Arquivo da categoria: Ditos Populares

A sabedoria popular está presente em todas as línguas, sendo expressa através de várias maneiras: provérbios, adágios, sentenças, aforismos, parêmias, apotegmas, anexins, rifões, ditos e ditados populares.

MEDO DA PRÓPRIA SOMBRA

Autoria de Lu Dias Carvalho

BUCE

 O medo é um instinto de sobrevivência necessário à nossa vida, mas quando se torna extremo, transforma-se numa fobia que pode arrastar o indivíduo à loucura. Engraçado é que, enquanto alguns homens conseguem encobrir seus medos, os animais escancaram-nos, sempre que se veem ameaçados. Mas, uma vez passada a ameaça, eles retornam à normalidade, enquanto nós humanos ficamos a ruminá-lo por muito tempo, o que  faz um tremendo mal à nossa saúde.

 A expressão “medo da própria sombra” nasceu, segundo o escritor Reinaldo Pimenta, em seu livro “A Casa da Mãe Joana”, quando um cavalo muito fogoso foi oferecido a Felipe II, rei da Macedônia, que rejeitou o animal, pois esse era muito nervoso e impossível de domar. Porém, seu filho Alexandre Magno, que mais tarde receberia a alcunha de “o Grande”, ainda nos seus 15 anos, disse ao pai que seria capaz de domar aquele animal indócil.

 Ao aproximar-se do cavalo, o rapazote notou que ele se assustava ao ver a própria sombra. Colocou-o de frente para o sol, deixando a sombra às suas costas. Alexandre montou no cavalo, cavalgando sempre em linha reta, cumprindo a sua palavra de que seria capaz de domesticar o fogoso animal. Deu-lhe o nome de Bucéfalo.

Ilustração:  Alexandre Magno e seu cavalo Bucéfalo, na Batalha de Isso. Mosaico encontrado em Pompeia, hoje no Museu Arqueológico Nacional, situado em Nápoles.

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HEURECA! HEURECA!

Autoria de Lu Dias Carvalho

eureca1

Conta-se que Hierão, rei da Sicília, foi certa vez presenteado com uma coroa de ouro, sendo que o doador apregoava aos quatro ventos que a dádiva fora feita de ouro maciço, o que acabou por despertar a curiosidade do monarca. Como o ser humano nunca foi digno de total confiança, sendo afeito a parlapatices e bazófias em quaisquer que tenham sido os tempos, o soberano achou por bem testar a veracidade dos fatos, ou seja, buscar a certeza de que a oferenda era tal e qual espalhava pelo reino o dadivoso, pois a curiosidade estava a tirar-lhe o sono.

Havia, contudo, um embaraço que apoquentava o tal rei, roubando-lhe noites e noites de sono: como descobrir a verdade. Até a rainha já estava incomodada de tanto ouvir os passos do marido ressoando, noite após noite, pelo quarto real. O soberano foi então informado de que poderia confiar sua problemática a um único homem: Arquimedes. Se ele não a resolvesse, melhor seria derreter a coroa, o que não desejava fazer, para conferir o material, ou então crer na palavra do ofertante.

Ao respeitado cientista prático e teórico, Arquimedes, coube a missão de retirar da cabeça do soberano aquele peso, não o da coroa, mas o da curiosidade. Ele se pôs a pensar e pensar. Quem estava agora preocupada com as noites insones do marido era sua esposa, fatigada com a dificuldade da empreitada. Pobre esposo! A tarefa não era fácil, mas é certo que não seria impossível, já que ter ideias era seu mister. E para comprovar a máxima de que o Universo conspira a favor de quem quer algo com todas as forças de seu ser, enquanto tomava banho, o matemático concluiu que se o nível da água subia, quando ele entrava na tina, logo poderia conhecer a densidade da substância de que fora feita a coroa, medindo o volume de água deslocado.

Conta a história que Arquimedes ficou tão eufórico por encontrar a solução para acabar com o agastamento real que se esqueceu de que estava nu e saiu gritando pelas ruas:

– Heureca! Heureca!

Nota: Segundo o Aurélio, a palavra eureca ou heureca é uma interjeição que vem do grego heúreka, pret. perf. do ind. de heurískein, ‘achar’, ‘descobrir’. Emprega-se, quando se encontra a solução de um problema difícil.

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SÓ FALAVA ABOBRINHAS

Autoria de Lu Dias Carvalho abobrinha

Não é fácil passar uma noite acompanhando alguém que só fala abobrinhas. Ninguém merece tamanho desatino, ainda mais quando se sai de casa com o intuito de divertir-se. E foi justamente uma senhora, com uma dessas mentes de ameba, que se sentou ao meu lado, durante o jantar de noivado de um casal de amigos.

Éramos cerca de duas dúzias de pessoas, algumas das quais – parentes do noivo – eu jamais vira. Os lugares na mesa  traziam o nome das pessoas no intuito de fazer com que houvesse interação entre conhecidos e desconhecidos. E o meu estava lá, entre a dita senhora e seu esposo, um senhor de óculos, taciturno, totalmente desligado do mundo à sua volta, mas com um apetite voraz e cujos olhos não desgrudavam do prato.  À direita estava sua caricaturesca senhora, uma matraca viva. Ao contrário de seu varão, a varoa não mostrava nenhum interesse pelas iguarias servidas, pois se encontrava sob os ditames do regime. Estava ali apenas para matraquear, sem nenhum interesse pela sua ouvinte – no caso eu, esta criaturinha pura e indefesa que ora escreve (sem risos). A pessoa da ilustração sou eu gritando: – Pare!

Eurides Flores Pombal começou desfiando a sua árvore genealógica, sendo que em cada galho habitava uma “ilustríssima” personagem, responsável por ter feito isso e mais aquilo pelo país. A seguir pôs-se a descrever seus giros pelo mundo, só lhe faltando conhecer o Monte Olimpo. Parolou minutos a fio sobre suas cirurgias, feitas nos centros mais renomados do país. Tagarelou sobre seus amigos endinheirados, figuras do mais alto escalão da república tupiniquim.  E eu ali, mudinha da silva, com um sorrisinho amarelo, tentando levar a tortura numa boa. E pior, não conseguia comer nada, embora estivesse faminta, pois a matrona era daquele tipo que, se o interlocutor não estivesse olhando – olhos nos olhos –, ela fincava o seu dedo no braço dele. Meu marido e eu deixamos o grupo às três horas da madrugada.

Tive um pesadelo horroroso após poucos minutos de sono. Comecei a ver abobrinhas saindo aos montões da bocarra da dita madame. Elas caíam pela mesa, derrubando tudo: taças de cristal, travessas de porcelana e tudo que se encontrasse pela frente, num caos infernal.  Tapei os olhos com a barra da toalha de linho branco,  derrubando o resto de coisas que ainda jaziam de pé. As pessoas levantaram-se de seus assentos e começaram a gritar comigo, todas falando ao mesmo tempo. Acordei gritando:

– Abobrinha, não! Abobrinha, não! Abobrinha, não!

E por falar em abobrinhas, a expressão “só fala abobrinhas”, muito conhecida em nossos dias, originou-se quando a nossa moeda ainda era o cruzeiro e a nota de mil cruzeiros ganhou o apelido de abobrinha, pois a cédula tinha a cor do fruto da aboboreira. Com a inflação galopante, ela foi perdendo progressivamente o seu valor de compra. Hoje, “falar abobrinhas” significa uma conversa sem sentido, sem crédito, papo furado, ou seja, totalmente sem significância.

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LÁGRIMAS DE CROCODILO

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Haja falsidade, hipocrisia ou fingimento nos tempos de hoje. Os crocodilos não mais habitam somente os rios, lagos e lagoas, ao contrário, estão espalhados por aí, na maioria das vezes em volta de nós mesmo, nos mais diferentes lugares e situações, mesmo quando não existe água por perto. Os mais perigosos são os bípedes, porque nunca compreendemos de fato os sentimentos que deles emanam, prestando-se a quaisquer atos para atingir seus objetivos, ainda que escusos, sem jamais dizerem a que vieram.  Agem ao contrário dos rastejantes que já mostram o que querem, sem usar de nenhum artifício, ainda que as lágrimas escorram pela cara.

Segundo o escritor Reinaldo Pimenta, em seu livro “A Casa da Mãe Joana”, existem três explicações sobre a origem da expressão “lágrimas de crocodilo”:

O historiador Plínio, o Velho, dizia que os crocodilos presentes nas margens do rio Nilo choravam para atrair a atenção das pessoas que por ali passavam, para depois devorá-las. Aqueles répteis, acreditava Plínio, eram excelentes fingidores e, consequentemente manipuladores, sempre na tocaia, de olho nos humanos desacautelados.

Já uma lenda medieval conta que os crocodilos choravam após degustar uma pessoa. Que estranho! Tal comportamento se daria em razão do arrependimento, prazer ou porque a refeição fora insatisfatória? Nada mais do que um mito!

A Ciência, contudo, comprova que ao mastigar, o animal pressiona o céu da boca e comprime suas glândulas lacrimais que fazem com que lágrimas rolem por sua cara de poucos amigos. Ainda bem que a Ciência impede os prudentes de saírem contando lorotas por aí.  É a responsável por desbancar as asneiras criadas a bel prazer dos humanos para validar suas tolas crenças. Estão desbancados, portanto, o historiador Plínio assim como a lenda medieval. Como não tirar o chapéu para a Ciência? Agora os répteis crocodilianos podem chorar à vontade sem que ninguém os perturbe.

Como está comprovado que o crocodilo não é capaz de sentir emoção, não estando nem aí para os queixumes de sua presa, é certo que jamais derramaria uma gota de suas lágrimas por ela. Mas o crocodilo bípede, no entanto, sente emoções e sabe muito bem o que está fazendo. Fique de olho nele, pois, embora possa chorar, suas lágrimas nem sempre demonstram solidariedade ou sofrimento, não passando do mais puro e refinado fingimento. Neste caso, dê-lhe o endereço de uma escola de dramaturgia e tenha um “amigo” que chora lágrimas de crocodilo, mas que é também um tremendo artista. Mas fique de olho aberto em suas encenações.

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VAI LAVAR A ÉGUA…

Autoria de Lu Dias Carvalhoasno

Meu primo Sidnelson Silveira Silva, também conhecido como Sid SS, é cheio de ideias, mas nunca as põe em execução. Sempre que o encontro ele me diz que vai trabalhar com isso ou aquilo e vai lavar a égua com o lucro que terá. Já fez plantação de parreira, montou conjunto musical, foi barista, salva-vidas, professor de dança, gesseiro, escritor, alambiqueiro, criador de galinhas e até treinador de cães, sem nunca ter colocado a mão na massa em coisa alguma e muito menos na apregoada bufunfa. Até hoje nunca vi o Sid SS lavar a égua de uma forma ou de outra, pois nunca botou a mão num equino. E assim, o matreiro vai tocando a vida sem fazer coisa alguma. Vive só a contar pabulagens, pois fanfarrices é a sua real profissão.

Nas últimas eleições Sid SS cismou que iria ser vereador. Filiou-se a um partideco qualquer e pôs-se rua acima e rua abaixo à cata de votos, coisa que fez com prazer, uma vez que já era mestre em tal esporte – medir rua. Apresentava-se todo sério, já imbuído das manhas das raposas velhas da política – e das novas também –, prometendo isso e aquilo, enquanto para os mais íntimos dizia que, se eleito fosse, iria lavar a égua. Não apenas lavaria a sua égua, mas a de toda a família e a dos amigos.

Sid SS, para felicidade do povo de sua cidade, teve apenas sete votos: o dele, o do pai, o da mãe e o de quatro amigos que também esperavam lavar a égua. Mas o fulano já faz planos mirabolantes para o próximo pleito, quando se candidatará a deputado estadual, caso não seja convidado para disputar a prefeitura da pequena cidade de Ninguém Merece. Mas de onde o meu primo potoqueiro tirou esta expressão que parece ser o seu slogan de vida? Encontrei duas explicações para a tal:

A primeira – brasileiríssima – conta que os escravos descobriram que o ouro que as mulas levavam, acabava caindo sobre o pelo das fidelíssimas trabalhadoras. E por nisso acreditarem, ao soltarem as bichinhas no pasto, já mais mortas do que vivas em razão do árduo trabalho, aproveitavam para jogar água sobre elas, no intuito de  aparar a água escorrida com a bateia, para pegarem algum restinho de ouro que por acaso ali estivessem. Eles estavam certos de que quem não arrisca não petisca.

A segunda versão – mais elitista – conta que a expressão lavar a égua nasceu em meio ao turfe, significando bons resultados e, consequentemente, muito dinheiro. Conta-se que o ganhador comemorava sua vitória dando um rico banho de champanhe em sua égua. Pelo visto as éguas de lá eram diferentes das de cá.

No Brasil há muita gente lavando a égua com o alheio desde o tempo do Brasil Colônia. No submundo da gestão pública,  por exemplo, trapaceiros passam por santos de pau oco. Haja éguas para serem lavadas num país de espertalhões e pilantras, onde a Justiça e a mídia fazem ouvidos de mercador na maioria das vezes.

Não confunda, meu caro leitor a “égua” falada acima com a “égua” dita no estado do Pará. Naquelas terras o vocábulo égua tem outro sentido, ou melhor, vários. Pode significar admiração, espanto, alegria, mas também raiva, surpresa e insatisfação, dependendo da entonação dada à palavra. Exemplos:

Égua, que jogo bom! (Admiração)
Égua, você por aqui! (Surpresa)
Égua, eu nem acredito que passei na prova! (Felicidade)
Égua, que susto! (Espanto)
Égua, eu não quero mais ficar aqui! Vou pedir demissão. (Raiva)

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ESTAR COM O OVO VIRADO

Autoria de Lu Dias Carvalho

ovo

Existem pessoas com as quais é difícil lidar, pois parecem se encontrar sempre de ovo virado. Estão sempre de mal com tudo à sua volta, reclamando disso e daquilo, pois nada está bom, nada lhes agrada.  Não carregam sorrisos nos lábios e tampouco louvam o nascer de um novo dia, nem mesmo que ganhassem uma galinha com ovos de ouro. Um cumprimento na boca de gente desse tipo é como chuva no deserto, e conversar com elas é um desperdício de palavras. É uma danação conviver com uma pessoa que já acorda com o ovo virado, pois nos faz ter azia ou má digestão. O melhor a fazer é botar milhas e milhas de distância de gente assim, pois viver pisando em ovos não é tarefa fácil nos dias de hoje.

Alguns carrancudos alegam que, ao exercer a função de chefia, precisam estar sempre sérios e azedos, para serem respeitado pelos comandados. Certos patrões no trato com seus serviçais acham que esses não são merecedores de gentilezas para não ficarem mal-acostumados. E existem certos tipos que basta subir num tijolo para mudar a personalidade, achando-se os tais, acima de todos.  Franzem cara, como se tivessem com um ovo atravessado na saída do oritimbó.  Tola raça humana, não aprende mesmo que a vida é passageira e somos todos iguais diante da morte e, consequentemente,  deveríamos ser iguais também diante da vida.

Onde fica o ovo virado na história? A sabedoria popular é de uma riqueza inestimável. Nada possui base científica, sendo tudo fruto da observação empírica. As expressões criadas caem sempre como uma luva. A expressão estar de ovo virado, por exemplo, é de origem popular, nascida da observação do povo no meio rural. Assim como o bebê deve nascer com a cabecinha para baixo, para não trazer demasiado sofrimento à mãe, o saber popular reza que o  ovo da galinha deve estar com a parte mais fina para baixo, na hora de ser expelido. Caso esteja ao contrário, a ave passa por maus momentos, podendo até morrer. Qualquer um fica nervoso e mal-humorado com a presença da dor, até mesmo os bichos, nascendo daí a expressão estar com o ovo virado. Vale lembrar que os humanos não precisam sentir dor para ficarem com o ovo virado.

E por falar em ovo, quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?

 

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