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CHICO XAVIER E A ÁGUA DA PAZ

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Uma passagem interessante sobre a vida de Chico Xavier é aquela em que ele fala sobre o remédio ensinado por sua mãe em uma das visões recebidas. Sua vida estava tumultuada, trabalhava excessivamente, escrevia mais ainda, ajudava as pessoas e, mesmo assim, era maltratado pela zombaria de muitos. Não acreditar na sua doutrina era um direito, mas escarnecer de seu trabalho era uma maldade orquestrada, com a finalidade de transformá-lo em motivo de chacota e descrédito.

Foi num dia de extrema tristeza para o médium que sua mãe, Maria João de Deus, apareceu e deu ao filho o seguinte conselho:

Meu filho, para curar essas inquietações, você deve usar a água da paz.

Depois de procurar em várias farmácias, inclusive na capital, Chico nada encontrou. Contou para a mãe o seu insucesso em encontrar o remédio e, numa aparição, ela lhe disse que poderia encontrá-lo dentro de casa. Bastava que enchesse a boca com um pouco de água e a conservasse ali, quando alguém lhe fizesse alguma provocação. Deveria conservá-la na boca, banhando a língua, enquanto persistisse a vontade de responder ao provocador. E assim, passou Chico a fazer uso do remédio receitado pela mãe em vários momentos de sua vida. É bom que não confundamos a aplicação da água da paz com omissão, pois, a história do médium mostra-nos que, apesar de sua docilidade, ele sempre foi franco nas suas verdades.

Muitas vezes, nos relacionamentos humanos, as pessoas se engalfinham em discussões áridas, sem sentido algum, que apenas servem para deixá-las aborrecidas. Ultrapassam os limites do bom senso, a ponto de perderem o auto respeito, caindo na armadilha dos provocadores, sempre na espreita para fazer o mal.

A água da paz representa a regulação cuidadosa de nossa maneira de ser na convivência com os outros, sem aceitar as imposições de outras vontades às nossas e, tampouco, subordinar os outros à nossa maneira de pensar e agir. Pois, tanto um adulto presunçoso, quanto um adulto reprimido acabarão trazendo muitos danos a si mesmos e aos que o rodeiam.

A água da paz não significa a remoção de obstáculos pessoais encontrados em nosso caminho e, que são responsáveis por nosso crescimento, mas a maneira equilibrada com que devemos enfrentá-los. É a submissão de nossas emoções de rédeas soltas ao equilíbrio e à razão que deve nortear a nossa vida, de modo a abrandar o sofrimento comum a todos os seres viventes.

Os maiores problemas enfrentados por um indivíduo residem na avaliação que faz de si mesmo. Na maioria dos casos, o ego excessivamente inflado é o responsável por atitudes impensadas e arrependimentos tardios. É a superestima que tem por si, que lhe acarreta a maioria dos aborrecimentos. Por que fez isso comigo? Eu não mereço isso! Não sabem quem sou eu! Não sabem com quem estão falando! De modo que acaba partindo para uma revanche desnecessária e tormentosa.  A água da paz é a tolerância, a virtude liberal por excelência. Eu respeito os outros, porque também quero ser respeitado. Mesmo aquelas pessoas que não merecem o meu apreço, eu as deixo em paz e as ignoro, sem a necessidade de lhes desejar ou fazer mal.

É preciso que compreendamos que nem todas as pessoas estão na mesma escala de evolução. E nada se ganha com discussões inúteis e infrutíferas. Melhor seria aproveitar o tempo com algo que beneficie a si e o mundo. Assim, como a água da paz, a tolerância não significa omissão, pois tudo possui os seus limites que, uma vez ultrapassados, precisam ser penalizados. E quais são os limites? – perguntará o leitor. Os limites são transpostos, quando há danos ou prejuízos à vida de outrem. Quando fazemos a terceiros aquilo que não queremos que seja feito a nós. De resto, mantenha a boca cheia de água e deixe que o outro mostre o que lhe vai pelo coração: amor ou ódio.

Fonte de pesquisa:
As Vidas de Chico Xavier/ Marcel Souto Maior/ Editora Planeta do Brasil Ltda.

(*) Imagem copiada de rodrigolampert.blogspot.com

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CHICO XAVIER E O ENCONTRO COM EMMANUEL

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Antigamente e ainda hoje, em muitas famílias existia uma grande preocupação com a quebra da virgindade dos filhos homens, como se os hormônios não perturbassem a vida das meninas. No fundo, em tal preocupação estava a marca visível do machismo. De modo que Chico Xavier foi levado a um bordel, por um amigo do pai, a pedido desse, para fazer sua iniciação sexual.

Ao chegar ao prostíbulo, muito comum até mesmo nos vilarejos da época, o rapazinho, ainda imberbe, foi reconhecido por todas as profissionais do ramo, que o rodearam, ávidas por respeito, atenção e fé. Poucos minutos depois, o ambiente havia se transformado num local de preces e “passes”. E Chico saiu dali tão imaculado como entrou, em seu propósito de se manter virgem durante toda a sua vida.

Quando tinha 21 anos, Chico perdeu o seu anjo protetor terreno – sua madrasta. Mas, antes de morrer, ela lhe pediu para não permitir que o marido distribuísse os filhos (6 dela e 9 do primeiro casamento), com fizera antes. Ele lhe promete atender seu pedido. Assim ficou o rapaz, ainda na flor de seus anos, com a incumbência de ajudar a criar os 15 irmãos.

A morte da madrasta foi um duro golpe na vida do rapaz. Com quem iria conversar sobre suas visões? Quem lhe compreenderia o que lhe passava no coração? Sentia-se muito sozinho, apesar das visitas que o espírito da mãe lhe fazia e de seu trabalho no pequeno Centro São Luís Gonzaga. Foi nesse estado de ânimo que, enquanto meditava, junto ao açude da cidade, sobre a perseguição a seu trabalho por parte dos céticos, recebeu a visão daquele que o guiaria ao longo de sua vida – Emmanuel. Mestre rigoroso que lhe exigia disciplina, disciplina e disciplina na divulgação da doutrina dos espíritos.

Certa vez, ao ser atacado pelos descrentes em seus ensinamentos e tido ora como esquizofrênico ora como ambicioso, por escrever compulsivamente e atribuir os escritos a poetas já mortos (Augusto dos Anjos, Castro Alves, Casimiro de Abreu, entre outros), respondeu:

A dor há muito me convenceu da inutilidade das bagatelas que são ainda estimuladas neste mundo.

Mas nada reduzia os ataques daqueles que dele escarneciam, usando as mais diversas teorias para decifrá-lo: psicopatia, loucura, simulação, anormalidade, estupidez, espiritomania, etc. Uma piada sobre o porta-voz dos mortos machucou-o profundamente:

“Francisco Xavier deve ter pele de rinoceronte para suportar tantos espíritos” – escreveu um padre que abominava o espiritismo. Foi o seu mestre Emmanuel que o consolou:

Não te aflijas com os que te atacam. O martelo que atormenta o prego com pancadas o faz mais seguro e firme.

Num texto repassado ao filho, o espírito de Maria João de Deus fazia um alerta sobre os riscos da vaidade e da ambição. No texto, ela lhe recomendava a não ver a mediunidade como um presente, mais como uma missão a ser cumprida:

Seja a tua mediunidade como harpa melodiosa; porém, no dia em que receberes os favores do mundo, como se estivesses vendendo os seus acordes, ela se enferrujará para sempre.

Assim como a mediunidade deve ser usada para o bem, segundo a visão espírita, penso eu que todos os dons recebidos por nós devem ter o mesmo objetivo. Se nada acontece por acaso, está implícita a nossa responsabilidade para com um mundo melhor, ao recebermos certos dons. Pois, como diz o livro sagrado do cristianismo:

“A quem muito foi dado, muito será cobrado.” (Mt 25, 14-30)

Fonte de pesquisa:
As Vidas de Chico Xavier/ Marcel Souto Maior/ Editora Planeta do Brasil Ltda.

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CHICO XAVIER E O CAPIM

Autoria de Lu Dias Carvalho

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A busca pelo saber não possui um único caminho, ao contrário, é uma via de muitas mãos, onde o preconceito não pode ser barreira. Diz o nosso amado Aurélio que a sabedoria é “o conhecimento justo das coisas”. Toda opção deve nascer da possibilidade de escolhas. Assim é a democracia. Assim deve ser direcionada a vida das pessoas livres.

Cresci com um grande fascínio pelo viver das gentes e pela cultura dos povos. E quanto mais diferentes são certas filosofias da forma de como concebo minhas verdades, mais tento conhecê-las, até mesmo como meio de combater algumas, como é o caso da situação humilhante vivida pelas mulheres entre os islâmicos fundamentalistas, onde valem menos de que um cachorro. Muitos sectários buscam o saber num único caminho, sem olhar para os lados, como mulas com bridão. Pensam que fazem escolhas, mas são apenas objetos do conhecimento e da vontade de outrem. Não são livres, portanto.

No início do ano 2000, quando estávamos em vias de entrar no século XXI, lembro-me de uma pesquisa espalhada pelas Minas Gerais, com forte apoio popular, com a finalidade de escolher o Mineiro do Século que findava. Todos os concorrentes eram pessoas de grande penetração na vida de nosso Estado e do país: Chico Xavier, Santos Dumont (segundo colocado), Pelé, Betinho, Carlos Drummond de Andrade e Juscelino Kubitschek. Ao votar, escolhi Chico Xavier por sua grande obra social ao longo de sua jornada, com centenas de instituições de caridade fundadas, assim como por seu exemplo de vida. E, para minha alegria, ele foi o eleito.

Chico Xavier ficou conhecido por seu espírito de extrema humildade. Nem mesmo, quando sua fama ultrapassou as fronteiras nacionais, ele modificou seu comportamento. Sua meta era servir o próximo e assim agiu até o final de seus dias, mesmo vivendo num mundo extremamente materialista, onde a absoluta maioria das pessoas carrega consigo uma mentalidade mercantilista. Podemos conhecer um pouco do espírito de humildade de Chico nos diálogos que travava com as pessoas. Se lhe diziam que era um “porta-voz de Deus”, rebatia:

Sou uma besta encarregada de transportar documentos espíritas.

Se o chamavam de “iluminado”, minimizava:

Não. Sou uma tomada entre dois mundos.

Se o chamavam de “Chico Xavier, o apóstolo”, transformava o nome num humilde trocadilho:

Nada disso. Cisco Xavier.

Em 1981, Chico Xavier foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz, com mais de 2 milhões de assinaturas. Estava em toda a mídia nacional. O assédio era uma constante em seus dias. Mas conhecedor das armadilhas da fama, que traz no seu bojo a vaidade, ele simplesmente respondia:

Sou um nada. Menos do que um nada.

Ao ser consultado pelas pessoas, receitava o mesmo remédio do qual fez uso ao longo de sua vida:

Ajudai-vos uns aos outros. Ajude e será ajudado.

O médium legou à doutrina espírita uma vasta obra, produzida durante sua extensa caminhada: 412 livros escritos pelos espíritos, segundo ele:

Os livros não me pertencem. Eu não escrevi livro nenhum. “Eles” escreveram.

Já foram vendidos mais de 25 milhões de exemplares da obra de Chico. Toda a renda foi doada por ele, em cartório, a várias instituições caritativas.

Conta o jornalista Marcel Souto Maior, autor de AS VIDAS DE CHICO XAVIER, livro que deu origem ao filme sobre o médium, que numa das poucas conversas que teve com ele, delicadamente tocou na sucessão, perguntando se haveria um novo Chico Xavier. Ao que ele respondeu:

Morre um capim, nasce outro.

Não é preciso ser seguidor da doutrina espírita para admirar a trajetória dos 92 anos de vida de Chico Xavier pela Terra. Ele foi um mestre do amor e do perdão. Mesmo que muitos não acreditem em reencarnação, seguir os conselhos e o exemplo de Chico é caminhar rumo à evolução aqui na Terra. É se tornar uma parte melhor do todo que aninha em cada um de nós e em todas as formas de vida.

Fonte de pesquisa:
As Vidas de Chico Xavier/ Marcel Souto Maior/ Editora Planeta do Brasil Ltda.

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ESCRAVIDÃO BRANCA NO BRASIL – REVOLTA DE IBICABA

Autoria de Beto Pimentel

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Meu nome é Heinrich Schlittler. Nasci do Cantão de Glarus na Suíça, em plena primavera de 1829, numa casa modesta de um vilarejo de onde se avista os Alpes. Meu pai era alfaiate, profissão que herdara do seu avô, ofício no qual eu também era aprendiz, desde os meus 14 anos. Fui educado dentro dos padrões e da ética da religião presbiteriana. O nosso racionalismo com relação ao convívio social é a capacidade protestante de associação para fins do interesse comum. É precisamente essa qualidade que possibilita a associação de pessoas para ir além do convívio familiar, sem que haja conflito ou confusão entre as relações afetivas e com as de interesse. Nossa norma moral pressupõe que, antes de obedecer aos homens, devemos obedecer a Deus. Assim, nossa sociedade encontra harmonia, pois permite que as relações sejam entre iguais, em contraponto com as relações entre pessoas de um modelo puramente hierarquizado.

A Suíça passava por uma profunda crise econômica associada ao uma explosão demográfica. Uma praga, conhecida com “a doença da batata”, alastrou-se pelas plantações reduzindo em mais de 50% das colheitas deste tubérculo, nosso principal alimento naquela época. Devido à escassez de alimentos e recursos para importá-los de outras regiões, passávamos fome. A situação obrigou muitos jovens, desempregados, soldados que voltavam das intermináveis guerras da Europa a procurarem uma saída na emigração para outros países. A propaganda de então falava de um novo eldorado: o Brasil, onde havia muita comida, terra em abundância e grandes oportunidades. Formamos um grupo e viajamos com destino à terra prometida. Deste grupo composto por 87 pessoas somente 13 conheciam e tinham trabalhado em atividades agrícolas. Os demais eram operários de fábricas, sapateiros, carpinteiros, pedreiros, pintor, mestre-escola e alfaiate como eu. Enfim, não tínhamos muitas alternativas, e o governo de certa forma nos incentivava a emigrar.

Do porto de Santos partimos para o nosso destino: a Fazenda Ibicaba, situada Limeira no Estado de São Paulo, de propriedade do senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, cuja empresa levava o seu nome. O senador Vergueiro foi quem promoveu a vinda de imigrantes suíços para o Brasil, mas era contra as colônias de povoamento com doação das terras aos imigrantes, alegando que esse procedimento não atendia às necessidades do Império – que na época estava em busca de mão de obra livre para substituir a escrava. As estradas no Brasil eram poucas e muito precárias. Quando chovia muito a situação piorava ainda mais, tornando certos trechos intransitáveis. A nossa viagem até a fazenda Ibicaba durou quase um mês e foi muito penosa, principalmente para as mulheres, mais idosos e as crianças.

A fim de viabilizar o cultivo nas suas fazendas de café, o senador estabeleceu um sistema de parceria, através de contrato firmando através de um agente no país de origem dos imigrantes. Esse documento estabelecia o número de pés de café que recaia sobre a responsabilidade de cada família imigrante. Ao finalizar a colheita, os lucros auferidos com a venda das sacas de café seriam divididos entre os imigrantes e o proprietário da fazenda. No entanto, o contrato incluía uma série de exigências que indicavam a exploração da mão de obra, clausulas típicas de uma época na qual os trabalhadores braçais não contavam com nenhum tipo de garantia, e estavam sob o jugo dos grandes proprietários de terras.

O regime de semiescravidão ficava evidente no compromisso de cada família imigrante em pagar os custos da sua viagem com um acréscimo de juros à taxa de 6% ao ano. Adicionalmente, os imigrantes contratados pelo senador ficavam responsáveis por cuidar de cafezais localizados em áreas de baixa produtividade, e só podiam comprar gêneros alimentícios fornecidos pela própria fazenda, aumentando por um longo período os vínculos com o proprietário. Através desse contrato, nós, imigrantes, fomos reduzidos a uma condição similar a dos escravos negros. Esses últimos mantinham-se cativos pela força do seu dono, enquanto que nós havíamos perdido a liberdade pela obrigação jurídica totalmente desigual entre as partes.

O nosso grupo era integrado por um mestre-escola, Thomaz Davatz, que tinha como missão oficial enviar à Suíça um relatório acerca das condições de vida e trabalho na colônia, que servisse de orientação às autoridades suíças quanto à política de emigração. Também ministrava aulas e realizava cerimônias religiosas nos cultos protestantes.

Não demorou muito tempo para percebemos os problemas do dia a dia no “novo eldorado”. O clima quente, os insetos, os desconforto causado por uma cultura tão diferente da nossa, na qual a educação e a discrição nos cultos presbiterianos eram fatores prioritários, contrastando com o modo inculto de viver dos brasileiros da época. Dia após dia, o nosso entusiasmo inicial com a nova terra ia diminuindo e percebíamos que estávamos numa terra onde não se respeitavam os contratos firmados.

Em virtude das arbitrariedades e da interpretação pessoal da lei pelos proprietários e os seus prepostos, havíamos nos tornado tão escravos como os próprios negros. Não demoraria muito para começarem as agressões corporais, já nos castigavam com multas, prisões, restrições de liberdade, etc. No seu livro (1) Davatz acrescenta:

“Será exagero entender que os colonos estão sujeitos a novas formas de escravidão? Os próprios filhos de certo fazendeiro não hesitaram em apoiar essa convicção, dizendo que ‘os colonos eram os escravos brancos (de seu pai), e os pretos seus escravos negros’. E outro fazendeiro enunciou a mesma crença, quando declarou abertamente aos seus colonos: ‘comprei-os ao Sr. Vergueiro. Os senhores me pertencem.”(1)

Em virtude de a situação ter se tornado insuportável, Thomaz Davatz conseguiu, através de manobras inteligentes – já que toda correspondência era censurada pelo todo poderoso senador Vergueiro – enviar um relatório ao cônsul suíço no Rio de Janeiro, uma carta destinada às autoridades suíças explicando a situação dos colonos, denunciando o engodo representado pelo sistema de parceria. Exposto ao público e, portanto ao senador Vergueiro, Thomaz Davatz foi chamado, na manhã de 24 de dezembro de 1856, à sede da fazenda Ibicaba para dar explicações – através de um intérprete, pois só falava alemão. Nessas circunstâncias, totalmente descontentes com a dura realidade em que vivíamos e ainda muito mais com o pagamento do primeiro ano trabalhado, decidimos reagir em apoio ao mestre-escola. No levante armado somente dois tiros foram disparados sem que houvesse mortes, mas a repercussão foi tamanha que as autoridades suíças proibiram novas emigrações e acabou fazendo com que o Império do Brasil viesse a remodelar as relações entre grandes propriedades e os imigrantes.

Thomaz Davatz voltou para a Suíça, já com a saúde bastante abalada. Mas muitos de nós permanecemos no Brasil, na esperança de nos tornarmos pequenos proprietários de terras ou praticarmos livremente os nossos ofícios. Casei com Christine Beck, que conheci na viagem da Suíça ao Brasil e, no ano de 1877 em que escrevo essas memórias, já temos seis filhos brasileiros e vemos que o nosso trabalho e cultura influenciaram positivamente o futuro do país que escolhemos para viver.

Nota: Histórias contadas por minha avó e tias paternas, descendentes de Heinrich Schlittler, tataravô do autor.

Ref.: DAVATZ, Thomas Memórias de um colono no Brasil. Trad., prefácio e notas: Sérgio Buarque de Holanda. São Paulo: Livraria Martins.

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GUEIXA (V) – O MIZUAGE

Autoria de Lu Dias Carvalho

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Os homens têm uma espécie de enguia. As mulheres não têm, mas os homens têm…Essa enguia passa a vida toda tentando encontrar um lar. Por sua vez, as mulheres têm cavernas dentro de si, onde as enguias gostam de viver. As enguias são meio territoriais. Quando encontram uma caverna de que gostam, entram nela algum tempo e se remexem lá, para ter certeza de que é uma boa caverna. E quando decidirem que é confortável, marcam a caverna como seu território, cuspindo nela. (Memórias de uma Gueixa)

 Nos idos dos anos 30 e 40, muitas gueixas aprendizes chegavam ao mizuage sem ao menos saber do que se tratava, pois ele ocorria quando elas ainda eram adolescentes. Tampouco participavam dessa ou de qualquer outra negociação. Elas eram o objeto a ser vendido. Não tinham direito a voto ou veto.

Entre todos os momentos especiais na vida de uma gueixa, o mizuage é certamente um deles. A dona do okiya mantém com severidade a virgindade de sua pupila, pois não se deve dar de graça aquilo pelo qual um homem deve pagar. É possível ouvir casos de garotas espertas, que manipulavam para que tal cerimônia acontecesse numa certa época do mês, quando sua caverna recebia as águas do Mar Vermelho. Mas muitos patrocinadores exigem que a debutante passe por um médico, que atestará o selo de sua virgindade.

Como em tudo que diz respeito à tradição da vida das gueixas, a proximidade da hora do mizuage também exige certos rituais. A aspirante à cerimônia presenteia com caixas de ekubo (espécie de bolo de arroz doce) os homens que a favorecem, ou seja, aqueles mais “generosos”, que pedem a sua companhia com mais assiduidade e deixam-lhe boas somas em dinheiro. Receber o presente significa que aceitam entrar na disputa para ser o patrocinador do mizuage da mocinha. Muitas vezes, os candidatos chegam a mais de uma dúzia e competem acirradamente entre si. A cifra final, oferecida pelo troféu, pode ultrapassar milhares de ienes. E a quantia paga pelo vencedor é apregoada aos quatro ventos. Quanto maior for a soma, maior fama terá a gueixa. Alguns homens chegam a ser “especialistas em mizuage”. Gastam tempo e dinheiro à procura deles.

Uma vez realizado o defloramento, algumas gueixas recebem um pacote de ervas chinesas do patrocinador, para tomarem como chá, de modo a evitar uma possível gravidez. O deflorador continua sendo o patrono da gueixa pelo resto da vida, embora nada ganhe com isso, a não ser a fama de ter sido o primeiríssimo. Muitos somem da vida da desvirginada, uma vez cumprida a sua “árdua” missão.

O dinheiro obtido com o mizuage também beneficia a Irmã Mais Velha, a dona da casa de chá, onde se deu a negociação e a dona do okiya.

Segundo informações, atualmente existem pouquíssimas gueixas no Japão e diminui mais e mais o número de aprendizes de gueixas. Dizem que hoje é possível escolher ser gueixa, como se escolhe qualquer outra profissão.

Sugestões sobre o assunto

1 – Memórias de uma Gueixa em livro e filme.

O filme começa nos anos que antecedem à Segunda Guerra Mundial, quando uma criança japonesa chamada Chiyo é vendida pelo pai pescador, habitante de uma vila de pescadores, para uma casa de gueixas. Ela é destinada, durante os primeiros anos, às tarefas domésticas, conforme ditava a tradição. Cresce na dúvida e na esperança de encontrar a família, sem compreender o sentido da vida que leva, até que, por obra do destino, conhece acidentalmente um dos homens mais poderosos do Japão, por quem se apaixona e muda todo o rumo de sua vida, tornando-se uma gueixa de sucesso. Chiyo, que passaria a ser conhecida por Sayuri — seu nome de gueixa — recebe a sua formação de uma das mais conceituadas gueixas do Japão, Mameha, rival de outra, que vive na sua casa (okiya) e que, desde a sua chegada, lhe tem dificultado a vida.

2 – Madame Butterfly (filme)

O Japão era um país quase que totalmente isolado do resto do mundo, até que por volta de 1870 um presidente americano mandou uma expedição de reconhecimento até Sua Majestade Imperial, cujo intuito era forjar laços de amizade com o Império do Sol Nascente. Nas décadas que se seguiram, vários oficiais da marinha americana visitaram o Japão e contraíram matrimônios temporários com jovens japonesas. A história de Cio-Cio-San (Butterfly, ou Borboleta), portanto, se baseia em fatos reais, e descreve as trágicas consequências de um desses matrimônios contraídos com leviandade, por não revelar, por duas décadas, ao seu pretendente, que se tratava de um homem.

3 – Minha vida como gueixa – A verdadeira história de Mineko Iwasaki (livro)

Mineko Iwasaki é a gueixa mais famosa do Japão, mas só agora ficou conhecida no mundo todo. O filme Memórias de uma Gueixa, sucesso de Hollywood, foi inspirado em sua vida. Para escrever a história, o escritor norte-americano Arthur Golden entrevistou Mineko Iwasaki diversas vezes. Ela havia concordado em revelar o fechado universo das gueixas, desde que sua identidade fosse preservada, o que não aconteceu. Mineko move um processo contra o autor, pedindo uma indenização milionária. Além disso, ela reclama que o livro não retrata a realidade das gueixas nem da cultura japonesa.

4 –  Os Segredos das Gueixas (livro)

A cultura japonesa e a figura das gueixas fascinam e despertam o interesse de pessoas em todo o mundo. Nesse livro, o leitor encontra um guia cultural que revela a tradição dessas jovens – marcada por um rigoroso aprendizado, símbolos, danças e maquiagem. Há também belas ilustrações que revelam as gueixas na arte da realização sexual.

5 –  Xógum (livro)

É uma saga sobre o universo mítico dos samurais e das gueixas, numa trama que une política, religião, guerra e romance. Ambientado nos anos 1600, época das grandes navegações e das conquistas de novos mundos, o livro narra a trajetória do piloto inglês John Blackthorne. Depois de quase dois anos embarcado no navio Erasmus, ele aporta na costa do Japão, dividido diante da disputa pela posição de xógum, a mais importante autoridade militar do país.

Fontes de pesquisa:
Memórias de uma Gueixa/ Arthur Golden
Wikipédia

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GUEIXA (IV) – SEU DANNA

Autoria de Lu Dias Carvalho

gueixa IV

 Embora danna seja o termo que uma esposa usa para se referir a seu marido na língua japonesa, a verdade é que uma gueixa não possui um danna na estrita concepção da palavra. Pois uma gueixa jamais se casa. E caso ela opte pelo casamento, terá que abandonar a profissão, o que já aconteceu a muitas delas.

Muitas versões correm sobre a vida sexual das gueixas. Uns consideram-nas apenas acompanhantes inteligentes e educadas de homens que, muitas vezes, cansados da esposa ou namorada ou até mesmo da solidão, buscam a companhia de tais mulheres apenas para conversar e serem entretidos, sem que haja nenhum contato sexual. Outros as consideram como prostitutas de luxo. Entre uma vertente e outra é possível encontrar um meio-termo.

Segundo a tradição, uma gueixa de verdade jamais se entregaria a um homem por uma noite. Seria como manchar a sua reputação a troco de nada. Pode acontecer que um homem não esteja interessado na sua companhia por apenas uma ou duas noites, mas que além de sua presença quer algo mais, por um longo tempo. É aí que entra a presença de um danna.

Não pensem os leitores que as condições para se obter um danna sejam fáceis. São semanas e semanas de negociações. Muitos candidatos entram no páreo, quando são analisadas as vantagens que cada um oferece. Nada de sentimentalismo piegas. O que conta é a “generosidade” oferecida por cada um deles. Ganha quem oferecer mais. E uma vez conhecidas as intenções do principal candidato, assim como suas po$$es, de modo que possa oferecer à gueixa em questão condições adequadas para uma vida extremamente faustosa, essa ficará muitíssimo feliz em aceitar os arranjo$. Seus ganhos sobem consideravelmente depois que é assumida por um danna.

Para se unirem, gueixa e danna passam por uma cerimônia especial. O que não significa um casamento do tipo “até que a morte os separe”, até porque a grande maioria dos dannas é composta por homens casados com cargos de relevância no país. Certas uniões duram apenas seis meses, indo cada um para o seu lado, sem choro e nem velas.

Vimos em um dos textos anteriores, que a dona do okiya paga tudo para que a candidata a gueixa tenha um bom aprendizado. E que tudo é contabilizado na conta da futura gueixa, que terá, no futuro, que pagar yen por yen. De modo que um danna generoso é capaz de saldar a dívida e obter a sua independência, ou seja, ela terá liberdade de mudar de okiya.

No arranjo entre gueixa e danna ele passa a ter as seguintes obrigações:

• pagar parte das dívidas de sua amante;

• cobrir suas despesas mensais (maquiagem, aulas, médicos, alimentação…);

• dar-lhe bons presentes como jóias e quimonos caríssimos;

  • pagar-lhe os tradicionais honorários pelas horas em que ela ficar com ele (como se fosse qualquer outro cliente).

 Os leitores poderão perguntar sobre o que ganha um danna com tal união, se ainda paga os tradicionais honorários? É aí que mora o X da questão. O danado terá “certos privilégios” negados aos mortais comuns menos endinheirados. Mas será que tais privilégios valem tanto dinheiro?

Quer dizer que uma gueixa nunca atravessa com o sinal vermelho? Não é bem assim, pois elas são tão humanas como qualquer mulher. Há casos de gueixas que se deixam ceder pelos caprichos de um homem atraente mesmo num único encontro. Mas correm um risco muito grande de serem descobertas e sujarem o nome. E, se tiverem um danna, o caso é mais sério ainda, pois pode acontecer de a gueixa ficar grávida de seu danna e ele ficará muito chateado, se sua amante parir um filho de outro homem. Mas gueixas que assim agem são incomuns, pois seguir paixão não dá quimono a ninguém. Elas preferem pensar na dinheirama que podem ganhar facilmente, seguindo a tradição.

Uma gueixa é preparada para passar seu tempo encantando homens, mas ela traz consigo um objetivo bem definido: encontrar um danna (ou um bobo, como diz certo amigo meu).

Há um ditado que diz: Uma gueixa sem um danna é como um gato vadio na rua, sem dono que o alimente.

Nota: Imagem copiada de
http://www.cidadeverde.com/arigato/arigato_txt.php?id=24103

Fonte de Pesquisa:
Memórias de uma Gueixa/ Arthur Golden

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