Arquivo da categoria: Ditos Populares

A sabedoria popular está presente em todas as línguas, sendo expressa através de várias maneiras: provérbios, adágios, sentenças, aforismos, parêmias, apotegmas, anexins, rifões, ditos e ditados populares.

NÃO PISE NO CALCANHAR DE AQUILES

Autoria de LuDiasBHaquiles

Segundo a Ilíada, obra atribuída a Homero, poeta épico da Grécia Antiga, Tétis, a mãe de Aquiles, queria que o filho se tornasse imortal – coisa de mãe coruja. Para que isso acontecesse, ela teria que se dirigir ao todo poderoso rio Estige, cujas águas tinham o poder de trazer imortalidade aos pobres mortais.

Dona Tétis dirigiu-se ao rio Estige com a sua pequena cria e ali mergulhou todo o corpinho da criança – de cabeça para baixo – segurando-o pelo calcanhar, enquanto o pirralho botava a boca no mundo, imagino eu, pois a maioria dos bebês não é chegada a receber água nos olhos e ouvidos. Esqueceu-se, porém, a zelosa mãe de também molhar o calcanhar do pequenino.

Aquiles ficou com o corpo todo invulnerável, excetuando o calcanhar, parte essa que seria a sua perdição no futuro. Contudo, penso que todo o pezinho do bebê ficou vulnerável. Teria sido impossível segurá-lo pelo calcanhar, não molhá-lo, mas molhar o pé, não é mesmo?  Pelo visto, tratava-se apenas de um dos calcanhares, ficando o outro dentro da água. Que posição estranha para mergulhar a criança!

Já homem feito (ou seria semideus?), ao participar da Guerra de Troia, Aquiles levou uma flechada envenenada exatamente naquele local desprotegido, vindo a falecer. Portanto, meu caro leitor, se você tem algum lugarzinho em seu corpo, através do qual pode ser atacado e ferido com facilidade, trate de revesti-lo com chapas de aço.

Se o seu lugar vulnerável for o coração, procure adotar uma nova postura na maneira como vê a vida, não se deixando abater por coisas que não valem a pena, a vida é muito curta para isso. Caso perceba o calcanhar de Aquiles em outra pessoa, evite feri-lo, porque nem todos os feridos vão a óbito. Alguns pegam a própria flecha e revertem-na para o ofensor, trazendo-lhe muitos aborrecimentos.

Ilustração:The Wrath of Achilles – François-Léon Benouville

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O BOM CABRITO NÃO BERRA

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Segundo Reinaldo Pimenta em seu livro A Casa da Mãe Joana, o ditado popular o bom cabrito não berra surgiu em meio aos criminosos do estado do Rio de Janeiro, ganhando muita popularidade. Na linguagem dos prisioneiros, o verbo “berrar” possuía o mesmo significado de “delatar”, entregar o companheiro. Dito ainda muito usado nos dias de hoje, pois delatar, no mundo do crime, é assinar uma sentença de morte.

É sabido que entre aqueles que vivem à margem da lei, uma delação é considerada inaceitável. O alcaguete, segundo o código da bandidagem, não merece perdão, e seu castigo é a morte. Por isso, vemos o quanto é difícil um marginal entregar outro, quando preso. E se o faz, passa a temer por sua vida, tendo muitas vezes que se colocar sob proteção judicial que nem sempre consegue evitar o pior.

Na tentativa de convencer o bandido a falar, a justiça oferece-lhe a delação premiada. Benefício previsto em diversas leis brasileiras, tal delação é legal e tem como objetivo convencer o criminoso a contar a verdade, entregando seus companheiros numa investigação. O cúmplice, ao “berrar”, poderá ser beneficiado, dependendo do grau de seu delito, com:

  • a diminuição da pena de 1/3 a 2/3; ou
  • o cumprimento da pena em regime semiaberto; ou
  • a extinção da pena; ou
  • o perdão judicial.

A chamada delação premiada sofre críticas de alguns segmentos da sociedade que a julgam aética, pois instiga a traição – comportamento não aceitável para os padrões modernos – e para se safar muitas mentiras são repassadas como se verdadeiras fossem. Levando em contar o aspecto jurídico, tais segmentos criticam o fato de que uma pessoa que cometeu o mesmo crime e com idêntico grau de culpabilidade seja punida de maneira diferente, rompendo com o princípio da proporcionalidade da pena. Eu, pessoalmente, não concebo a ideia de que um criminoso possa ser premiado por delatar outro. Penso que seja uma maneira esdrúxula de se fazer justiça.

Fontes de pesquisa:
A Casa da Mãe Joana/ Reinaldo Pimenta
http://jus.com.br/revista/texto/3620/delacao-premiada

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CAIR NO CONTO DO VIGÁRIO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Segundo o Aurélio, “Conto do Vigário” significa: 1.Embuste para apanhar dinheiro, em que o embusteiro, o vigarista, procura aproveitar-se da boa-fé da vítima, contando uma história meio complicada, mas com certa verossimilhança/ 2. P. ext. Qualquer embuste para tirar dinheiro ou bem material alheio. No vocabulário jurídico o termo usado para o conto do vigário é “estelionato”,

Quanto mais crescem os recursos de comunicação mais a trapaça encontra um campo fértil. Ainda que vivamos em pleno século XXI, os embusteiros encontram uma rica clientela, pois, segundo afirmou P. T. Barnum – ilusionista e dirigente de um circo de variedades – “nasce um trouxa a cada minuto”. Engana-se quem pensa que são apenas as pessoas simplórias a cair em tais engodos. Em certos embustes, enganador e enganado tornam-se cúmplices, ainda que indiretamente, pois ambos estão em busca de vantagens fáceis, ou seja, o enganado também está à procura de vantagens.

Os trapaceiros encontram-se encarapitados até nos púlpitos dos templos, vendendo a salvação eterna aos panacas. Trocando em miúdos, para o fiel crédulo é muito mais fácil comprar a sua salvação do que levar uma vida regrada no mundo dos vivos, ou seja, ele é tão vivaz quanto o trambiqueiro. E assim, vão proliferando as mentiras mundo afora como se verdades fossem. De ambos os lados não há santos.

Se não houvesse a predisposição para levar proveito por parte da vítima, os vigaristas não lograriam êxito em suas empreitadas. O embusteiro ainda conta com um ponto a seu favor: o silêncio do lesado, envergonhado por ter caído num golpe em que também estava à cata de ganhos fáceis. Enquanto o primeiro desaparece do cenário, o iludido é projetado, servindo-se de motivo de chacota. Mas em sã consciência muitos poucos de nós poderiam se orgulhar de nunca ter caído num conto do vigário.

Ao que se sabe, apenas na língua portuguesa este tipo de trapaça é associada ao “vigário”, tendo aparecido tal locução primeiramente em Portugal e no Brasil. O que se presume é que no passado, certos trapaceiros passavam-se por figuras eclesiásticas (merecedoras de grande confiabilidade, à época) para urdirem suas trapaças. E sendo os dois países citados muito católicos, o fato de tratar-se de um “vigário” dava mais credibilidade à trama, levando os espertalhões a deitarem e rolarem.

Segundo Vicente Reis, autor de Os Ladrões do Rio, havia uma quadrilha internacional, principalmente na Espanha, preparada para aplicar golpes nos países escolhidos. Enquanto uns meliantes ficavam no país de origem, outros partiam para terras estrangeiras (Portugal, França, Brasil, Itália, Argentina, etc.) em busca das possíveis vítimas, normalmente pessoas ricas e respeitáveis e cheias de boa-fé, é claro. Quando o escolhido para ser ludibriado menos esperava, chegava-lhe uma carta do exterior, de indiscutível autenticidade (selos, carimbos, chancelas…) de um religioso, com a história de uma órfã, grande herança e coisa e tal.

Segundo alguns, o conto do vigário é tão antigo, que já se encontra no Antigo Testamento, Gênesis, cap. 30, versículos: 31 a 45 , quando Jacó enganou Labão. E não é que é verdade! Para José Augusto Dias Júnior, “O conto do vigário aparece como um retrato invertido da vida e da cultura de uma comunidade em um período de sua história”. Já Vicente Reis explica que “É um laço armado com habilidade e boa fé do próximo ambicioso. É o caso em que os espertos fazem tolos e o tolo quer ser esperto”.

O escritor português Fernando Pessoa, contudo, tem outra explicação para a origem da expressão “conto do vigário” que, segundo ele, foi nascida em Portugal. Atesta que certo proprietário rural e negociante de gado, de nome Manuel Peres Vigário foi o responsável pela origem da expressão. Para conhecer a história, leiam o artigo O CONTO DO VIGÁRIO

Fonte de pesquisa:
Os Contos e Os Vigaristas/José Augusto Dias Junior

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DE MÉDICO E DE LOUCO…

Autoria de Lu Dias Carvalho

Há dias venho recebendo inúmeras notificações sobre a importância do bicarbonato de sódio na cura disso ou daquilo. Confesso que nunca fui nem um pouco crédula nas curas miraculosas, propagadas ao deus-dará. No entanto, ao ler A Incrível História dos Remédios – Robert e Michele Root-Bernstein (Editora Campus) – passei a compreender que tudo é possível, pois muitas receitas de raízes, ervas e larvas, usadas antigamente na cura de doenças, começam a ser aceitas na medicina alopática e homeopática.

O que acontece, meus caros amigos, é que muita coisa, até então vista como grotesca, passa a ser normal aos olhos da medicina moderna. E certas crendices ou remédios populares assumem um novo patamar na nossa história medicinal. O assunto é fascinante, ainda mais que de médico e louco, todos nós temos um pouco. Uma grande verdade disse Sir William Osler, famoso médico canadense, em 1902: “As filosofias de uma época tornam-se os absurdos da era seguinte e as tolices de ontem tornam-se a sabedoria de amanhã”. Durmam com um mexinflório deste!

A minha avó Otília sempre dizia que não podemos duvidar de absolutamente nada neste velho mundo de meu Deus. É seguindo esta sua filosofia que me encontro hoje. Nem mesmo a borra de café, usada para estancar o sangue de cortes na cabeça, usadas em certas regiões deste nosso imenso país, amedronta-me mais. Podem me lambuzar à vontade com tal borra na falta de um especialista. Perdida por pouco, melhor é estar perdida por muito. Se não curar, serve para fortalecer os miolos.

É interessante notar como certas terapias, até então consideradas absurdas, estão sendo vistas sob um novo olhar, depois de descobertas as suas bases científicas. Dentre elas, os autores citam os banhos de imersão, as sangrias e a aplicação de larvas para curar feridas. Imagino que alguns dos leitores estejam se arrepiando, só de pensar em ter um monte de larvas sobre as feridas de seu corpo. Também me encontro na expectativa de encontrar alguns insetos que possam remover as ulcerações da alma humana e, quem sabe, as chagas que nos provocam as paixões agudas. Vocês já imaginaram como seria bom se pudéssemos ligar para o larvário mais próximo e pedir:

– Por favor, mandem-me uma dúzia de crisálidas, pois preciso me curar de uma dor de cotovelo, o mais rápido possível.

No outro dia, após tal aplicação, amanheceríamos leves e soltos, como um monte de borboletas esvoaçantes, prontos para uma nova temporada de paixonite aguda. Mudaríamos apenas de agente infeccioso, pois novas paixões brotariam. Por isso, paixão vai, paixão vem… E a vida continua. O bom mesmo é curar ganância, egoísmo e desumanidade com os bichos, as gentes humildes e a Terra como um todo.

As sanguessugas com suas ventosas também estão na ordem do dia. Já estão sendo aplicadas em terapias. O que sentimos é que, ao trazer certos tratamentos milenares, frutos do aprendizado dos povos em diferentes culturas e épocas, a medicina moderna dá um grande passo em direção à sabedoria popular. Ainda bem que muitos conceitos estão sendo revistos. Portanto, olhem agora com mais carinho para os chazinhos disso e daquilo, ensinados pelos mais velhos. Ainda existe muita sabedoria popular sendo trazida à luz de nossos tempos.

 

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O OVO DE COLOMBO

Autoria de Lu Dias Carvalho

ovo1    ovo

Segundo contam os historiadores, estava o explorador e navegador genovês Cristóvão Colombo – responsável por conduzir a frota que chegou ao continente americano – participando de um banquete realizado para comemorar sua empreitada, quando um dos convivas perguntou-lhe se outra pessoa poderia ter sido capaz de realizar o mesmo feito. Antes de responder, o navegador provocou os presentes para que botassem um ovo fresco de galinha de pé sobre a mesa, usando qualquer uma de suas extremidades. É claro que ninguém conseguiu tal façanha.

Colombo propôs, então, mostrar como resolver tal proeza: pegou o ovo e bateu levemente uma de suas extremidades contra a mesa, quebrando minimamente a casca e colocando-o de pé. Um dos presentes exclamou que qualquer um poderia ter feito aquilo, se daquele jeito fizesse. Ao que o navegador acrescentou que de fato poderia, porém, o mais difícil era ter tal ideia. Ou seja, primeiro é preciso que alguém coloque a ideia em prática, para que outro possa segui-la com facilidade.

Muitos historiadores atestam, contudo, que tal proeza diz respeito ao arquiteto italiano Fillipo Brunelleschi (já estudamos sobre ele aqui no nosso site), quando projetou o famoso domo da Catedral de Santa Maria del Fiore, na cidade de Florença, Itália. Sendo Colombo também um italiano, ele a conhecia, tendo apenas reproduzido a façanha diante dos espanhóis. Outros, porém, atribuem a artimanha feita com o ovo ao construtor Juanelo Turriano. Mas não nos importa os meandros da história, o fato é que ela ficou conhecida como o ovo de Colombo.

Tal expressão passou a significar algo muito fácil de ser realizado, mas depois que alguém já o tenha feito. Abaixo a afirmação de Colombo:

Convenhamos, entretanto, que apesar de sua simplicidade e facilidade, você não descobriu a solução, e apenas eu removi a dificuldade. O mesmo ocorreu com a descoberta do Novo Mundo. Tudo que é natural parece fácil, após conhecido ou encontrado. A dificuldade está em ser o inventor, o primeiro a conhecer ou a demonstrar. (Cristóvão Colombo)

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UM ARRANCA-RABO

Autoria de Lu Dias CarvalhoVetores Tapa de gato: Desenho vetorial, imagens vetoriais Tapa de gato|  Depositphotos

Por ocasião das últimas eleições para prefeito de Coxixó da Serra, tive a oportunidade de assistir a um comício na cidade. Ali me encontrava em visita a um familiar. Tirando as promessas mirabolantes e a verborragia vindas do palanque, tudo teria transcorrido na mais absoluta e costumeira pasmaria, se certa madame do lado opositor aos participantes do comício não tivesse passado pelo local e dado um tapa na cara da matrona, esposa de um dos candidatos, motivo suficiente para que o pau comesse.

As duas “finas” damas, depois de esbofetearem-se mutuamente seguidas vezes, passaram a rolar no chão, disputando para ver quem ficava por cima durante mais tempo, pouco se importando com as vergonhas, uma vez que ambas se encontravam de saia e com a camiseta de seu partido. O comício foi interrompido, uma vez que os presentes, achando que a rixa tinha bem mais emoção, voltaram as costas para o palanque com seus não muito distintos oradores com suas contumazes mentiras e promessas deslavadas. Toda a atenção pública passou a concentrar-se nas duas gladiadoras. A turba, como é comum acontecer,  instigava a desavença. Queria mais!

A notícia da quizila correu as ruas poeirentas de Coxixó da Serra. Os partidários da agressora, responsável pelo tabefe inicial, foram chegando e tomando o seu partido. Os seguidores da colega de comício também acharam por bem tomar suas dores. Assim, o tumulto dividiu-se em duas torcidas organizadas. Ninguém acudia. Ninguém separava. Todos queriam ver o circo pegar fogo. Repentinamente uma guinchada de sangue atingiu o rosto de alguém da plateia. Uma das desordeiras havia literalmente tirado parte da orelha de sua opositora que, em contrapartida, arrancou-lhe a ponta do nariz.

O arranca-rabo só acabou quando as tais foram parar na delegacia, sendo logo após encaminhadas ao posto de saúde, para tomarem vacina contra raiva e coisa e tal.  Dizem as más línguas que as duas chibantes desfilam atualmente por Coxixó da Serra de braços dados. Uma sem a ponta da orelha e a outra sem a ponta do nariz, mas agora pertencentes ao mesmíssimo partido. Que loucura!

O termo arranca-rabo foi trazido pelos colonizadores portugueses que, por sua vez, herdaram-no da tradição egípcia. Está ligado às batalhas de antigamente, quando arrancar o rabo do cavalo do inimigo era um grande trunfo. Quanto mais rabos de cavalos apresentasse, mais prestigiado era o guerreiro. Tal costume também foi comum entre os cangaceiros nordestinos, aqui no Brasil, como forma de humilhar os donos das propriedades invadidas. As bestas humanas digladiavam e eram os pobres animais as maiores vítimas, sem terem nada a ver com a rixa. O que prova que o rabo dos mais fracos sempre fica mais desprotegido.

Fontes de Pesquisa:
A Casa da Mãe Joana / Reinaldo Pimenta
http://www.brasilescola.com/curiosidades/arranca-rabo.htm

 

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