Arquivo da categoria: História da Arte

O mundo da arte é incomum e fascinante. Pode-se viajar através dele em todas as épocas da história da humanidade — desde o alvorecer dos povos pré-históricos até os nossos dias —, pois a arte é incessante.

UM NOVO ESTILO – IMPRESSIONISMO I (Aula nº 81)

Autoria de Lu Dias Carvalho

Na nossa viagem pela História da Arte passamos por diferentes épocas da história da humanidade: Pré-História (Período Paleolítico/ Período Neolítico/ Idade dos Metais), Antiguidade, quando nos defrontamos com a arte do Mundo Antigo (Egito/ Grécia/ Roma) e a Arte Bizantina. Na Idade Média tivemos contato com dois importantes estilos: Românico e Gótico. Na Idade Moderna travamos contato com os seguintes estilos: Renascimento, Maneirismo, Barroco e Rococó. Adentramos na Idade Contemporânea — esta em que vivemos, iniciada no século XVIII, continuando até os nossos dias —, responsável por um grande leque de estilos. Já vimos: Neoclassicismo, Romantismo, Realismo e agora nos embrenhamos na história belíssima do Impressionismo.

Na segunda metade do século XX um grupo de artistas revoltou-se com o excesso de temas históricos e o refinado acabamento que o Salão de Paris exigia, excluindo suas obras da exposição do Salão Oficial. O que interessava a esses pintores era retratar a vida moderna como a viam num determinado instante, a captura da impressão do momento no qual estavam presentes os fugitivos efeitos da luz solar. O contato entre eles teve início na década de 1860. Claude Monet conheceu Camille Pissarro por volta de 1860.  Alfred Sisley, Frédéric Bazille e Claude Monet conheceram-se em 1862 e Paul Cézanne passou a relacionar-se com o grupo por volta de 1863, ano em que o Salon des Refusés (Salão dos Recusados) expôs os quadros recusados pelo Salão oficial. Por sua vez, Edgar Degas e Édouard Manet vinham travando contato com o resto dos pintores desde finais da década de 1860. Eles se reuniam no Café Guerbois, onde trocavam ideias relativas à arte vigente. Seus quadros foram aceitos até o ano de 1870 pelo Salão oficial, angariando um relativo êxito, mas, após essa data, o júri passou a não os admitir com muita frequência.  

Claude Monet e Bazille tinham como projeto a realização de uma exposição independente que acabou não sucedendo, mas foi o germe para a que viria a acontecer anos depois. Veio a guerra franco-prussiana que desmanchou o grupo em 1870. Claude Monet e Camille Pissarro voltaram de Londres em 1871, onde se exilaram, mas não contavam mais com a presença de Frédéric Bazille que havia morrido na frente de batalha. O grupo resolveu deixar o Salão oficial, com exceção de Édouard Manet que ali continuou a expor seus trabalhos regularmente. As exposições independentes do grupo aconteceram entre os anos de 1874 a 1886. Tinham como objetivo encontrar uma saída para suas obras que se viam à margem do Salão oficial. Dentre os participantes da primeira exposição encontravam-se: Claude Monet, Camille Pissarro, Pierre-Auguste Renoir, Alfred Sisley, Edgar Degas, Paul Cézanne e Berthe Morisot. Esses sete artistas, responsáveis por realizar a primeira exposição em 1874, junto a Édouard Manet e a Edgar Degas (ainda que esses dois em razão de seus métodos e técnicas se mostrassem mais distantes do grupo) são tidos como os mais importantes pintores impressionistas.

Embora esse grupo de impressionistas tivesse como foco as exposições independentes, não significava que carregassem os mesmos ideais artísticos ou as mesmas concepções. Os objetivos artísticos e as ideias sobre a existência das exposições foram ficando cada vez mais diferenciados, como indica a mostra de 1886, a última delas, na qual se encontravam, como participantes do grupo inicial, apenas Edgar Degas, Camille Pissarro e Berthe Morisot. Os demais eram todos artistas novos, como Paul Gauguin, Georges Seurat e Paul Signac. As duas impressionistas mais conhecidas são a francesa Berthe Marie Pauline Morisot e a estadunidense Mary Stevenson Cassat que retrataram mulheres em ambientes domésticos, pois damas “respeitáveis” não podiam ter o mesmo comportamento dos homens à época. Esses podiam sair livremente a pintar cenas da vida contemporânea pelos campos e parques da cidade.

Os artistas impressionistas inspiravam-se no temperamento realista de Gustave Courbet e de seus seguidores, assim como nas paisagens em plein air (ar livre) dos pintores da Escola de Barbizon — Theodore Rousseau, Charles-François Daubigny e Jean-Baptiste-Camile Corot —, só que esses, excetuando Daubigny, acabavam suas pinturas no estúdio, o que, para os pintores impressionistas como Monet, Sisley, Renoir e Bazille — pelo menos no início do movimento — era totalmente impróprio. O poeta e teórico da arte francesa Charles-Pierre Baudelaire, já na década de 1840, solicitava aos artistas que refletissem sobre o tema do “heroísmo da vida moderna”. E Eugène Boudin, um dos mais interessantes pintores precursores do Impressionismo, escreveu em 1868 que “queria encontrar uma maneira de tornar aceitáveis os homens com casacos e as mulheres com impermeáveis, pois os burgueses que caminham pelo quebra-mar para o poente têm o mesmo direito que os camponeses de ser retratados nos quadros”.

Monet e Renoir passaram a retratar os passatempos suburbanos dos burgueses, a classe média passeando e divertindo-se pelos parques e campos dos arredores cidade parisiense. Pissarro enveredou-se pelos povoados dos arredores de Paris, interessando-se pelos camponeses que ali trabalhavam. Manet, Monet e Pissarro também representaram a temática da estação de trem e os trens. Durante a década de 1870, Renoir, Degas e Manet agregaram a seu trabalho outros temas da vida moderna: o mundo dos entretenimentos da cidade — da ópera ao café da classe trabalhadora. Degas, por sua vez, foi encantado pelo balé, através do qual externava os sentimentos dos bailarinos e também o entrelaçamento intrincado das figuras.  O nu feminino também foi retratado pelos impressionistas.

Muitos artistas que compunham o grupo de impressionistas continuaram envoltos por uma grande amizade, principalmente Claude Monet, visto como o pai dos impressionistas, Pierre Auguste Renoir e Camille Pissarro, no entanto, no que diz respeito ao trabalho artístico, começaram a tomar caminhos diferentes, como é comum acontecer na história da Arte. Mesmo que o círculo impressionista tenha se desfeito no final da década de 1880, a sua influência foi grande e duradoura. Mesmo tendo atingido o seu auge na França, o Impressionismo propagou-se por todo o Ocidente, ainda que nunca tenha chegado a ser uma escola no sentido exato da palavra. O Impressionismo em termos gerais é fundamentalmente um estilo pictórico.

Fontes de pesquisa
Tudo sobre arte/ Editora Sextante
Manual compacto de arte/ Editora Rideel
A história da arte/ E. H. Gombrich
História da arte/ Folio
Arte/ Publifolha

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CAIPIRA PICANDO FUMO (Aula nº 80 D)

Autoria de Lu Dias Carvalho

O pintor, caricaturista, escultor, jornalista e professor Belmiro de Almeida (1858-1935) nasceu na cidade do Serro em Minas Gerais e morreu em Paris, França, aos 77 anos de idade. O artista iniciou seus estudos artísticos no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, indo depois para a Academia Imperial de Belas Artes na mesma cidade. Teve como professores Agostinho José da Mota, Zeferino da Costa e Souza Lobo. Ao formar-se na Academia Imperial de Belas Artes, o jovem passou a expor suas obras no Brasil e na Europa. Inicialmente optou pela caricatura, sendo um importante colaborador dos jornais cariocas. Trabalhou também como ilustrador. Viajou por conta própria, contando com a ajuda de amigos para se manter em Paris e Roma, permanecendo cerca de cinco anos no estrangeiro. Segundo o escritor e historiador da arte Rafael Cardoso, “o artista mineiro foi “uma das figuras mais interessantes das artes plásticas durante as quatro primeiras décadas da República”. Era um artista completo e de grande conhecimento cultural, tendo legado às futuras gerações uma obra rica e variada. É uma pena que não tenha tido o reconhecimento merecido pela posteridade.

A composição denominada Caipira Picando Fumo é uma das obras mais marcantes do pintor brasileiro Almeida Júnior que, segundo alguns, foi o responsável por introduzir, pela primeira vez, o homem brasileiro na pintura. Toda a sua obra está repleta de tipos que nos são bastante comuns.

O caipira é a única figura humana a fazer parte da pintura em estudo. Trata-se de um homem de meia idade, forte e de rosto marcado pela dureza da vida. Usa uma camisa branca de mangas compridas que vão até o punho, com uma abertura em forma de V no peito, e uma calça amarronzada já gasta pelo tempo, com a barra dobrada quase no meio da perna. Chama a atenção a parte visível da ceroula, comum àquela época, ultrapassando a perna esquerda da calça.

O homem encontra-se calmamente sentando sobre toras de madeira em frente ao paiol feito de taipa, absorto, picando seu pedaço de fumo com uma enorme faca em diagonal, usada para os mais diferentes serviços. Ele já preparou a palha de milho que se encontra atrás de sua orelha esquerda, para receber o fumo picado para o cigarro. No chão em volta dele é possível ver um monte de palhas espalhadas.

O pintor destaca com grande realismo as mãos ásperas e os pés toscos do caipira, com suas unhas sujas de barro, assim como a calça, assinalando a vida dura que leva no trato com a terra. Atrás dele vê-se uma porta entreaberta e sombreada. À frente uma árvore reflete sua sombra no chão. Parece ser este um momento de grande prazer para o homem da terra, tipo popular em Itu, apelidado de “Quatro Paus”.

Ficha técnica
Ano: 1893
Dimensões: 202 x 141 cm
Técnica: óleo sobre tela
Localização: Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, Brasil

Fonte de pesquisa
Almeida Júnior/ Coleção Folha

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OLÍMPIA (Aula nº 80 C)

Autoria de Lu Dias Carvalho                                                              (Clique na imagem para ampliá-la.)

Manet tem um grande talento, um talento que resistirá. Mas ele é frágil. Pareceu desolado e atordoado pelo choque. O que me impressiona é a alegria de todos os idiotas que acreditam que ele foi vencido. (Baudelaire)

Basta ser diferente dos outros, pensar com a própria cabeça, para se tornar um monstro. Você é acusado de ignorar a sua arte, fugir do senso comum, precisamente porque a ciência de seus olhos, o impulso de seu temperamento, levam-no a efeitos especiais. É só não seguir o córrego largo da mediocridade que os tolos apedrejam-no, tratando-o como um louco. (Émile Zola)

O pintor francês Édouard Manet (1832-1883) nasceu em Paris, numa família de classe alta, sendo seu pai juiz e sua mãe filha de um diplomata francês. Era o mais velho dos três irmãos: Eugène que viria a se casar com a pintora Berthe Marisot, e Gustave. Embora tivesse tido uma criação muito rigorosa, encontrando a oposição de seu pai em relação à carreira de artista, seu tio Édouard Fournier, irmão de sua mãe, levava-o ao Louvre, para conhecer os grandes mestres da pintura e da escultura. Para muitos as suas obras situam-se entre o realismo e o impressionismo. Manet esteve no Brasil quando era um simples marinheiro da Escola Naval, encantando-se com o exotismo do país, mas abominando a escravidão.

Nenhuma obra de arte causou tanto furor ao ser apresentada no Salão de Paris em 1865 como a Olímpia de Manet, numa reinterpretação de Vênus de Urbino do mestre Ticiano, em que a modelo é claramente vista como uma meretriz parisiense, embora adote uma pose semelhante à de Vênus no quadro citado. Seria Olímpia uma prostitua ou uma Vênus de sua época? O que choca a sociedade moralista e hipócrita é a falta de idealização do pintor, ao retratar a personagem nua, pois a Vênus moderna mostra-se dentro de um quarto de bordel.

Olímpia encontra-se num ambiente pequeno e contemporâneo, ao contrário da idealizada Vênus de Urbino (texto presente no nosso blogue), deitada sobre um xale de seda decorado com flores em suas margens. Ela pousa o braço direito sobre uma almofada branca e traz a cabeça levantada, olhando para o observador desdenhosamente. O painel rosado e as cortinas escuras impedem de ver o que há por trás, obrigando o observador a direcionar seu olhar para a mulher nua e sua cama desarrumada. Pode-se imaginar que algum cliente esteja à espera dos prazeres oferecidos pela Vênus mundana de Manet.

Críticos e público sentiram-se ofendidos com a tela do pintor. Ele foi julgado impiedosamente por sua irreverência, ao mostrar uma mortal comum e não uma ninfa clássica ou uma figura divina nua. Manet pagou um alto preço por confrontar a hipocrisia da época. A pintura também não agradou às mulheres presentes no Salão de Paris de 1865 que a consideraram imoral e uma afronta à sociedade. E pior, a composição não seguia os cânones do Salão, sendo vista apenas como a apresentação de uma mulher despida.

Não significa que a tela de Manet fosse incomum à época. Nada disso! Composições mostrando ninfas e deusas antigas nuas permeavam as exposições do Salão de Paris, sendo vistas com grande admiração pelos críticos e público. Contudo, Olímpia fugia à regra, pois era moderna, real e não trazia a beleza clássica tão inacessível e admirada por críticos e público de então. Seu corpo não era escultórico como as anteriormente mostradas e nem tinha as formas arredondadas idealizadas pelas convenções da época. Até o tom de sua pele foi criticado.

A única veste usada por Olímpia é uma fita preta em volta do pescoço em forma de laço com uma pedra no meio, o que torna sua nudez ainda mais aparente. Ostenta um penteado da época, arrematado por uma enorme orquídea rosa, símbolo de sexualidade. Traz brincos de pedras nas orelhas, uma pulseira no braço direito e chinelos de fio de seda nos pés que atestam a sua condição de prostituta elegante. O chinelo caído do pé direito, embora seja um mero detalhe no quadro, simbolizava a perda da inocência, segundo a simbologia convencional da época, atiçando ainda mais as críticas à obra.

A mão esquerda cobrindo a genitália também não agradou à crítica e ao público, pois, embora esta posição fosse comum nas composições clássicas, onde o gesto era visto como um símbolo do recato, na obra de Manet o olhar direto e franco de Olímpia não traduz retraimento ou decoro, mas indica desafio, indiferença. Sua figura expele luminosidade e sua pele branca sobressai diante do fundo escuro que também ressalta o rosa pálido do vestido da criada negra, usando um lenço avermelhado e brincos pendentes da mesma cor.

A criada, de pé, à esquerda de Olímpia, aguarda o momento preciso para lhe entregar um buquê de flores embrulhado em papel de seda. Possivelmente trata-se de um mimo de algum admirador que aguarda seus favores, segundo a interpretação da crítica. Em relação à escrava negra que se apresenta totalmente vestida, o que acentua ainda mais a nudez da patroa, discute-se ainda, nos meios acadêmicos, como sendo ela a personagem principal da composição.

Olímpia mostra-se indiferente à presença da mulher, sendo o distanciamento físico entre as duas personagens visto como um sinal da distância afetiva entre ambas. E o buquê de flores, símbolo clássico da sexualidade feminina naquele tempo, enfatiza a carga erótica da cena, como queriam alguns. A colcha (ou xale) de seda sobre o divã também é adornada com flores. Pode ser que o pintor, que lutava para romper com o convencional, não pensou em nada do que foi apregoado pelos críticos. Mas quem pode refrear a maldade presente na imaginação humana?

Enquanto Ticiano apresenta na sua composição um cãozinho dormindo, Manet coloca um gatinho preto aos pés de Olímpia, que se transforma no principal motivo de chacotas, aparecendo nas caricaturas que zombam do pintor. Manet, porém, transforma o bichinho num talismã, apresentando-o em inúmeras telas. O artista foi apelidado sarcasticamente de “o pintor dos gatos”. Alguns críticos acham que a presença do bichinho, fonte de superstição, “pode” indicar que a cena era vista como tabu. O que pode ser imaginado, mas não provado.

Para compor sua tela Olímpia, Manet inspirou-se em duas obras conhecidas: a Vênus de Urbino, obra de Ticiano (Ticiano – A VÊNUS DE URBINO), e a Maja Desnuda (Goya – A MAJA NUA), obra do pintor Goya. Ele levou dois anos para pintar sua tela e tinha o seu trabalho em alto preço, por isso, ficou arrasado com as críticas feitas a ela, tanto é que a tela permaneceu em seu ateliê até sua morte.

O impressionista Claude Monet foi responsável em 1890 por comandar uma campanha para que a tela Olímpia fosse comprada e doada para coleções públicas. Após 17 anos de luta a composição ganhou um lugar no Louvre, ao lado do quadro Grande Odalisca de Ingres.

Curiosidades

  • Victorine-Louise Meurent, modelo favorita de Manet, é a mesma modelo de Almoço na Relva ( Manet – O ALMOÇO NA RELVA ), tela do pintor que também foi alvo de críticas, na qual ela também se apresenta nua. Foi justamente seu olhar penetrante e firme que chocou o público, achando que se tratava de uma prostituta despudorada e fria.
  • Victorine também era pintora e muitas de suas obras foram mostradas no Salão.

Ficha técnica
Ano: 1863
Técnica: óleo em tela
Dimensões: 130,5 x 190 cm
Localização: Museu d`Orsay, Paris, França

Fontes de pesquisa
Manet/ Abril Coleções
Tudo sobre arte/ Editora Sextante
Grandes pinturas/ Publifolha
Enciclopédia dos Museus/ Mirador

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O ÂNGELUS (Aula nº 80 B)

Autoria de Lu Dias Carvalho

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É impossível imaginar essas pessoas pensarem em ser qualquer outra coisa, senão o que são. Nós podemos ver a opressão, mesmo que eles não possam. Talvez isto nos seja revelado na esperança de que nós reajamos. (Millet)

 A ideia do Ângelus surgiu-me porque me lembrei que a minha avó, ao ouvir o sino da igreja tocar, enquanto trabalhávamos no campo, sempre nos fazia parar para fazer a oração do Ângelus pelos pobres que partiam. (Millet)

 O pintor realista francês Jean-François Millet (1814-1875) era filho de uma próspera família rural da Normandia. Através de uma bolsa de estudos foi estudar em Paris com Paul Delaroche, Jérome Langlois e Chevreville. Permaneceu dois anos na Escola de Belas-Artes. No início de sua carreira o artista fez retratos e pinturas históricas e mitológicas, vindo a trabalhar posteriormente com o tema camponês, retratando a vida diária das pessoas que trabalhavam no campo. Os temas usados pelo artista em suas obras eram vistos como revolucionários e perigosos para os poderosos da época. Millet nutria grande amor pelo mundo camponês.

A composição realista intitulada O Ângelus é a obra mais famosa do artista, figurando como uma das obras-primas da pintura francesa do século XIX. Apresenta dois camponeses, um homem e uma mulher, no campo de trabalho, onde cavavam batatas, no momento em que param seu labor, ao pôr do sol, para rezarem (Hora do Ângelus), após ouvirem os sinos da igreja ao fundo.  O casal assume uma aparência monumental, apesar das dimensões reduzidas da tela. Ambos se encontram de pé e em postura de preces, com a cabeça voltada para o chão. O homem segura seu chapéu e a mulher junta as mãos sobre o peito. Ainda que reduzido, trata-se de um breve momento de paz e descanso, após um pesado dia de trabalho.

Nada há na composição que possa indicar que a dupla de camponeses esteja se preparando para voltar para casa. Próximo a eles estão os utensílios (sacos, forquilha, cesto e carrinho de mão) usados no trabalho. Uma cesta de vime encontra-se entre os dois, largada ali, possivelmente pela mulher, durante o momento de preces. Um ancinho fincando no solo, à direita do homem, leva a crer que ele continuará o trabalho. Nada indica qual seja o tipo de relação existente entre ambos.

Os tons escuros da obra imergem os dois camponeses num momento profundo de oração. A imensidão da paisagem e a postura das figuras aumentam a quietude ali presente, nela também imergindo o observador. A linha do horizonte é muito alta, o que leva a superfície do quadro a ocupar dois terços da suave cor verde acastanhada da terra, enquanto a parte superior é invadida pela luz que chega da esquerda. Os rostos das duas figuras encontram-se na sombra, enquanto a luz foca seus gestos.

Ainda que o artista não evidencie abertamente sua intenção sociopolítica em suas obras, ele sabia que seu público via-o como um revolucionário republicano. Embora alguns críticos contemporâneos achassem que os quadros do artista eram muito sentimentais, Millet buscava evitava qualquer coisa que despertasse sentimentalismo. Ele não idealizava e sim testemunhava os fatos. O pintor não quis repassar à sua obra nenhum cunho religioso, apesar do título. Ela foi inspirada em suas memórias de infância, como descrito acima. Ele desejava apenas apreender a rotina imutável da vida camponesa numa cena simples.

Vincent van Gogh via em Millet seu mestre espiritual e Salvador Dalí venerava essa obra, fazendo algumas variantes do tema das Trindades (Angelus), dedicando-lhe um livro. Para Dalí o Angelus foi o trabalho mais inquietante e perturbador que conheceu. Em 1932 um louco dilacerou essa obra que se transformou num ícone mundialmente conhecido no século XX.

Fontes de pesquisa
Ano: c.1821/22
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 55,5 cm x 66 cm
Localização: Musée d’Orsay, Paris, França

Fontes de pesquisa
Obras-primas da arte ocidental/ Taschen
https://www-musee–orsay-fr.translate.goog/fr/oeuvres/langelus-345?_x_tr_sl=fr&
https://snpcultura.org/o_angelus_de_millet_e_a_incapacidade_pos_moderna
https://pt.wikipedia.org/wiki/Angelus_(pintura)
https://artsandculture.google.com/asset/the-angelus/CgHjAgexUzNOOw

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OS QUEBRADORES DE PEDRA (Aula nº 80 A)

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Coubert não queria formosura, queria realidade. (E.H. Gombrich)

Espero sempre ganhar a vida com minha arte, sem me desviar um milímetro de meus princípios, sem ter mentido à minha consciência nem por um único momento, sem pintar sequer o que pode ser coberto pela palma de minha mão para agradar a alguém, ou para vender mais facilmente. Sejamos verdadeiros mesmo que feios!  (Gustave Courbet)

O pintor francês Gustave Courbet (1819-1877) nasceu em meio a uma bem-sucedida família de agricultores. Estudou com Flajoulat, que fora aluno do famoso pintor Jacques-Louis David. Aos 20 anos de idade foi para Paris, onde estudou com o pintor Steuben, e também fez cópias no Louvre. A primeira pintura de Courbet, aceita pelo famoso Salão de Paris, foi Autorretrato com Cão Preto, feita em 1844, aos 25 anos de idade. Quatro anos depois o artista expôs 10 telas no Salão, chamando para si a atenção de um crítico de arte. No ano seguinte um júri, composto por artistas, escolheu onze quadros do pintor.

A composição Os Quebradores de Pedra é uma das obras mais polêmicas e aclamadas de Courbet em que ele expõe o empobrecimento e a vida miserável dos camponeses de seu país à época, sem nenhuma esperança de melhoria de vida.

A composição apresenta duas figuras masculinas: uma bem mais jovem e outra mais velha, ambas subjugadas pelo interminável trabalho braçal — quebrar pedras para a construção de uma estrada. A presença do garoto e do homem mais velho deixa claro o ciclo infindável em que se começa a trabalhar ainda muito moço e se envelhece fazendo a mesma coisa nas classes pobres. Ambos vestem roupas velhas e rasgadas, atestando a pobreza em que vivem.

O garoto está de costas para o observador, segurando uma vasilha com pedras, enquanto o homem mais velho — possivelmente seu pai — está de perfil, ajoelhado numa perna, tendo a outra dobrada. Ele traz as duas mãos na marreta erguida para quebrar as pedras no monte espalhado à sua frente. O chapéu encobre grande parte do rosto, deixando apenas o queixo visível. Ao fundo vê-se um velho caldeirão e um recipiente, possivelmente com água. Uma picareta descansa à frente do garoto, enquanto ele carrega pedras, numa alusão de que assim será sua vida, até se tornar velho como o homem que acompanha no árduo trabalho.

O quadro Os Quebradores de Pedra trata-se de um manifesto nu e cruento sobre o trabalho braçal a que estavam submetidos os camponeses franceses à época, mas que poderia, ainda hoje, simbolizar a vida de muitos trabalhadores espalhados pelo mundo, inclusive em nosso país, onde os serviços pesados cabem sempre aos pobres.

Infelizmente esta pintura, conhecida em todo o mundo, e uma das mais procuradas deste site, foi perdida no bombardeio de 1945, durante a Segunda Guerra Mundial. Ainda bem que podemos apreciar a sua cópia.

Ficha técnica
Ano: 1849
Técnica: óleo sobre tela
Dimensões: 159 x 259 cm
Estilo: realismo
Localização:  Dresden, Alemanha (antes de ser destruída)

Fontes de pesquisa
Courbet/ Abril Coleções
Courbet/ Coleção Folha
Courbet/ Taschen

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UM NOVO ESTILO – REALISMO (Aula nº 80)

Autoria de Lu Dias Carvalho                                               (Clique na imagem para ampliá-la.)

Na nossa viagem pela História da Arte passamos por diferentes épocas da história da humanidade: Pré-História (Período Paleolítico/ Período Neolítico/ Idade dos Metais), Antiguidade, quando nos defrontamos com a arte do Mundo Antigo (Egito/ Grécia/ Roma) e a Arte Bizantina. Na Idade Média tivemos contato com dois importantes estilos: Românico e Gótico. Na Idade Moderna travamos contato com os seguintes estilos: Renascimento, Maneirismo, Barroco e Rococó. Adentramos na Idade Contemporânea — esta em que vivemos, iniciada no século XVIII, continuando até os nossos dias —, responsável por um grande leque de estilos. Já vimos: Neoclassicismo, Romantismo e agora nos embrenhamos na história do Realismo.

O Realismo — movimento que surgiu na França em meados do século XIX — tinha como objetivo o afastamento formal e estilístico das cenas idealizadas e naturais, assim como da pintura histórica que obedecia aos ditames da arte acadêmica do início do século XIX. O novo estilo desejava romper definitivamente com a tradição artística do passado, ao buscar uma arte objetiva em suas representações e referências. Suas sementes foram lançadas quando em Paris, no final da década de 1840, um grupo de artistas, escritores e intelectuais passaram a reunir-se num bar, Brasserie Ander, onde debatiam variados assuntos, abrangendo desde políticas radicais e questões sociais a tendências artísticas. O local passou a ser chamado de o “Templo do Realismo”, nome que o pintor francês Gustave Courbet viria a usar posteriormente em sua arte.

O desenvolvimento de uma consciência social cada vez maior e de uma crença na democracia e na liberdade individual fez com que revoltas políticas estourassem na metade do século XIX. As ideias fundamentais dos filósofos alemães — Karl Max e Friedrich Engels — que pregavam a igualdade social e a distribuição justa das riquezas, espalharam-se, tornando-se a razão de grande parte da obra realista. Dentre os fatores que contribuíram para que as ideias realistas ganhassem vida estava a situação dos pobres das áreas urbanas e rurais. Eles se viram numa situação de privação e miséria em razão do crescimento descontrolado da população, das inúmeras quebras de safras e do aceleramento da industrialização. Esta junção de fatores acabou gerando grande instabilidade, resultando na Revolução de fevereiro de 1848 que teve como ganho a garantia do voto universal para os homens, assim como o “direito ao trabalho”. Dentro de tal contexto os pobres passaram a ter voz na política.

Os pintores realistas aproveitaram-se de tais transformações sociais e políticas para contestarem tudo aquilo que não aceitavam, como o fato de as autoridades artísticas dizerem-lhes o que podiam ou não fazer, ou a presunção de que só um fato importante podia ser algo digno da arte. Também mostraram sua indiferença pelo Romantismo (estilo anterior), ao retratarem pessoas e acontecimentos do dia a dia, usando um estilo de pintura naturalístico, quase fotográfico, tendo como principal objetivo a observação o mais fiel possível. As cenas eram pintadas na maioria das vezes em grandes telas, com a intenção de dar-lhes a mesma importância conferida às pinturas que representavam grandes eventos históricos. Aos realistas não importava mostrar figuras belas ou feias, mas mostrá-las simplesmente reais.

O pintor francês Gustave Courbet é tido como o líder do movimento realista, sendo que sua obra intitulada “O Ateliê do Artista” é vista como uma declaração de seus princípios políticos e artísticos. Ao mesmo tempo em que compõe sua obra usando um estilo grandioso, próprio da pintura histórica, aborda uma temática realista ao apresentar seu estúdio, onde se reuniam pessoas das mais diferentes classes sociais, evidenciando sua crítica à postura idealizada da arte acadêmica. Sua tela não foi aceita pelo júri do Salão de Paris de 1855. Em resposta Courbet construiu um espaço próprio intitulado “Le Réalisme” que acabou atraindo uma geração mais jovem de artistas parisienses.

Os pintores realistas encontraram no interior rural um lugar propício para suas obras, nas quais retratam principalmente paisagens tristes. As pinturas rurais foram objeto, sobretudo para os artistas da chamada “Escola de Barbizon”, criada por um grupo de pintores sob a liderança de Jean-Baptiste-Camille Corot, Thèodore Rousseau, Jean-François Millet e Charles-François Daubiny, que se inspirou nas cenas pintadas pelo artista inglês John Constantable. Eles não só pintaram a natureza como tema principal, como nela inseriram personagens, a exemplo de Millet em sua obra “Os Catadores” em que inclui camponeses. Os membros desse grupo tinham em comum, sobretudo, a repulsa pela artificialidade da arte acadêmica. Propunham-se representar as cenas que viam com o maior realismo possível. Esses artistas foram mais tarde citados pelos impressionistas como inspiração para o novo estilo que criariam — o Impressionismo.

Os críticos que até então conviviam com as formas idealizadas da arte acadêmica achavam tudo aquilo bizarro. Para eles os artistas realistas faziam uma busca deliberada pela feiura. No entanto, os realistas não tinham compromisso com a beleza, mas com a verdade. Transgredir a arte acadêmica à época era tido como um absurdo sob o ponto de vista dos imponentes censores da arte. Achavam, por exemplo, um disparate o tamanho grandioso das pinturas naturalistas que retratavam as cenas rurais que para eles tinham apenas a finalidade de transmitir aos cidadãos urbanos certo escapismo. E pior, essas ainda mostravam as condições do trabalho daquela gente, o que para os conservadores cheirava perigosamente a socialismo.

A França, ao abraçar um movimento coerente com seus ideais, foi a grande fomentadora do Realismo. As tendências naturalistas, ainda que em menor escala, ganharam projeção em vários países europeus, como Áustria, Alemanha e Itália, o que possibilitou diferentes graus deste estilo. Em seu contexto, o Realismo também apresentou formas chocantes para a época, sendo vistas pela maior parte dos críticos e público como ofensivas. É fato que alguns artistas realistas tinham por objetivo agredir as ditadoras convenções artísticas, mas também queriam atacar as conveniências sociais que eram, ao mesmo tempo, sociais e artísticas, uma vez que eles tinham compromisso com a realidade. Courbet, por exemplo, ao apresentar sua pintura “As Banhistas” provocou um escarcéu no Salão de Paris de 1853, sendo sua tela vista como ofensa pública.  A mesma pressão e crítica sofreu Manet, dez anos depois, com sua tela “Olympia”, uma versão do decantado tema de Vênus.

Ilustração: O Ateliê do Artista, 1855, Courbet

Fontes de pesquisa
Tudo sobre arte/ Editora Sextante
Manual compacto de arte/ Editora Rideel
A história da arte/ E. H. Gombrich
História da arte/ Folio
Arte/ Publifolha

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