TRANSTORNO DO PÂNICO – “A COISA”

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Autoria do Prof. Hermógenes

O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, intitulou um capítulo de seu livro “Ioga para Nervosos”* (década de 1960) com o nome de “A Coisa”. Naquela época, o Transtorno do Pânico ainda era pouco compreendido. O seu texto trata-se do assunto.

Seja o coração que dispara ou “dói” muito (dor precordial), respiração escassa e disritmada, seja crise asmática, náusea, hipertensão, insônia, crise hepática, tosse nervosa, membros paralisados, caos orgânico insuportável e inquietante, seja dor de cabeça, indisposição gastrointestinal, desânimo arrasador com vontade de sumir ou dormir até morrer, seja ataque de pranto ou ansiedade irracional, a verdade é que a pobre vítima cai presa de pânico infernal ao pressentir que mais uma vez vai ser assaltada pela coisa. E o terror se acentua à medida que constata encontrar-se novamente indefesa nas barras de algo de poder muito estranho, a dominá-la, a vencê-la, a desmoralizar-lhe os esforços.

A coisa está desgraçando a vida de muita gente, destruindo um número sempre crescente de seres humanos. É raro aquele que não é seu escravo e vítima sua. A clientela dos psiquiatras, psicólogos e psicanalistas aumenta assustadoramente. A crescente procura dos psicotrópicos está alarmando as autoridades. Nem os próprios psiquiatras nem as autoridades sanitárias de todo o mundo se sentem seguras contra a devastação que a coisa anda fazendo. A corrida aos barbitúricos ataráxicos, tranquilizantes, antidepressivos é um sinal de que a coisa está se tornando a maior ameaça à humanidade. As trágicas fileiras de escravos das drogas se espicham a perder de vista pelos vales desta humanidade cada vez menos humana e sempre mais psicodélica, vazia, enfastiada, inconsequente e mesmificada no sofrimento neurótico e psíquico.

Mas… o que é a coisa? Não fui eu quem a batizou assim. São alunos meus, em suas queixas, que lhe dão este nome genérico.

– “Quando a coisa me derruba, não sou mais ninguém…”
– “Eu estou bem, professor, mas, de repente, me dá uma coisa, que…”
– “Ah se eu pudesse vencer esta coisa, que está me destruindo!…”
– “Se eu me livrasse desta coisa, seria outro homem…”
– “… é uma coisa horrível que eu sinto, que nem sei dizer…”

Coisa é o apelido dos sofrimentos e desconfortos psicossomáticos, isto é, envolvendo corpo e mente, com perturbações fisiológicas localizadas ou generalizadas, que, todo-poderosas e obsedantes, o paciente não sabe como começaram nem como terminam. Sabe somente – e com que intensidade – tratar-se de uma experiência apavorante a vencê-lo inexoravelmente. A vítima não sabe definir, e por isto, apelida de: a coisa.

São componentes do quadro, a impotência do assalto e o consequente pânico. Aos primeiros e tênues prenúncios de um assalto, sobrevém o pavor e, a vítima, tentando defender-se, instintivamente enrijece os músculos, faz-se tensa, põe-se em guarda. À medida, porém, que vê se agravarem os sintomas e, portanto, a falência de suas defesas, naturalmente vai ficando cada vez mais apavorada. O pavor determina automaticamente maior tensão pseudodefensiva. Por sua vez, a contração do corpo facilita o êxito do ataque da coisa. Eis o sinistro círculo vicioso a avassalar a vítima; a tensão facilita e acentua os sintomas que, por sua vez, agravam o medo e este degenera em pânico.

Em cada pessoa, a coisa se desenvolve segundo um esquema particular, envolvendo, desde os níveis corticais do cérebro até os vegetativos do sistema nervoso. Em cada paciente se desencadeia um circuito particular. À medida que este se repete, se afirma, se consolida, se torna mais facilitado e mais ganha ser, isto é, mais se torna uma coisa. Tal circuito se desenvolve segundo a linha de “minoris resistentia”, como dizem os psiquiatras e especialistas em psicossomática.

Quando eu disse que a coisa vai ganhando ser, fui preciso. Ela ganha existência e cada vez mais afirma esta existência. E isto à custa das derrotas da vítima, como também em obediência a uma lei universal, segundo a qual, tudo que existe afirma e defende sua existência. A potência da coisa é alimentada cada vez que derruba sua vítima.

A vítima conhece seu circuito particular. E antes do assalto, sabe como vai acontecer e sabe que vai ser infalivelmente vencida. O circuito é predito pelo doente. Ao sentir as ainda suaves, longínquas e discretas ameaças, com a mais funda e eficaz convicção, diz para si mesmo: “Já sei. Lá vem a coisa! Agora estou frito. Já sei. Meu coração vai querer sair pela boca. Estou liquidado!”. Esta autossugestão e mais a tensão gerada pelo medo são eficientíssimas ajudas dadas à coisa pelo próprio doente. São elementos indispensáveis ao êxito do ataque. Que ironia! – é a própria vítima que assim possibilita e agrava seus sofrimentos.

Se os sofrimentos têm origens em conflitos, como explicam os psicólogos ou se são choques entre respostas orgânicas opostas, como querem os fisiologistas, isto é, se a coisa é criada pela mente ou pelo corpo, isso tem importância relativa, pelo menos para quem sofre seus ataques. O importante é aprender como vencer o dramático círculo vicioso.

Lembre-se de que, diante das ameaças de uma crise, das coisas que ocorrem contra você e a favor do adversário: a) autossugestão negativa, isto é, a predição dos sintomas e da vitória do ataque; b) o medo; e c) a consequente tensão, com que você procura defender-se. Aprenda a evitá-las. Tais coisas são concomitantes. E são sinérgicas, isto é, reforçam-se mutuamente.

Comece por evitar a atitude de combate. Em outras palavras: evite a tensão que se alastra pelo corpo. É ela que liga todos os elementos do circuito. Relaxando, você conseguirá evitar o tal circuito, pois não oferece passagem. A habilidade de relaxar é uma aquisição preciosa a ser feita. Você precisará aprender a manejar algumas técnicas. Você terá que realizar algumas transformações em seu viver. Precisa aprender a vencer, mas sem lutar. Isto não lhe parece estranho?! Claro! Falar de vencer sem reagir contra, sem armar-se, sem lutar é muito esquisito principalmente num mundo onde o esforço pela vitória é geralmente tido como indispensável.

Se a coisa tem dominado você é porque você lhe tem oposto resistência e a enfrenta cheio de tensão. Você tem oferecido luta. Disto ela se aproveita para derrubá-lo, firmar e defender sua existência. Qualquer luta engendra reação. Se você agride e enfrenta a coisa, ela sai ganhando. Se você a teme, como vimos, ela também vence. Com ahimsa (não reação) você poderá vencê-la. Você terá de fazer o que fez Mahatma Gandhi com a Grã-Bretanha: não violência.

Leiam: TRANSTORNO DO PÂNICO – “A COISA”

*Esse livro é encontrado em PDF no Google.

Nota: O Grito, obra de Edvard Munch

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2 comentaram em “TRANSTORNO DO PÂNICO – “A COISA”

  1. Rosa

    Lu
    Tenho (não sei se esta palavra é adequada) Síndrome do Pânico há muitos anos. Mas faço tratamento medicamentoso há seis anos. Eu concordo com o autor do texto que quanto maior a reação, maior o pânico, porém quando estamos em meio à crise é bem difícil “relaxar”, o pânico nos domina durante aqueles intermináveis minutos que parecem séculos. Sempre gostei das práticas do Yoga, de meditação, de respiração, tudo ajuda, mas o pânico é um coisa devastadora mesmo e exige medicação se a pessoa quiser ter uma vida ativa profissionalmente. Ainda assim, vou tentar praticar a “não reação” indicada pelo autor e sei que vai ajudar.

    Abraços

    Responder
    1. LuDiasBH Autor do post

      Rosa

      Não resta dúvida de que uma crise de pânico é mesmo terrível, contudo, temos que procurar, pelo menos, abrandá-la. Sigo as orientações do Prof. Hermógenes (ele fala de diversos tipos de crise, inclusive da asma) há muito tempo e tenho conseguido o meu intento. Quanto ao medicamento, esse é imprescindível quando se trata de um transtorno mental, mas podemos aliar os conselhos do mestre da yoga ao tratamento. A não “reação” à crise acaba minimizando-a, pois, como diz o ditado: “quando um não quer, dois não brigam”.

      Abraços,

      Lu

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