Autoria de Maria Amália Silva
Fui diagnosticada com bipolaridade aos 26 anos de idade, tenho agora 38. Sempre tive um comportamento incomum. A minha mãe correu vários médicos, psicólogos, terapeutas, mas nada que levasse a algum lado. Fui mãe a primeira vez aos 19 anos, fruto de um planejamento mal feito. Nunca quis ter filhos, mas o “grande amor” que vivia naquela altura queria por tudo ser pai. Eu nem me lembro de pensar nos riscos. Fui e concretizei o sonho dele. Que grande loucura, vi depois, quando me abandonou grávida de oito meses. Foi muito difícil, mesmo, mas tive a ajuda da família. Levei dois meses chorando, desejando morrer e pensando em como o faria, mas consegui me recuperar, mas não totalmente.
Dois anos depois, fui confrontada com o suicídio do meu pai. Sabendo o que sei hoje, concluo que também era bipolar, mas sem diagnóstico. Foi tão surreal! Peguei as rédeas da situação e tratei da família, de tudo. Nunca senti necessidade de fazer luto, acho que sempre o entendi. Fui tendo altos, baixo, mas nada que fosse alarmante. Era solteira, quase tudo era normal.
Quando tinha 26 anos, tive o meu primeiro surto de euforia. Sexualmente muito ativa, tudo era festa, não havia hora de comer e nunca tinha sono, nem precisava dormir. Dava conta de tudo. Do trabalho, da filha, das saídas. Sempre no mais alto de mim. O que me levou a procurar ajuda foi ter ficado paranoica por não dormir. Cheguei a estar nove dias sem uma hora de sono. Aí já tudo me irritava, já estava a ficar deprimida, zangada e com desinteresse por tudo. Tantas horas no vazio levava a minha mente a todo lado. Comecei em sofrimento. Sentia-me só e não via sentido na vida. Pensei muitas vezes em suicídio. Uma das vezes não conseguia dormir e tomei a caixa toda de sedativos. Fui encontrada pela minha irmã que me levou à urgência médica. Fui medicada. Finalmente consegui dormir e me levantar um pouco do buraco em que tinha entrado. A medicação foi longe demais e houve a elevação de humor novamente. Outro tratamento. Parecia agora equilibrada.
Quando conheci o meu ex-marido, estava a recuperar da minha primeira grande crise de euforia e medicada havia quatro meses. Ele não acreditava em desiquilíbrio da química da mente. Convenceu-me de que não precisava de medicação e eu deixei os remédios. Pareceu-me que ele estava certo e que estaria sempre ali para me ajudar, como foi acontecendo. Estivemos juntos ao todo quase 11 anos, oito de casados. Tive vários episódios, incluindo mais ou menos um ano em que estive em crise depressiva. Lembro-me de me deitar todos os dias a pensar que não queria acordar no dia seguinte, e ficava triste por acordar.
Alguns picos de elevação de humor, mas que serenaram sem grandes problemas envolvidos. Chegamos a estar um mês separados. Mas ele dizia que me amava e ia tomar conta de mim. Eu o amava e estava disposta a perder os medos e traumas e arriscar realizar o seu sonho de ser pai. Lutei vários anos com esse assunto, mas o meu amor por ele levou a melhor. Há quatro anos fiquei grávida, correu bem, mas nos últimos dois meses não consegui dormir. Eu culpava a barriga, o calor, o desconforto, tudo. Não podia mostrar que estava em pânico com o facto de ir passar novamente pela experiência de ser mãe, pois comprometi-me com este sonho.
Dediquei-me inteiramente às milhas filhas e marido. Nunca cuidei de mim, nem da minha saúde mental. Fiquei em casa a cuidar da mais nova. Eu vivia todos os dias em pânico, temendo que algo acontecesse, sempre assustada, sempre tomando conta de tudo. Comentava por vezes com o meu marido. Mas nunca foi dada importância. Ao fim de dois anos e meio eu estava completamente esgotada, deprimida, só chorava. Novamente a minha mente deu uma reviravolta. A euforia instalou-se. Afastei o meu marido, pedi a separação, fiz de tudo para ele se afastar. Mas nunca deixei de amar aquele homem. Não tenho muita noção de todos os acontecimentos. Quando caí em mim, pedi ajuda médica, estou medicada até agora. Com a medicação a funcionar fui ganhando noção de alguns acontecimentos. Sinto muita falta do meu marido, quero-o de volta, mas ele já tem outra pessoa neste momento.
Ainda tenho muitas questões na minha mente, gostaria de obter respostas, gostaria de voltar a tê-lo ou conseguir esquecê-lo, pois este assunto está a mexer muito comigo, a fazer-me sofrer muito. Não quero cair novamente. Quero arranjar explicação sem me vitimizar, mas não consigo entender que a culpa seja minha realmente, pois simplesmente desconectei da realidade e deixei de ter noção. O que não ajuda em nada para arrumar o assunto e seguir em frente, seja em que sentido for.
Ilustração: Noite de Verão, 1889, Edvard Munch
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Maria Amélia
Você merece alguém melhor. Sempre pense assim. Esse sujeito não vale um taco de sofrimento.
Grande abraço,
Nalva
Maria Amélia
Triste e doloroso é o seu relato, porém importante para que nos atentemos às armadilhas disfarçadas de amor. Quem nos ama se importa conosco e com a nossa saúde, jamais ignora algo desse tipo. Desejo–he muita força, minha querida. Fique firme na medicação e na terapia, foque no seu bem-estar e no das suas filhas. Logo, logo essa dor da separação irá passar e você estará na sua melhor versão, versão que está em plena construção neste momento. Acredite que tudo logo estará bem melhor.Fique bem!
Com carinho,
Rebeca
Maria Amália
Sinto-me aliviada ao saber que você procurou ajuda médica. É lamentável que seu marido seja um negacionista em relação às doenças mentais em pleno século XXI, o que muito contribuiu para debilitar a sua saúde, uma vez que a sua doença tinha sido diagnosticada aos 26 anos de idade. Você passou ao lado dele 11 anos, anos esses sem a ajuda da medicação. Mesmo vendo o seu sofrimento, ele não foi capaz de baixar a guarda em relação ao tratamento. Era a palavra do macho alfa contra a Ciência.
Suas palavras são dolorosas para quem as lê, pois mostram o quanto esse homem foi cruel consigo:
“Comentava por vezes com o meu marido. Mas nunca foi dada importância. Ao fim de dois anos e meio eu estava completamente esgotada, deprimida, só chorava.”
A melhor coisa que você fez foi se afastar dele, ainda que hoje sofra pensando amá-lo. Certamente conhece a “síndrome de Estocolmo”. Está a passar por ela, pois não podemos amar quem nos maltrata.
Você escreveu: “Quando caí em mim, pedi ajuda médica, estou medicada até agora. Com a medicação a funcionar fui ganhando noção de alguns acontecimentos”. Se dele não tivesse se afastado, estaria ainda a viver num verdadeiro inferno. Foi a sua salvação. Em toda a história você foi apenas uma vítima. Agradeça aos céus por ter se livrado dele. Vida nova. Nossa saúde é o mais importante bem.
Amiguinha, você irá esquecê-lo, sim! Só podemos amar alguém, quando nos amamos primeiro. Fora disso, estamos mentindo para nós mesmos. Estou torcendo para que encontre alguém especial que seja seu parceiro e também amigo e sobretudo preocupe-se com a sua saúde. Por enquanto, direcione seu amor para suas duas filhinhas. Elas estarão sempre ao seu lado. Conte com o nosso apoio.
Beijo no coração,
Lu