QUANDO O PRAZER É PERIGOSO

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Autoria de Lu Dias Carvalho

O que serve para tudo se presta ao abuso (ditado popular)

 A dependência é em parte determinada pelas circunstâncias da vida e em parte pelos genes. (Stefan Klein)

Não há quem não deseje ter uma vida plena de prazeres, contudo, a busca exagerada pelo aprazimento pode transformar-se numa faca de dois gumes. Isso acontece porque, ao ter a vontade saciada, a satisfação decresce rapidamente levando a pessoa a buscar uma nova, pois, como reza o dito popular, “os prazeres são efêmeros”. Como bem mostram os compradores compulsivos, o desejo passa a comandar a vontade, tornando o indivíduo refém de um anseio incontrolável. O biofísico Stefan Klein explica porque isso acontece: “Quando um estímulo desencadeia repetidamente o desejo, isso altera o modo de funcionamento de várias áreas do cérebro. Poderoso, o desejo pode transformar um indivíduo em um ser obcecado que não conhece mais limites e perde o sentido da realidade”.

O fato é que o ser humano possui apenas um circuito – um sistema multiuso – relacionado ao “desejo” que é o mesmo no que diz respeito ao aprazimento proporcionado pelos alimentos, pelo amor, reconhecimento social, etc., portanto, não importa qual seja o tipo de prazer para que a dopamina (conhecida como o neurotransmissor do prazer) seja produzida. Segundo pesquisas científicas, ao buscar mais e mais prazer, a pessoa acaba entrando no “fazer por fazer”, ou seja, a ação passa a ser mais importante e não a coisa em si. Para o comprador compulsivo, por exemplo, o ato de comprar é muito mais importante de que o objeto adquirido, enquanto para o glutão interessa apenas a ação de comer.  Para o sujeito refém do desejo, o que conta é a satisfação de seu anseio, o prazer antecipado daquilo que irá obter.

Os vícios nada mais são do que desejos descontrolados e um acidente na vida do indivíduo na busca pela felicidade, como explica Stefan Klein: “Dependendo da disposição genética, o prazer por comida pode se transformar em gula desenfreada; o gosto pela prática de esportes em um castigo obsessivo com corridas ou peso; a alegria com o ato de jogar ocasionalmente em uma prática constante. Todos esses comportamentos compulsivos surgem da mesma maneira. […] A evolução não programou nada para evitar que nos prejudicássemos dessa maneira, pois não podia prever essa circunstância que só ocorreria em um futuro distante. […] Há apenas dez gerações, na época em que a fome era um flagelo frequente em muitos países, não se tinha a ideia de que a agricultura mecanizada viria a ampliar a oferta de alimentos de tal forma que a obesidade se tornaria um grave problema de saúde pública. A dependência, portanto, não pode ser compreendida como um desejo que escapou do controle evolutivo”.

Ao ligar a procura obsessiva por prazer à busca pela felicidade, Stefan Klein relaciona até mesmo os sete pecados capitais a um desejo incontrolável para obter satisfação. Assim explica: “Orgulho é amor-próprio em altas doses, avareza é parcimônia excessiva e inveja é um exagero da nossa tendência natural de buscar nas outras pessoas um ponto de comparação. A gula surge sempre que o organismo não responde à ingestão de alimentos com a sensação de saciedade. A luxúria nos domina quando não encontramos no sexo uma satisfação plena, o que nos faz querer sempre mais. A ira é a agressividade descontrolada, não submetida à razão. A preguiça é o estado em que ficamos, quando, depois de um relaxamento saudável, não conseguimos recuperar o ritmo e a motivação naturais”.

Como podemos desligar o circuito da dependência predadora pelo prazer e escapar das tentações? Acionando o sistema de vigilância diária. Vigiando-nos o tempo todo, buscando sempre racionalizar os nossos desejos de modo a não nos tornar reféns deles. Epicuro de Samos, filósofo grego do período helenístico, já dizia: “O prazer não é um mal em si; mas certos prazeres trazem mais dor do que felicidade”, ou seja, quando deixa de ser prazer para se transformar em vício.

Nota: a ilustração é o quadro Os Sete Pecados Capitais de Bosch.

Fonte de pesquisa:
A Fórmula da Felicidade – Stefan Klein – Editora Sextante

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2 comentaram em “QUANDO O PRAZER É PERIGOSO

  1. Hernando Martins

    Lu

    Devemos sempre buscar satisfazer as nossas vontades para obter as realizações, desde que não nos prejudique e, principalmente, não causeM nenhum problemas para as outras pessoas.

    É muito importante diferenciarmos vontade de compulsão, pois a primeira é algo inerente a uma vida saudável verdadeira e a segunda é algo proveniente de desequilíbrio psíquico, portanto, torna se uma patologia.

    Toda compulsão é proveniente de um desequilíbrio mental que acomete as pessoas e tem sido um mal do século em que vivemos. O vazio na alma é algo nefasto e a mente encontra uma forma falsa de compensação através de inúmeros tipos de compulsão como gula, compulsão sexual, consumismo exagerado,enfim, são vários os tipos de desequilíbrio que acometem as pessoas. O sistema capitalista selvagem induz de uma maneira cruel as pessoas a adquirir esses hábitos doentios, transformando-os em vícios incontroláveis, patológicos.

    Parte do homem sempre será produto do meio, então é importante simplificar a vida e vigiar para não cair nas armadilhas que aparecem no caminho, não deixando a emoção sobrepor a razão. Na verdade precisamos de muito pouco para viver e ter uma vida digna, porque tudo que extrapola as nossas necessidades já é preocupante. É importante não deixar o ego dominar a razão, para não fragilizar e abrir as portas às propagandas enganosas e cair em tentação. Ressaltando que a insatisfação gera o conflito e este a patologia, por isso devemos ser real com a vida, batalhando para satisfazer as vontades verdadeiras, necessárias a nossa sobrevivência, como por ex:

    Se está com sede, beba
    Se está com fome, coma
    Se está com sono, durma….

    Abraços

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    1. LuDiasBH Autor do post

      Hernando

      Todo vício corresponde a um vazio existencial na vida da pessoa, devendo ela buscar o porquê de tê-lo contraído, para dele se livrar. Enquanto não buscar as raízes de seu aparecimento, qualquer tentativa de eliminá-lo é vã. O mais cruel – como você bem o diz – é quando o vício prejudica a vida de outras pessoas em volta do viciado.

      É triste saber que a maioria dos brasileiros não tem nem mesmo as necessidades básicas atendidas. Veja esta informação:

      Sabia que se você ganha de salário:

      R$ 5 mil – ganha mais que 95% dos brasileiros

      R$ 3 mil – ganha mais que 89% dos brasileiros

      R$ 1 mil – ganha mais que 54% dos brasileiros

      Reafirmo suas palavras:

      “O vazio na alma é algo nefasto e a mente encontra uma forma falsa de compensação através de inúmeros tipos de compulsão…”

      Beijos,

      Lu

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