Autoria do Prof. Hermógenes
O Professor Hermógenes, um dos precursores da ioga no Brasil, escreveu mais de 30 livros sobre a saúde física e mental. Neste texto retirado de seu livro “Yoga para Nervosos”*, ele nos fala sobre a escolha do entretenimento.
Você não ignora que a ansiedade, a tensão e as emoções se expressam no fígado, nas glândulas suprarrenais, na hipófise, na área cardíaca, ou seja, em todo o organismo. Sabe o quanto a ira e os temores danificam a saúde. Não é verdade? Ora, sem você querer e por serem impostos pela própria vida e forçados pelos pressões sociais, os motivos de apreensão têm o assaltado. Desejando livrar-se de tais situações, você tem dado muito de seu esforço e também perdido saúde.
Não vai me dizer que lhe agrada a ansiedade, enquanto espera a resposta de um negócio que propôs ou o resultado de um exame clínico ou mesmo das provas do concurso. Ninguém se sente bem quando está sentindo medo, ou ira, ou vergonha, ou remorso. A ninguém agrada viver debaixo de drama, ameaça e vicissitude. Todos almejam tranquilidade, vida suave e espaço social bem desimpedido para expandir-se. Os gregos antigos tinham a ataraxia (completa ausência emocional e mental) como um objetivo muito alto na vida do filósofo.
Você que não gosta das emoções que o destino espalha em seus dias; que estimaria desfrutar horas de tranquilidade e quietude, por que vai se meter num cinema para assistir a um filme do estilo suspense? Pode ser tédio, o motivo de buscar excitação em divertimentos ou como torcedor apaixonado de qualquer esporte. É possível que esteja praticando uma forma de fuga. Divertindo-se, assim, tem conseguido livrar-se do tédio? Se já se livrou do sentimento de vazio graças a tantos entretenimentos excitantes, seu exemplo vai ajudar a resolver o problema de milhões de pessoas. Será de alto interesse para a psiquiatria, para a medicina psicossomática, para os educadores, para os líderes religiosos, para todos que procuram o caminho certo para salvar do tédio o ser humano.
Se, no entanto, você ainda está precisando “divertir-se” e cada vez mais, se ainda não pode passar sem se contorcer de emoção nas arquibancadas, enquanto seu time está jogando, saiba que o “remédio” falhou. Escapismo nunca salvou ninguém. Na verdade, cada vez que o espetáculo termina, os sentidos que estiveram sendo gratificados começam a pedir mais alimento, mais excitação. Há um vício de excitar-se, de ocupar os sentidos, de emocionar-se, de características semelhantes ao tabagismo, ao alcoolismo, ao psicodelismo e outros.
Todos estes vícios se caracterizam por uma vinculação obsessiva a seu objeto particular, seja à “tragadinha”, ao “traguinho”, aos comprimidos, “às picadas”, ao vídeo, à tela de cinema, ao alto-falante do rádio. Outra característica de tais vícios é a de que nunca se consegue quietude, a não ser enquanto se está atendendo às imposições do tirânico objeto obsedante. Relativamente à sensibilidade, desde o berço somos ensinados a distrair-nos. Pela vida afora – infância, adolescência e vida adulta – os entretenimentos “indispensáveis” vão frustrando um acontecimento que “normalmente” todos evitam: um encontro a sós consigo mesmo, em silêncio.
“Suponhamos – diz Fromm (Psicanálise da Sociedade Contemporânea) – que em nossa cultura ocidental, os cinemas, as emissoras de rádio, as televisoras e os acontecimentos esportivos deixem de existir por apenas quatro semanas. Fechados esses principais canais de fuga, quais seriam as consequências para as criaturas, reduzidas repentinamente aos seus próprios recursos? Não tenho dúvida alguma quanto a que mesmo nesse curto período de tempo ocorressem milhares de perturbações nervosas, e muitos milhares de criaturas fossem lançadas em um estado de ansiedade aguda que não difeririam do quadro diagnosticado clinicamente como neurose.”
Vejo nesta educação para o esvaziamento, para a saída de si mesmo, para a alienação de si mesmo, um dos fatores causativos do quadro que o mesmo Fromm assim descreve: “Hoje em dia encontramo-nos com criaturas que agem e sentem como autômatos; que jamais experimentam algo realmente seu; que sentem o seu eu inteiramente como pensam que supostamente seja; cujo sorriso artificial substituiu o sorriso espontâneo; cuja tagarelice vazia substituiu a palestra comunicativa; cujo surdo desespero substituiu a dor autêntica.” (Opus cit.)
“Tudo é necessário”, ensina Suddha Dharma. É necessário que continuem existindo “esses canais de fuga”, e que poderiam também ser veículos sadios de cultura e instrumentos de educação. Cinemas, esportes, literatura, teatro, televisão e rádio não constituem fatores de desordens nervosas a não ser pela forma irracional, inconsequente e amoral em que hoje em dia são “explorados”. Na mesma tela em que milhares de adolescentes “aprenderam” como assassinar ou estuprar uma jovem, as crianças recebem uma daquelas maravilhosas mensagens de Walt Disney e saem do cinema felizes e enriquecidas, depois de terem degustado, pelos sentidos, momentos de poesia.
O mesmo aparelho televisor que exibe as brutalidades de “catch” ou as banalidades do humorismo calhorda apresenta outros espetáculos ética e esteticamente admiráveis. Num cardápio você escolhe os pratos que lhe convém. Faça o mesmo quanto a programas de divertimento. Eduque-se esteticamente. Desenvolva, não somente bom gosto, mas o discernimento. Não escolha somente o agradável, mas o que lhe proporcione mais equilíbrio, paz e segurança psíquica e saúde orgânica.
Você já sabe das alterações profundas que se processam no organismo em consequência das emoções. Conhece como o simpático e as glândulas endócrinas sob os impactos ou estresses emocionais provocam rebuliço nos órgãos e em suas funções. Não ignora também que emoções suaves, delicadas, belas repercutem convenientemente em nossa felicidade na mesma medida em que as emoções violentas, alarmantes negativas minam a saúde e o equilíbrio. Então, como é que ainda vai entrar numa fila, pagar caro, para assistir a um filme cheio de atrocidades, suspense e aflição? Você está “comprando” as más emoções dos personagens do filme, com os quais se identifica.
Seja dono de si mesmo. Use o cinema, a boa música, os programas de televisão, o bom teatro, a literatura inteligente, com fins educativos e terapêuticos. Os mesmos veículos que tanto mal têm feito, também têm o enorme poder de construir, de enriquecer a personalidade e melhorar a saúde. A escolha é sua.
*O livro “Yoga para Nervosos” encontra-se em PDF no Google.
Nota: imagem copiada de Associação dos Magistrados do Maranhão
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