Autoria do Prof. Rodolpho Caniato
A fala do professor geralmente é a “fonte” que reproduz as coisas que estão escritas no livro didático. Isso agrava a carência na habilidade de ler dos nossos alunos. Essa carência é tão grave que se estende aos níveis mais altos de escolaridade, até mesmo à pós-graduação, com reflexos no desempenho dos indivíduos e no desenvolvimento do país. Nosso ensino é feito quase que exclusivamente pelo discurso do professor. Quase nada fica do “quase tudo” que pensamos ter ensinado, quando se usa o “método” apenas discursivo ou de copiar. A ausência na escola de qualquer atividade inteligente que envolva também as mãos é uma das deformidades de nossa cultura. Essa deformação se propaga e constitui um dos problemas das elites intelectuais nos países “sub” desenvolvidos.
Sabemos fazer discursos sobre “soluções”, mas sabemos fazer muito pouco de fato. Este não é um problema só do ensino fundamental e médio. Grande parte das instituições de ensino superior é de uma enorme pobreza na capacidade de realizar qualquer coisa que não seja “aula teórica”. Quando se trata de ensino de alguma área das chamadas ciências da Natureza ou simplesmente Ciência, isso produz uma grande e grave deformação. Aprende-se a “falar” sobre as coisas, mas se sabe “fazer” muito pouco com elas. Ao longo de décadas de meu trabalho com professores de Ciências e de Física ficou para mim evidente que muitos de nossos cursos são parecidos a cursos de natação feitos por correspondência: aprendemos a falar sobre a importância da natação, mas não nos atrevemos a entrar na água.
O constante exercício de uma postura passiva, de só se sentar e ouvir, acaba por atrofiar a iniciativa dos jovens, formando muito mais “sentistas” que cientistas. A iniciativa é um dos ingredientes indispensáveis ao progresso do indivíduo e das nações. Nossa escola, pela postura passiva que estimula a imobilidade como “bom comportamento”, exercita a passividade e atrofia a iniciativa. A dificuldade de exprimir-se com clareza ao falar denota a grande falta de oportunidade de exercitar-se essa habilidade, pois:
1. É a ESCOLA o lugar em que se deve exercitar a verbalização de argumentos.
2. É também a ESCOLA o lugar em que, nas DISCUSSÕES, o jovem deve aprender a exercitar a oportunidade em que se deve calar para ouvir os argumentos dos outros. Democracia se aprende exercitando suas regras desde cedo: na ESCOLA, principalmente.
3. É também na ESCOLA que devemos exercitar o convívio com as diferenças de todos os tipos: raça, credo religioso, orientação política ou de gênero, deficiências físicas e outras.
A ESCOLA pode e deve ser tolerante com as diferenças, mas intransigente com a burla e a fraude. Mais importante que discursos sobre ÉTICA é o exercício do respeito a pessoas e instituições em todas as atividades, dentro e fora das classes. Portanto, o papel da ESCOLA e do PROFESSOR deve e pode ser uma espécie de “rampa” para a “decolagem” definitiva e independente do indivíduo rumo a um “voo” com autonomia para continuar a crescer em conhecimento, pelos seus próprios meios. A ESCOLA e o PROFESSOR devem, e podem, ser as coisas de que nos recordaremos por toda a vida com admiração, gratidão e respeito pelo “balizamento” que nos guiaram e com as boas lembranças das pessoas que nos proporcionaram a “pista” para uma boa “decolagem” com nossos “motores” em nosso “voo” pela vida e pelo Mundo.
Nota: texto extraído do livro “Nossa Escola Quase Inútil”, 2006, inédito
Imagem: A Lição de Anatomia do Dr. Tulp, obra de Rembrandt
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Caríssima LU
Fico muito grato por tantas e tão generosas palavras. Eu nunca havia imaginado ou esperado que meus textos pudessem ser tão apreciados. Nunca pretendi nem esperava que que eles fossem, mas somente uma descrição das coisas que realmente vivi. Por mais que eu tente ser fiel à minha memória, estou sujeito ao risco de ser traido por minha imaginação e pelo entusiasmo com que sempre me defrontei com a VIDA.
Minhas “virtudes literárias” foram descobertas, por acaso, pela LUDIA BH. Por isso fico muito grato ao seu entusiasmo e à sua divulgação, Oxalá esses textos ainda cheguem a trazer uma pequenina contribuição para que alguém olhe para o MUNDO com olhar mais benevolente, solidário e e construtivo.
Muito obrigado pelas palavras e pela AÇÃO de tornar meus textos mais VISÍVEIS
Grande e reconhecido abraço,
Professor Caniato
Nem uma palavra a acrescentar a seu texto. Diagnóstico mais que perfeito da realidade, que mostra o Brasil ocupando um lugar vergonhoso no campo da educação. Os índices (atrás de países subdesenvolvidos) deveriam preocupar os dirigentes do país.
Abraços
.
Caro Professor Caniato.
Bela reflexão! Diante de um país corroído e enlameado pelos políticos, pela mídia, pelos mega empresários e pelo judiciário, só nos resta uma saída: a EDUCAÇÃO, que pode transformar e contribuir para a formação de cidadãos mais conscientes, que possam receber um conteúdo e tenham condições de análise e crítica.
Meu abraço afetuoso.
Luiz Cruz
Tenho o privilégio de ser amigo do Professor Caniato.
Já ouvi da sua boca muitas narrativas dos episódios marcantes de sua vida, uma vida, aliás, riquíssima de experiências inusitadas e pouco comuns na vida da maioria de nós. Admiro-lhe a experiência de vida, a inteligência, a lucidez e a integridade. Ele tem grande paixão pela EDUCAÇÃO, e sua abordagem do tema faz dele um legítimo paladino e guia nesse muito debatido e, entre nós, nunca bem resolvido, aspecto essencial da atividade humana. Sem dúvida, ao lado de outros poucos da mesma estirpe, ele está apto a indicar o caminho para obter, no Brasil, a Educação de Qualidade, única estrada a trilhar para tirar-nos do subdesenvolvimento.