Autoria de Lu Dias Carvalho
O primeiro Renascimento florentino produz o maior intérprete de arte cristã de todos os tempos: […] um religioso dominicano que conhecia desde os mistérios da fé e que era chamado a pintar. (Timothy Verdon)
Ele rezava antes de pegar no pincel, jamais retocando suas obras, porque refletiam a vontade divina. Quando pintava os crucifixos ou o rosto sofredor de Jesus durante a Paixão, chorava de emoção devido a sua grande bondade e sensibilidade espiritual. Poderia ter sido rico, mas não se importava. Dizia que a verdadeira riqueza não era outra senão contentar-se com pouco. (Giorgio Vesari)
Sua obra é tanto mais comovente em virtude de sua humildade que é a de um grande artista que deliberadamente renunciou a qualquer exibição de modernidade. (E. H. Gombrich)
Seus afrescos e retábulos retratam homens para os quais esta vida terrena é antecâmara da celestial. Ele reproduz em suas pinturas pessoas imbuídas de uma luz, claridade e leveza inexistentes no cotidiano real. São figuras são dotadas de um fulgor vindo de dentro para fora e que iluminam todo o seu ser. Porque o espírito é claro, enquanto a matéria é opaca. A intenção do artista é exatamente representar essa irradiação do espírito. (Plínio Corrêa de Oliveira)
O pintor e miniaturista italiano, cujo nome de batismo era Guido di Pietro Mugello (1384 – 1455), é um dos mais importantes mestres surgidos entre o final do período Gótico. Ainda muito jovem, abraçou a ordem dos dominicanos, passando a chamar-se Frei Giovanni Fiesole. Após anos de estudos filosóficos e teológicos, transformou-se num profundo conhecedor da doutrina cristã tomista (ligada a São Tomás de Aquino) e num ardoroso sacerdote de sólida piedade. Somente após sua morte é que foi apelidado de Fra Angelico (Irmão Angélico) e também de Beato Angelico pelos irmãos de ordem e pelo povo, tamanha era a sua fama de santidade.
Fra Angelico foi inicialmente miniaturista, mas em contato com a efervescência da arte em Florença, responsável por liderar toda a Europa Renascentista, começou a pintar nos seus momentos de descanso, após cumprimento de seus deveres religiosos. Aos poucos seu nome passou a figurar entre os grandes pintores da época, chegando a ser recomendado à família Médici como “um dos melhores mestres de Florença”. À reputação de religioso humilde e devoto juntou-se à de excelente pintor de arte sacra, cujas obras, segundo as pessoas da época, pareciam ser pintadas por anjos, tamanha era a paz e a quietude que delas emanavam.
Não se tem como certa as informações sobre a iniciação do beato na pintura. Lorenzo Monaco é apontado como um de seus mestres em iluminura. O aprendizado de tal técnica é visível no cuidado que ele tem com os detalhes em toda a sua obra. As grandes obras do dominicano na pintura começam a surgir entre 1420 e 1430. Ele acreditava que assim como o sopro do Espírito Santo dava vida às palavras de seus irmãos no púlpito, também haveria de manejar o seu pincel, ou seja, enquanto eles pregavam pela palavra, ele pregaria com sua pintura.
A pintura de Fra Angelico era essencialmente sacra e tinha como objetivo elevar o nome de Deus — motivo pelo qual jamais representou uma cena profana. Sua pintura essencialmente religiosa está dominada por um espírito contemplativo, pois ele concebia a pintura como uma espécie de oração. Suas obras eram destinadas à contemplação e à devoção. Embora fosse sobretudo um místico, ele intelectualizou a pintura, inserindo nela a preocupação com o espaço e com as leis da perspectiva e desenvolveu um estilo único, caracterizado por cores suaves, claras, formas elegantes e composições muito contrabalançadas. As tintas usadas pelo monge pintor eram de uma beleza incomparável. Produzidas por ele, apresentavam uma arrebatadora variedade cromática. O azul era a cor de sua predileção, sendo explorado em várias tonalidades, sobretudo o azul da Alemanha, o índigo e o azul ultramar. A matéria-prima era o lápis-lazúli.
Fra Angelico, assim como o pintor Masaccio, é um nome marcante do início da Renascença italiana e um dos grandes nomes da pintura religiosa de todos os tempos. Sua pintura traz consigo um caráter de catequese espiritual que visa mostrar a bondade infinita e a perfeição do Criador. Ele buscava representar a história sagrada com beleza, mas, sobretudo, com simplicidade. No dia 14 de novembro de 2006 foram encontrados mais dois painéis pintados por ele, numa modesta casa em Oxford, na Inglaterra. Estavam perdidos há mais de 200 anos. Segundo Hegel “Fra Angélico criou uma obra que nunca foi superada na profunda sinceridade de sua concepção).
Nota: “A Descida da Cruz” (1430 -1440) — obra encomendada pela família Strozzi para a Santa Trinità em Florença. Foi iniciada pelo pintor Lorenzo Monaco que pintou os campos e completada por Fra Angelico. A composição de fundo identifica-o como um dos grandes pintores paisagistas do século XV. O painel é também uma obra chave dos primeiros tempos do Renascimento, por causa de sua construção espacial realista e formas arquiteturais simplificadas. A cor encontra nela o seu esplendor máximo.
Fontes de Pesquisa
Góticos e Renacentistas/ Abril Cultural
1000 Obras-prima da Pintura Europeia
Arautos do Evangelho/ O Pintor do Sobrenatural
A História da Arte/ E. H. Gombrich
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