PARÁGRAFOS DA VIDA

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Autoria de Lu Dias Carvalho

paravid

A mulher esquisita chegou com sua cara de cera e com seus olhos de jabuticabas grandes, como se carregasse na alma toda a candura do mundo. E, com jeito, nalgumas vezes, e, sem jeito em outras, foi fuçando a minha vida de cabo a rabo, sem que eu mesmo notasse o quanto me enredava com sua mascarada altivez. Entrou na minha casa, tomou do meu vinho e dormiu na minha cama. Até que um dia, ela sumiu, assim como chegou, graças a Deus.

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Eu sempre soube que ele era muito mais menina do que menino. E, não sei o porquê, sempre se esforçava para mostrar aquilo que não era. Eu ouvia suas histórias de conquistas amorosas em que João era Maria. Por dentro eu ria da sua tolice, pois tudo em derredor conspirava contra o forte masculino que ele pensava carregar. Certo dia, o seu feminino alcoolizou-se em demasia e botou o frágil masculino para correr. O mais interessante é que ele nunca soube disso e continua a brigar com as aparências, enquanto eu finjo que não sei o que sempre soube.

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O rapaz donairoso era extremamente seguro de si. Tinha certeza de sua beleza e da simpatia que despertava nas garotas. Mas sua segurança só durou até o dia em que a esposa escolhida plantou-lhe dois chifres nos cabelos de ébano. Feitos os arranjos do separa ou não separa, optou o casal por prosseguir a união amargamente golpeada, optando para o sobrenatural para explicar a continuidade da relação. A família do dito, que adorava comentar a vida dos outros, virou uma ostra. Enquanto isso, o segredo tão bem guardado, vai correndo de boca a boca.

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Ela nunca se deu conta de que o tempo passava para todos os seres viventes. Imaginava que seria jovem para todo o sempre. Seu sonho era se casar com um caminhoneiro e viajar pelo mundo, mesmo tendo que atravessar o Pacífico e o Atlântico. Desfez-se do marido, botou os filhos no mundo e se embelecou com um cowboy sem cavalo ou boi. Hoje, vive plantada onde nasceu, olhando a vida passar.

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Aquela carinha fina manchada de micose escondia muito mais do que humildade. Carregava um esforço danado para subir na vida. Lia e lia nas horas vagas e nas horas ocupadas também. Ele sempre contou com meu apoio e carinho. E assim foi o mocinho subindo degrau por degrau. E subiu tanto (muito mais em sua imaginação), que nem me conhece mais, tamanha ficou a distância entre os degraus de sua escada e os da minha.

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Ela queria um marido rico, bonito e doutor. Quando o candidato tinha uma das qualidades, faltava-lhe as outras duas. E se tinha as duas, faltava-lhe mais uma. Enquanto esperava, ela foi ficando sozinha e terrivelmente azeda. Mas continua esperando o milagre de encontrar seu três em um. Bom seria, se isso acontecesse, pelo menos, os que vivem em seu derredor estariam salvos de seu azedume.

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A falsa mulher nasceu híbrida de galega e ruiva, com seus cabelos da cor de coisa nenhuma, tamanha era a mistura de tintas que nele carregava. Abri-lhe a minha casa por quase dois anos, enquanto tratava o seu mais novo rebento. Mas ela, por fora era bela viola e por dentro pão bolorento. Matou-me as amizades mais queridas, enquanto seu filho curou-se por completo. Graças a Deus!

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Ele já nasceu ególatra. Sua palavra principal era “eu”. Sempre dominava a conversa, com um monólogo transvestido de diálogo. E, se lhe opunham ou falavam mais do que julgava necessário, logo soltava o comuníssimo “quer discutir comigo…?”. Ele sabia tudo de tudo, ou melhor, pensava que sabia. Nunca teve a família próxima em alta estima, mas tinha uma grande afeição pelos de fora. Ofertava-lhes as fibras do coração. Até que um dia, cansada de tanta verborragia, eu me emudeci para deixá-lo falando sozinho.

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Aquela mulher era uma doidivanas, percebi isso logo que nos conhecemos, pois no primeiro encontro eu já sabia tudo sobre sua vida. Mesmo assim, fomos tocando uma suposta amizade, onde eu estava sempre com um pé atrás. Os seus parafusos soltos faziam-na trocar alhos por bugalhos. Não sei como conseguiu aquela arte medonha de inverter a compreensão de tudo que via ou ouvia. Ela fazia parte de um mundo em que pessoas e coisas funcionavam ao contrário. Um dia, cansei-me dela e pus os dois pés atrás.

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Eu sempre o achei parecido com um pombo, com seu peito estufado e com o topete sempre emplumado. E, por bizarra coincidência, era exatamente o perfil de sua personalidade. Homem dito representante de Deus na Terra mais parecia o mensageiro da estupidez e da arrogância. E foi assim que matei a minha fé na Igreja, qualquer que seja ela, embora continue amando os pombos.

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A velha senhora continuava louca por cristais, gente rica e diplomada. Cansava os ouvidos falar com ela, pois era sempre a mesma ladainha. O seu pequeno porte escondia o tamanho de sua ambição. E bem maior do que tudo isso era o tamanho da língua, que sempre se esquecia de que era coberta por telhado de vidro. Certo dia, cansada de ouvir tanta asneira, chutei o pau da barraca. Hoje ela me conserva na sua peçonha, dentro de um dos seus apetrechos de cristal. Gracias!

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