Autoria de Lu Dias Carvalho
No texto passado, eu lhes contei que dentre os animais da Granja do Solar encontrava-se Moisés, o corvo de estimação da família do senhor Jones que sequer teve interesse em comparecer à reunião convocada pelo Major. Mas ele tinha motivos para isso: não queria que o seu “status quo” mudasse. Mas a vida é assim mesmo, pois, sempre existirão aqueles que lutam de unhas e dentes para que as coisas não mudem para todos, com medo de que possam perder o lugar privilegiado que ocupam e se tornem um igual. Tais indivíduos habitam, sobretudo, no mundo da política, onde deitam e rolam. Moisés era, portanto, alguém que vestia a camisa do patrão, ainda que visse o quanto seus companheiros de granja eram escravizados. Mas aquilo não lhe doía a consciência, embaçada que estava pela posição ocupada junto ao dono, não deixando de receber, de certa forma, os respingos do poder. E tais migalhas já lhe inflavam o ego que aguardava por mais, muito mais. O que lhe importava os outros bichos? Afinal, para ele, cada um consegue o que merece. Velha cantilena dos que estão por cima.
Embora não fosse político, Moisés sabia que se a revolução proposta pelo Major a seus companheiros desse certo, ele passaria a ser apenas um deles, sem as deferências que lhe eram dadas até então. E como é difícil abrir mão dessa atenção que traz o poder! O único meio para lutar contra algo que poderia mudar drasticamente sua vida, embora fosse melhorar a de todos, seria espalhar uma mentira. Era certo que alguns bichos não acreditariam, mas existem sempre aqueles que não se informam sobre a veracidade dos fatos, e não apenas abraçam a mentira, mas a repassam como se verdade fosse. Portanto, iria remexer nas ideias e de lá tirar algo que pudesse mudar o rumo dos acontecimentos. Não poderia ficar de asas cruzadas, esperando as coisas acontecerem. E há muito ouvira falar que o mundo era dos espertos. E, até provar em contrário, ele era um deles.
Moisés, o espião mexeriqueiro e ladino, que só ficava contando potocas, sem jamais fazer coisa alguma, teve um plano, ainda que estrambótico: começou a espalhar que após a morte, os bichos iam para um lugar fantástico, onde se encontrava uma Montanha de Açúcar. Tal lugar situava-se num certo canto do céu, logo depois das nuvens. Ali não havia os dias da semana, mas somente o domingo. Tudo era permanente: campos floridos, bolos de linhaça, torrões de açúcar e coisa e tal. E, como pensara, alguns ingênuos caíram na sua parolagem, tendo os porcos que suar o focinho para convencê-los de que aquilo era mentira. Trocando em miúdos, ele queria dizer que não importava o sofrimento terreno, pois o céu maravilhoso compensaria os animais por tudo. Que lutar aqui na Terra seria perda de tempo. O melhor seria deixar as coisas como estavam, aguardando apenas o prêmio eterno.
Moisés, se nos dias de hoje vivesse, estaria habilitado a dirigir muitas seitas religiosas, cujos mandachuvas vivem no bem bom, enquanto aconselham seus fiéis a aceitarem a miserabilidade e todas as injustiças do mundo, isso quando não lhes tiram tudo, enquanto aguardam os louros da eternidade. Por que não viver bem aqui e lá?
Façamos uma reflexão sobre os tais “especiais”, que pululam em todos os terreiros, enquanto aguardamos um novo capítulo.
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