe grande interesse para o povoado. Bem diz um ditado que a gente acaba se acostumando com qualquer coisa.

Mas, para tudo há um limite. E esse limite foi ultrapassado quando, após um mês, Geminiano e seu burro continuavam na mesmíssima faina. Já era tempo demais, fazendo a mesma coisa. Tornava-se necessário descobrir a finalidade de tanta areia. As pessoas, curiosas, começaram a esmiuçar o carroceiro para que lhes desse maiores informações. Mas o coitado só era capaz de dizer que os homens misteriosos estavam fazendo obras. O que levou à suposição de que os forasteiros iriam ficar no povoado para sempre. E pior, como o alimento vinha lá de cima, eles jamais iriam até o povoado, frustrando o sonho de vingança dos moradores, por terem sido tão desprezados.

Amâncio surpreendeu os amigos, quando disse que iria fazer uma visita ao acampamento no dia seguinte. Precisava saber o que “aqueles pebas estavam urdindo”. Aos que se mostravam preocupados, respondia que “Eles não são bicho, nem eu carrapicho”. Melhor seria que fosse o Dr. Nelório, pois se aqueles homens estavam em terras manarairemenses e, portanto, sujeitos aos ditames do município. Poderia ser também o Marianito do cartório. Amâncio era o menos indicado, com o seu jeito rixento de quem não leva desaforo para casa.

Quando alguns dos moradores propuseram a Amâncio levar mais alguém consigo, ele esbravejou com valentia, dizendo que “não nascera com rabo”. E quando Justino Moreira levantou a hipótese de que “os homens” poderiam não gostar da visita, respondeu na lata: “Se não gostarem, que tomem bicarbonato depois. Enquanto eu estiver lá, eles têm de me engolir.”.

Tentar convencer Amâncio a abrir mão daquela empreitada era tarefa difícil, principalmente depois de uma noite de cachaçada e doidice. Não havia sujeitinho mais encasquetado do que ele. Mexer com quem está quieto pode trazer tempestade. Quem sabe uma boa noite de sono limpasse aquelas suas caraminholas amalucadas. E, de mais a mais, ele era senhor de seu próprio umbigo. Se queria sarna para coçar, que tomasse conta da coceira sozinho, depois do acontecido.

Conforme prometera, no dia seguinte apareceu vestido de branco, de chapéu, também branco e botina de couro cru, seu traje de cerimônia. Pediu ao amigo Manoel Florêncio que, vez ou outra, desse uma olhada em sua venda. E partiu para seu destino sob o olhar curioso e ressabiado das pessoas nas portas, janelas e calçadas. Alguns até comentavam: “Aquele ali tira leite em onça, e vai entrar pela frente”.

E se os forasteiros recebessem o vendeiro a pedradas e, como vingança, não deixassem o povoado ter mais quietação? Estaria Amâncio apenas fazendo exibição? Chegaria ele arrotando afoiteza, falando que fez e aconteceu? Ou voltaria escorraçado? Os homens estranhos receberiam o vendeiro e conversariam com ele?

 Capítulo 4 a seguir…

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