Autoria de Lu Dias Carvalho
Final de semana que antecedia o Natal. O shopping estava lotado. Os restaurantes apinhados. Pessoas comiam, enquanto outras esperavam a vacância de uma mesa. O chope gelado rolava solto. Risos expandiam-se. Nos corredores, era preciso cuidado para não se esbarrar nos carrinhos de bebês e nas crianças correndo. Os pais e sua prole compartilhavam a busca pelos presentes. Casais enamorados caminhavam felizes entre beijos e abraços, enquanto outros enchiam as lojas, escolhendo presentes. Homens e mulheres desacompanhados e apressados entravam e saiam das lojas, fazendo parte daqueles que preferem a surpresa do presente.
Em meio ao entra e sai de gente, o casal também comprava alguns mimos, embora o Natal não significasse tanto para eles. Mas sabiam que não era tão fácil fugir dos costumes. Depois das compras, um cineminha para descansar da cansativa tarefa. Hora de voltar para casa. O relógio marcava 20 horas.
Assim que botou os pés fora do shopping, o casal deu de cara com três crianças de rua. Um meninho, que tinha no máximo cinco anos e duas garotinhas com cerca de seis. Os três serezinhos usavam chinelos de dedos e roupas bem gastas pelo uso. Carregavam uma grande alegria, pois eram somente sorrisos. A maiorzinha carregava na mão uma nota de dez reais. E, felizes, adentraram pelo shopping. Ou melhor, tentaram entrar.
Mulher e marido ainda conseguiram ouvir a voz de um dos seguranças do rico shopping, colocando os garotinhos para fora e uma das meninas dizer que ali estavam para comprar sorvete com o dinheiro que ganharam de um “moço muito bom”. Mas crianças pobres não têm acesso a tais espaços, onde os filhos da classe rica esbaldam-se. De modo que os pequeninos foram enxotados do local.
O casal, antes de entrar no carro, ainda os viu sair humilhados, com os olhinhos amedrontados e os sorrisos agora apagados. Não houve comentário algum. Até é bem possível que o marido não tivesse se dado conta da cena, desatento como é. Mas a mulher percebera tudo e nada fizera. Poderia ter tomado as crianças pelas mãos e as levando para fazer um lanche, culminando com um opulento sorvete. E quem sabe ganhassem chinelinhos e roupinhas?! Ninguém haveria de impedir,porque eles estavam bem vestidos, e é a aparência que conta neste mundo doentio.
Quanta alegria o casal teria dado àquelas magriças crianças, se tivesse saído alguns minutos de seu egocentrismo. Com certeza os infantes falariam disso pelo resto da vida e carregariam a imagem daquele homem e daquela mulher presente em suas lembranças, e lhes mandariam fachos de amor, saúde e prosperidade, sempre que se lembrassem deles.
A mulher sentiu-se tremendamente infeliz por não ter tomado nenhuma atitude, ao ver que as crianças tinham sido afugentadas como cães sarnentos. Apenas continuou seu caminho, como se nada pudesse fazer. Desculpa esfarrapada dos ególatras e omissos. Depois, ela se sentiu mais insignificante do que nunca. E o seu Natal foi muito triste, pois as três crianças estiveram presentes diante de seus olhos todo o tempo.
Um grande Homem, que há mais de 2000 anos passou pela Terra, ao lhe serem apresentadas crianças para que as tocassem, mas vendo que eram impedidas de chegarem até Ele, por seus discípulos, exclamou:
– Deixai vir a mim os pequeninos e não os impeçais, porque dos tais é o Reino de Deus.
Nota: imagem copiada de http://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/04/criancas-de-rua
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