Arquivo da categoria: Mitos e Lendas

O mito é uma narrativa na qual aparecem seres e acontecimentos imaginários, que simbolizam forças da natureza, aspectos da vida humana, etc. A lenda é uma narração escrita ou oral, de caráter maravilhoso, na qual os fatos históricos são deformados pela imaginação popular ou pela imaginação poética.

PORQUE AS GARÇAS DORMEM SOBRE UM PÉ

Recontada por Lu Dias Carvalho

Antigamente havia um rei extremamente bondoso tanto com os de sua espécie quanto com os animais. Ainda assim, existiam em volta de seu reino alguns monarcas que queriam tomar as suas terras para aumentar as deles. Por isso, as garças, aves que lhe eram muito leais, estavam sempre preocupadas com o fato de que seus inimigos pudessem cercar o palácio durante a noite e fazê-lo prisioneiro. Sabiam elas que existiam os soldados, mas esses, mesmo estando em guarda, costumavam dormir. O mesmo acontecia com os cães que durante o dia caçavam, estando à noite exaustos. Fazia-se necessário, portanto, que houvesse um meio de proteger o rei durante o período noturno.

As garças resolveram trazer para si mesmas a incumbência de proteger o soberano. Dividir-se-iam em oito grupos de sentinelas, assim distribuídos: o primeiro postar-se-ia nas muralhas que cercavam o palácio; o segundo ficaria nos seus telhados; o terceiro fincaria pé diante de todas as portas; o quarto guardaria os aposentos do soberano. Os membros desses grupos se revezariam a cada duas horas.

Uma das aves levantou a hipótese de que, assim como os soldados e os cães, elas também poderiam adormecer.  Para evitar tal possibilidade e depois de  um longo período de muito pensar, chegaram à conclusão de que, se segurassem uma pedra no pé que manteriam levantado, enquanto estivessem paradas, se por acaso viessem a dormir, a pedra cairia fazendo barulho e acordando as sonolentas. Estava resolvido, portanto, o problema. A vigilância do rei não correria risco.

Noite após noite, as garças cumpriam a promessa que fizeram a si mesmas, zelando pela vida do generoso rei, enquanto ele viveu. E por tanto tempo assim agiram que, as gerações que vieram depois delas, passaram a fazer o mesmo, só que não mais fazendo uso de pedras, apenas levantando uma das pernas, em razão do condicionamento adquirido pela espécie.

Nota: Foram muitas as pesquisas e as hipóteses sobre o porquê de as garças, assim como os flamingos, usarem tal posição. Sabe-se hoje que elas ficam sobre uma perna com o objetivo de manter a temperatura do corpo. (Explicação e foto do médico veterinário Antônio Messias Costa/ Museu Goeldi)

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A LENDA DA FORMIGA-SAÚVA

Recontada por Lu Dias Carvalho

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Certa formiga ganhava a vida cosendo para fora. Sobre a sua mesa havia sempre montes e montes de tecidos para serem costurados. Quando saía para comprar um carretel de linha, agulha ou botões, pedia à filha que desse continuidade ao seu trabalho, pois tempo era dinheiro, mas ao retornar de suas compras, a formiga só encontrava folhas cortadas por todos os cantos da casa. A filha não havia nem bulido no trabalho que se encontrava tal e qual a mãe deixara. Era castigada, mas sempre fazia a mesma coisa, pois era uma formiguinha incorrigível.

Vendo que sua filha não se emendava, a mamãe formiga, certo dia ao sair, amarrou-a pela cintura, atando a corda ao pé da cama. A mocinha formiga mexeu, remexeu, bambaleou, rebolou e saracoteou tanto seu corpinho, tentando se livrar do castigo que o nó da corda foi ficando cada vez mais apertado. Ela já estava quase se dividindo em duas quando a mãe chegou, mas, assim que se viu solta, a danadinha caiu no mato à procura de folhas para cortar.

A formiga mãe entregou os pontos, pois viu que a filha não tinha mesmo jeito. Nenhum remédio era capaz de curar sua teimosia, tampouco poderia ficar com ela que não queria fazer outra coisa senão cortar folhas. Assim, depois de esbravejar muito, botou-a para fora de casa:

– Não vou mais cansar a minha paciência contigo, criatura sem tino. Se queres cortar folhas que esta seja a tua sina para sempre.

Segundo conta a lenda, é por isso que a formiga-saúva, também conhecida como formiga-cortadeira, tem a cintura fininha, traz uma tesoura na cabeça e passa a vida a cortar folhas.

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O HOMEM SOB O PODER DOS MITOS

Autoria de Lu Dias Carvalho

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O mito é uma narrativa de caráter simbólico, relacionada a uma cultura específica que busca explicar a realidade, os fenômenos naturais e a origem do mundo e do homem através de deuses, semideuses e heróis. Nenhuma civilização passou incólume pelos mitos, até porque a história dos deuses tinha por objetivo explicar porque a vida era assim ou assado.

O homem nunca aceitou o fato de não ter respostas para suas indagações filosóficas, portanto, ao longo dos milênios, foi forjando respostas para tudo aquilo que ainda era desconhecido pela ciência. Era preciso ter uma visão mitológica do mundo, de modo a amainar os anseios e a sensação de impotência diante da finitude da vida. Era preciso sentir-se seguro numa tábua de salvação, reforçando o sentimento de não estar solto ao léu. Era preciso sentir-se senhor de si e do próprio destino, preenchendo seu vazio existencial.

A espécie humana sempre teve necessidade de direcionar o seu caminho, nem que fosse usando os deuses como faróis. A chuva, por exemplo, era de importância vital para as primeiras civilizações que não faziam ideia de como ela surgia. Os trovões e os relâmpagos eram prenúncio de sua chegada. Os vikings atribuíam ao agitar do martelo do deus Thor os trovões e relâmpagos que anunciavam a descida da chuva à terra, fazendo germinar as sementes que se transformavam em alimento. Contudo, a forma de pensar atrelada aos mitos foi aos poucos, com o desenvolvimento da ciência, evoluindo para o entendimento que passou a ser construído sob a luz da experiência e da razão, rasgando os véus da ignorância que encobriam a humanidade.

Apesar dos milênios que nos separam das antigas civilizações, ainda podemos encontrar explicações mitológicas em certas culturas, já em pleno século XXI, muito mais pelo apego às tradições e ao medo de mudanças que julgam que não lhes sejam benfazejas. Se analisarmos a fundo a transmissão de tais valores, veremos que um grupo mais forte é sempre o detentor do poder que impede a extinção de tais “leis” que vão passando de geração a geração, sempre beneficiando uns poucos eleitos, sequiosos por manter a “verdade” dos mitos e das “superstições”, pois esses lhes rendem dividendos.

Os indo-europeus primitivos viveram há cerca de quatro a cinco mil anos, provavelmente perto do mar Negro e do mar Cáspio, de onde um grande grupo rumou para o sudeste, em direção ao Irã e à Índia, sendo que a religião e a língua desse grupo formaram o elemento que acabou predominando nessa fusão. A cultura desse povo era marcada, sobretudo, pela crença em muitos deuses (politeísmo). Tanto os Vedas – livros sagrados da Índia – quanto os livros da filosofia grega foram escritos em línguas da mesma família. Às línguas aparentadas também pertencem pensamentos aparentados.  Povos que falam a mesma língua herdam costumes comuns e possuem maiores possibilidades de integração. Os antigos indianos adoravam o deus celestial Dyaus, mas em grego esse deus recebia o nome de Zeus, em latim o de Júpiter, em norueguês o de Thor. Todos os nomes são variantes da mesma palavra.

A literatura de indianos e gregos era marcada por grandes visões cósmicas. Os indo-europeus tinham uma visão cíclica da história. Para eles, essa se desenrolava em círculos, da mesma forma como as estações do ano se alternam, sem começo e nem fim. São mundos que surgem e desaparecem numa alternância infinita entre nascimento e morte.

O hinduísmo e o budismo – duas grandes religiões orientais – são de origem indo-europeia. O mesmo se pode dizer sobre a filosofia grega. Por essa razão, nós podemos encontrar muitos paralelos entre hinduísmo e budismo de um lado e a filosofia grega de outro. Nas culturas indo-europeias, um ponto comum é o fato de elas conceberem o mundo como um imenso palco, no qual se desenrola o drama da  luta incessante entre as forças do bem e as do mal.

Zeus era o “pai dos deuses e dos homens” que exercia a autoridade sobre os deuses olímpicos como um pai sobre sua família. É o deus dos céus e do trovão na mitologia grega. Seu equivalente romano era Júpiter, enquanto seu equivalente etrusco era Tinia; alguns autores estabeleceram seu equivalente hindu como sendo Indra.

Nota: Imagem copiada de http://quandoosdeuseseramjovens.blogspot.com.br

Fonte de pesquisa:
Jostein Gaarder em O mundo de Sofia.

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A PINTASSILVA E A LIBERDADE

Recontada por Lu Dias Carvalho

Conta a lenda que uma pintassilva chocara, pela primeira vez, quatro frágeis filhotes. Mal amanhecia o dia partia a pequenina ave em busca de alimento para suas crias. Sabia que lhes agradava, sobretudo, sementes de capim, assa-peixe, dente-de-leão, capim colonião, serralha e flores de eucalipto. Eles cresciam fortes e belos sob os cuidados de uma mãe muito zelosa.

De uma feita voltou a avezinha de seu voo matinal em busca de comida, quando teve o dissabor de encontrar o ninho vazio. Nenhum de seus pequeninos ali se encontrava. Indagou dos outros pássaros se houvera vento forte ou chuva torrencial, enquanto estivera fora. Recebeu a resposta de que nada acontecera. Sabia também que nenhum bicho predador ali estivera, pois o ninho, em forma de tigela, estava intacto na copa de uma densa araucária.

A pintassilva pôs-se a procurar, dia e noite, pelos filhotes. Não mais comia ou dormia. Começou pelas árvores mais próximas, nas quais examinava ninho por ninho. Depois foi alargando seu campo de busca. Quando as esperanças já se encontravam enfraquecidas, assim como seu corpo diminuto, um canário, fugitivo de uma gaiola, fê-la ciente de que seu antigo dono aprisionara, dias atrás, quatro filhotes de pintassilgo. E pior, eles seriam enviados para um país estrangeiro, pois o verdugo chefiava um comércio clandestino de aves silvestres.

Mesmo fragilizada pela intensa busca, a pintassilva voou o mais rápido que pode até o local indicado. Lá encontrou seus filhotinhos presos numa gaiola fétida. Ao verem-na, os pequeninos pediram-na desesperadamente para que fossem soltos. É fato que a mãe sofrida tentou bravamente romper as grades enferrujadas da gaiola com suas unhas e bico, a ponto de fazê-los sangrar. Mas em vão. Pediu então às crias que ficassem calmas, pois ela voltaria para libertá-las para sempre. Dito isso, voou em direção à densa floresta.

Conforme prometera, a pintassilva trouxe no bico ramos de uma erva desconhecida para alimentar os filhotes. E depois de lançar-lhes um olhar carregado de ternura e de tristeza, alimentou-os, um a um, através do espaço entre as grades. Pediu-lhes que dormissem um pouco, para aguentarem a longa viagem que fariam. Enquanto isso, ela engoliu o último galhinho da erva venenosa que guardara para si. A vida não mais tem valor – concluíra ela – quando se perde a liberdade, sendo a morte a maior libertação.

Nota: imagem copiada de Diário de Biologia

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A LENDA DA COTOVIA

Recontada por Lu Dias Carvalho

O velho eremita há muito abandonara o contato com os homens, descontente com as maldades por eles praticadas, preferindo a companhia da natureza em sua pureza e ingenuidade. Dentre os animais presentes na floresta, uma cotovia tomara-o como companheiro de todas as horas. Mesmo nos intensos períodos de suas meditações ela ficava inerte sobre uma das pedras da caverna, fitando-o, como se fosse capaz de compreender o que lhe ia pela mente. Coisa alguma a fazia arredar pé do local, onde se encontrava o eremita.

De uma feita, o ermitão foi procurado pelos emissários de um nobre sob a alegação de que seu filho encontrava-se muito doente, tendo sua morte como certa. O homem solitário e a cotovia acompanharam os mensageiros na mesma hora, não tardando a chegar à mansão do nobre, onde o filho agonizava, rodeado por quatro impotentes médicos.

De pé na porta do quarto, o eremita só fazia observar a cotovia que se apoiara no peitoril da janela e fitava demoradamente o pequeno enfermo. Repentinamente ouviu-se a voz modulada do ermita, avisando à família do garoto que ele iria viver. Estupefatos, os médicos riram daquele camponês grotesco de barbas compridas, cabelos brancos e unhas enormes que queria se mostrar douto, superior a eles.

O doentinho abriu lentamente os olhos e fitou a diminuta ave na janela, abrindo um largo sorriso, pedindo algo para comer. Antes que todos se apercebessem, o eremita desapareceu, seguido de sua pequenina ave, embrenhando-se na escuridão da noite, que não tardaria em se fazer dia.

Uma semana depois, estando o garoto totalmente restabelecido, uma comitiva parou na entrada da gruta, onde vivia o homem solitário e sua ave. O nobre ofereceu ao ermitão inúmeros presentes, os quais ele prontamente recusou, dizendo que não fora o responsável pela cura do menino, mas, sim, a cotovia. E pacientemente explicou-lhe:

– A cotovia é um pássaro muito sensível e sábio. Ao ser colocada perto de um enfermo, se ela não o fitar, significa que não há esperanças para ele, mas, se o mirar, significa que esse irá se restabelecer. Poucos sabem que essa ave, através do poder de seu olhar, ajuda na cura das pessoas, assim como o fazem tantas outras. É uma pena que tais seres sirvam de alvo para homens insensíveis que desconhecem as inúmeras divindades que habitam a natureza e seus mistérios.

E assim falando, o ermitão pediu licença para mais uma vez retirar-se do convívio com os homens.

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A ESTRELA D’ALVA E O URUTAU

Recontada por Lu Dias Carvalho

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Numa aldeia incrustada no coração da Amazônia, uma cunhatã havia que nascera muito formosa. E mais bela ia ficando, à medida que apanhava corpo. Quando mocinha, passou a arrebatar o coração dos jovens guerreiros que disputavam, entre si o seu amor, como se fora o mais precioso dos tesouros. Mas o coração da primorosa indígena já se encontrava inebriado pela estrela d’alva que resplandecia majestosa no céu. Desde menininha, ela ficava noites e noites mirando aquela lindeza.

Certo dia, com o seu ser torturado pela paixão, a indígena pediu ao pajé que, através dos espíritos, fizesse com que o guerreiro que habitava a estrela d’alva descesse até a Terra. E assim, logo no dia seguinte, caminhando em sua direção, apresentou-se um homem com o corpo curvado pelo tempo e com o rosto fustigado pelas rugas, dizendo ser a estrela que ela tanto invocara, disposto a casar-se com ela. Mas a jovem, decepcionada com tal figura que representava a velhice, enquanto ela se encontrava na flor da juventude, repeliu-a, pedindo-lhe que fosse embora o mais rápido possível, voltando para seu lugar de origem.

A irmã mais velha da indígena, penalizada com o tratamento recebido pelo ancião, dele se aproximou, enxugando suas lágrimas e prometendo cuidar dele como esposa. É fato que ela não era bela exteriormente, mas seu coração carregava uma compaixão imensurável. Ele a aceitou como companheira e passou a cuidar das terras da aldeia, fazendo nascer plantas que ela jamais vira: milho, ananás, mandioca, guaraná e outras tantas. Mas certo dia, quando o marido demorou a chegar, a indígena foi à sua procura na lavoura. E lá encontrou o mais belo de todos os guerreiros, com seu corpo reluzente, pintado com desenhos nunca vistos. Só então compreendeu que seu marido tomara a forma de um velhinho, a fim de testar o coração de sua orgulhosa irmã.

Ao tomar conhecimento do ocorrido, a irmã mais nova encheu-se de arrependimento e inveja. Amargurada, envergonhada e infeliz, ela imergiu pela mata, até que ninguém mais dela soubesse. Conta-se, porém, que Tupã, o deus dos povos indígenas, compadeceu-se com o sofrimento daquela moça imodesta e transformou-a numa ave denominada “urutau” que em noites de lua, quando a estrela d’alva expande seu maior fulgor, pipia tão doído por não ter reconhecido seu verdadeiro amor, que até corta o coração de quem a ouve.

E anos e anos mais tarde, depois de ter ensinado aos indígenas os segredos da plantação, o guerreiro, vindo do céu, a ele voltou, junto com sua companheira amada. É por isso que perto da estrela d’alva vê-se um menorzinha e de brilho mais fraco. É o casal juntinho, lá no firmamento.

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