Autoria de Alfredo Domingos
Cada um dos meus filhos tem seu cofrinho recheado. Estão lá engordando nas estantes, tais quais perus para o Natal. Somente moedas graúdas. Outro dia, todos reunidos na sala, o programa na TV era um intrigante capítulo de novela. As falcatruas da família televisiva estavam expostas. O bando seria, finalmente, desmascarado em razão de a trama chegar ao fim. Estávamos babando ansiosos pelo castigo da canalhice. As máscaras cairiam, revelando os malfeitores. De passagem, lembro-me de que gostamos da desgraça alheia. Mais do que ver a justiça feita, adoramos o desespero, a derrocada, de terceiros. Pobre raça vingativa!
Pois bem, retomando o fio da história, aconteceu o desfecho da novela. Os personagens foram recebendo seus castigos, os castelos foram ruindo, e as quedas efusivamente comemoradas lá em casa. Aí vieram as expressões por parte do meu pessoal:
– É isso mesmo, cana pra ele!
– Não tem pena, não, arrepia esse malandro!
A mocinha de hoje não se casa mais com o mocinho e são felizes para sempre. Não tem o jeito de “namoradinha do Brasil”. Ela vai presa. O pai atual fica louco. A mãe foge com o motorista. É tudo muito diferente e transgressor. Pois bem, foi mais ou menos dessa maneira que a coisa se passou na novela. Inclusive, a avó era a chefe da gangue, de bengala e tudo. Com o fim da trama, a minha filha caçula, de nariz arrebitado, com o rabo de cabelo balançando e as mãos na cintura, vociferou:
– Pai, você não está livre de também ser penalizado! Vai pro xilindró igualzinho aos bandidos da novela.
Claro, que fiquei aturdido. Não dizia palavra. Raciocinei se eu tinha a ver com a história da TV. Não encontrava relação. Do quê, afinal, estava sendo acusado com tanta veemência, precisava saber? A danada da garota, pra lá de espevitada, usando todos os erres e esses, esclareceu:
– Ora, eu sei muito bem que você, vira e mexe, subtrai escondido de nós as moedas para o seu ônibus. Já vi você surrupiando, do tipo pé lá pé cá, uns trocados do meu cofre, enquanto achava que eu dormia. Negue se for capaz!
Minha cara caiu! O pior que ela tinha razão, embora a causa fosse nobre. Mas nunca considerei que um mínimo empréstimo, para pegar uma condução, tivesse a conotação de roubo. O resto da família, em coro, argumentou que incorre em falta aquele que tira um biscoito indevidamente, assim como quem assalta um banco. Ambos cometem delito. Que pressão!
Bom, a lição foi bem estudada pela turma. Na realidade, para a minha satisfação, no meio do constrangimento, convenci-me de que devo ter alguma participação nesse correto posicionamento. Os pais orientam os filhos, não é?! Mas mesmo assim, apelei para a compaixão, diante da acusação impiedosa da qual fui vítima:
– Calma, vejo que vocês estão nervosos. Peço que relevem o pai aqui, afinal, foi um roubinho à toa, desprezível. Sejam piedosos, deem chance ao coitado que mendiga moedas para poder exercer a sua profissão, e ajudar, assim, a manter o status quo da família. Vou redimir-me: farei “generosas” contribuições, mensais que sejam, aos cofres de vocês, para obter a recuperação moral de que careço, pois fiquei arrrrraasado, confesso!
Ufa! Será que consegui me safar?
(*) Imagem copiada de diadebrilho.wordpress.com
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Alfredo
Não se sinta com a consciência pesada, pois todos os pais fazem isso.
O melhor é quando os cofrinhos estão cheios de moedas de um real.
Pegue, mas reponha!
Abraços,
Lu
Lu, obrigado pelo comentário. É, estou entendendo que, repondo, fica tudo bem. Fazer o quê?
Abraço, Alfredo Domingos.