Autoria Lu Dias Carvalho
Eu sou um velho bicho da caatinga,
esquecido pelo resto deste mundaréu.
Sou bicho tentando vencer dificuldades,
enquanto da seca me faço réu.
A vida nunca me ofereceu algo a mais.
Entoquei-me na vivência como um bicho.
Labuto distanciado dos outros homens,
e só me dou bem com os animais.
Meus pés feios só esmigalham espinhos,
não sentem mais o abrasamento da terra.
São patas de bichos da caatinga, nesta
agonia em que meu espírito erra.
Montado, agarro-me com o meu cavalo,
grudando-me nele como um carrapato.
Somos dois bichos enfrentando a seca,
sem rumo, sem dengo ou afeto.
Meu linguajar é monossilábico e gutural,
mas meu cavalo o entende muito bem.
Na conversa coas gentes sou um bruto,
uso o mesmo falar com os animais.
Sou de pouca conversa, mas aprecio as
palavras dificultosas dos grandes, meu,
Até copio algumas delas, em vão; elas
são inúteis pra um tabaréu como eu.
Dou-me muito bem com a ignorância.
Se aprendesse algo, queria saber mais.
Nunca ficaria jubiloso com pouco. Mas
nasci bicho, homem sem sabença.
O atilamento suscita respeito, mas, se
a desgraça faz montaria nas costas,
todos se estrepam no mal. E aí não há
um lugar pra fugir, pois tudo é igual.
Eu sou matuto, um bicho de verdade.
Vivo escondido no mato como um tatu.
Sou como os bichos daquela caatinga,
não sairei da toca, eu sei, jamais.
Nunca andarei de cabeça levantada.
Sou como uma rês na fazenda alheia.
Serei sempre mandado pelos graúdos;
serei bicho, como foram meus pais.
(*) Capa de Floriano Teixeira, para edição brasileira, sem data, Ed. Record
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