Autoria de Oswald Duarte
Nós, brasileiros, infelizmente, em grande número, temos, como na expressão criada pelo jornalista e dramaturgo Nélson Rodrigues, o chamado complexo de vira-lata, ou seja, como disse esse famoso escritor brasileiro: “Por ‘complexo de vira-lata’ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro coloca-se, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima.” E já que estamos na fase de substituir tudo aqui no Brasil, logo, logo, irão chamar este sentimento de “the mongrel complex”, como já disse o jornalista americano Larry Rohter.
Hoje, por exemplo, não temos mais “liquidação”, mas “sale” ou “off”. Esta coisa toda, infelizmente, tem tomado um tamanho tão descomunal que muitos casais, na espera do nascimento do filho, estão lotando lojas em Miami para comprar enxoval de criança. No período natalino acontece a mesma coisa. E saem de lá esnobando horrores, numa comparação idiota com os produtos aqui fabricados e vendidos pelas nossas “stores” (refiro-me desta forma às nossas lojas, já que a prática está pegando tão fulminantemente)
Acham certas pessoas que tudo no exterior é melhor do que no Brasil, esquecendo-se que, em muitos países, ainda acham que o Brasil é um país habitado por indígenas e cheio de florestas. Há algum tempo, Buenos Aires era nossa capital, e entendiam que em nosso país falava-se o espanhol e, como num passado não muito distante – porque vivi neste tempo – De Gaulle referiu-se ao Brasil como não “sendo um país sério”. Ora, penso que nossos comerciantes espertamente estão explorando este complexo de vira-latas para vender mais, com a criação aqui também do “Halloween” e do “Black-Friday” – ora já que os brasileiros são os estrangeiros lá nos EUA que visitam o Disneylândia – por que não? E se a moda pegar para valer, logo, logo no aniversário, estaremos cantando:
“Black Friday to you,/ on this dear date/ much happiness / many years of life./ Alive Black Friday!/ Alive”
Há muitos interesses, acredito, por detrás deste complexo, que o ativam incessantemente, como é o caso do descobrimento, por cientistas e doutores brasileiros, de uma substância, a fosfoetanolamina sintética que, segundo relatos, vem trazendo extraordinário benefício para os pacientes com câncer. Vi a exposição, na TV Câmara, dos pesquisadores brasileiros, que estão lutando para que a Anvisa dê prosseguimento ao trabalho deles – já têm mais de vinte anos de pesquisa, que estão sendo feitas por um grupo na USP. Estão propondo que, pelo menos para os pacientes terminais, o medicamento seja fornecido – que é somente fabricado no laboratório da USP – ou seja, não industrialmente, e, por isso, necessitam que essa licença seja dada mediante produção industrial para atender todos. Dizem que não querem nada financeiramente, produto de patente, etc. Mas objetivam salvar, no futuro, milhares de vida. Os pesquisadores deixaram claro que pessoas inescrupulosas estão aproveitando da descoberta para vender, como sendo a original, um tipo de fosfoetanolamina manipulada, quando o objeto da descoberta deles é a sintética. Por isso, há milhares de pessoas comprando produto que não irá trazer os efeitos desejados.
Os pesquisadores mostraram vídeos e fotos de pacientes (que concordaram com a exposição), comprovando efeitos extraordinários, como uma criança, que estava totalmente sem movimentos, na espera da morte, e, que recuperou os movimentos, além da consciência, uma melhora extraordinária. Eles – os pesquisadores – dizem que a droga mata as células cancerosas e daí a melhoria. Ainda não houve a comprovação de que possa curar, livrar o doente da doença, porém, é importante dizer que o tratamento não tem efeitos colaterais e melhora muito o quadro dos pacientes que se sujeitaram à pesquisa. O que é mais importante, pode o doente continuar a ser tratado pelos medicamentos tradicionais, não havendo incompatibilidade. Dizem os pesquisadores que a burocracia, certamente exigida pelos grandes empresas farmacêuticas do mundo, que detém patentes de outros medicamentos, ou seja, interesse econômico, está impondo dificuldades para o desenvolvimento da pesquisa, que está sendo feita com dinheiro saído do próprio bolso deles.
Aí está mais uma prova do tal complexo de vira-lata, pois, infelizmente, a opinião pública não deu muita importância para esta descoberta. Se ela fosse feita por pesquisadores europeus ou americanos, seria objeto de grande significado, mas pesquisadores brasileiros (ora bolas, brasileiros), como pensa a maioria vira-lata, não fazendo nenhuma pressão sobre a Anvisa para cuidar da equipe e apoiá-la nas pesquisas.
Precisamos vencer o “Black Friday” e retornar aos bons tempos da liquidação.
Nota: imagem copiada de tvblogueiro.blogspot.com
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LuDias
Infelizmente há muitos brasileiros – não são todos – que carregam nas costas a pecha do complexo de vira-lata. Na visão pobre deles, nosso país não tem futuro, não tem passado, é o pior do mundo, no presente. A maioria olha para os EEUU, como se lá estivesse o mundo perfeito, ainda que com essas mortes estúpidas, em massa, e sem motivo. Sabemos que não há perfeição em nenhum ser humano e, consequentemente, em nenhuma sociedade, por óbvio, constituída por seres humanos.
Há um sentimento de humilhação e admiração, palavras que se chocam, deixando de olhar para dentro de seu país.Todos os países do mundo, todos, tem imperfeições. E não é por isso que seus habitantes sentem-se no fundo do poço, pois há maravilhas como existem tragédias. Quer maior tragédia do Hiroshima e Nagasaki? Precisaríamos disto? Não se poderia dar demonstração de força com explosão atômica em zona não habitada? Será que isto não foi a vindicta por Pearl Harbor? E a guerra do Vietnã: Ah, “era um garoto, que como eu, amava os Beatles e os Holling Stones….” Admirar isso? Como? E nós, aqui, somos um país fracassado? E a guerra da Coreia do Sul x Norte, tendo como pano de fundo a disputa geopolítica entre os EEUU e a Rússia? O perigo da guerra nuclear que chegou a quase explodir!
E o Afeganistão, invadido com o pretexto de ter arma química, o que foi posteriormente desmentido e que trouxe morte a milhares de árabes, desequilibrando as forças das nações existentes naquela região, armando o estado islâmico, que se tornou o novo tormento do mundo ocidental e que trouxe a destruição da Síria, com a morte, novamente, de milhares de árabes e o êxodo da população em fuga para o Ocidente ( países europeus)? E o nazismo? E a Segunda Guerra Mundial? Que tragédia para a humanidade! Dá para ter inveja disso tudo? Dá para achar que lá tudo é maravilhoso e aqui é um pesadelo?
Sei que temos no Brasil muitos problemas, mas também sei que nosso país tem futuro e, se deixarem, teremos com a educação, um futuro maravilhoso, pois somos um país rico, com um povo miscigenado, uma característica de nossa sociedade, uma riqueza incomensurável, e que é e continuará ser, sem dúvida, o alicerce de um país extraordinário. Hoje, a miscigenação é a maior causa do complexo de vira-latas. Mas isto irá se findar um dia.
Lembro aqui a frase maravilhosa de Gilberto Freire, “Todo brasileiro, mesmo o alvo, de cabelo louro, traz na alma, quando não na alma e no corpo, a sombra, ou pelo menos a pinta, do indígena e/ou do negro.” E é a miscigenação que está virando o jogo para o Brasil, pois somos formados de todas as raças e nações do mundo. Aqui temos indígenas, mas milhares de asiáticos, árabes, africanos, europeus que fincaram o pé, formaram famílias e sentem todos como se fosse a pátria deles. É uma pena que ainda há brasileiros que se miram para o exterior, esquecendo-se que os países estrangeiros estão maravilhados com a pluralidade de nosso país.
Para o professor o professor de Harvard Henry Louis Lates Jr., o Brasil é a expressão máxima da miscigenação populacional e tem “a cara do futuro”, desde que entende que as raças puras irão, cada vez mais, diminuir e a humanidade irá ter o perfil do Brasil, a cara do futuro. Vale a pena, para quem quiser refletir sobre este tema, a leitura da entrevista dada pelo sociólogo italiano Domenico De Masi, autor do livro “O Futuro Chegou”, que, muito otimista com o Brasil, destacou o modelo social brasileiro.
http://brasileconomico.ig.com.br/brasil/2014-06-02/meu-otimismo-com-o-brasil-se-baseia-nas-estatisticas-diz-domenico-de-masi.html
Talvez, com essa leitura, possamos por um ponto final no complexo de vira-lata.
Oswald
Você está coberto de razão. É triste ver como o brasileiro não valoriza o seu próprio país. Ainda hoje, na Caminhada pelo Clima, encontrei-me com um grupo de estudantes europeus, que aqui faz intercâmbio. Disse-me que adora nosso país, se pudesse, aqui permaneceria para sempre, que são brasileiros de coração.
O fato citado por você sobre os pais que vão para Miami fazer compras para seus bebês e compras de Natal é impressionante. Chegam abarrotados. Também tomei conhecimento de um grupo de brasileiros que foi para a Europa e que lá não fez outra coisa senão visitar lojas. Em frente ao Louvre e ao Museu do Vaticano tiraram uma foto para colocar no Facebook, para dizer para os amigos que ali estiveram. Contudo, não entraram e não viram uma obra de arte. Pode? Era só comprar… comprar! Pode?
Parabéns pela excelência do texto.
Abraços,
Lu