Meu avô Joaquim Valentim não era um homem letrado, pois pouco ou quase nada conhecia das letras, mas era extremamente sábio. Além disso, era incapaz de fazer mal a uma mosca. Era a ele que um bando de netos, curiosos e inquietos, recorria para entender melhor o mundo, já que os adultos achavam que pergunta de criança não devia ser levada em conta, sempre nos pedindo para sossegar o facho.
De uma feita, nós que só vivíamos a rodear nosso avô, captamos uma conversa sua com o seu compadre João Galocha. Ainda que estivéssemos envolvidos com nossas bolhinhas de sabão saindo dos talos de mamona e não déssemos qualquer importância à prosa dos dois, ao ouvirmos a expressão conversa mole para boi dormir, entremeada no bate-papo, a nossa bisbilhotice ganhou vida, criando as mais mirabolantes suposições. O que se deveria falar para que o boi dormisse? Será que tal fala também serviria para que cavalos, cachorros e gatos caíssem no sono?
Mal a visita saiu, pois não podíamos nos intrometer em conversa de gente grande, sob pena de ganhar um bom castigo, rodeamos apressados nosso avô em busca de uma explicação que matasse a nossa curiosidade. Queríamos saber que conversa era aquela que fazia boi dormir. Ele pegou sua caneca azul esmaltada com seu cafezinho cheiroso, assentou-se calmamente em sua cadeira de descanso, esperou que todos nós nos acomodássemos ao seu redor e pôs-se a explicar-nos, com uma paciência de Jó, como se fora ele o mais dedicado dos mestres:
– Meus filhos, sempre existiu e sempre existirá neste mundo de meu Deus gente que fala muito, mas que não se apura nada de sua prosa. Gosta de contar vantagem ou vem com desculpas esfarrapadas, ou com um lero-lero de fazer doer a cabeça, querendo engabelar as pessoas, levar vantagem em tudo. Gente assim não é verdadeira, ao contrário, é muito perigosa, pois é capaz de dar nó até em pingo d’água.
Meu primo Nandinho, querendo mais explicações, perguntou em sua candura:
– Vô Valentim, por que não pode ser conversa mole para cachorro dormir?
– Por que o boi, meu bom menino, foi sempre um animal muito importante na vida do homem. Por isso, ele se encontra presente em muitos expressões populares: boi de piranha; boi de presépio; boi manso, quando aperreado, remete; boi na linha; água que boi não bebe; um pé de boi – ele calmamente respondeu.
Neiva, uma das netas presentes no grupo, antes mesmo que nosso avô terminasse de dar sua resposta ao último indagador, atalhou apressada:
– Por que se diz “dou um boi para entrar numa briga e uma boiada para não sair”?
Nosso avô pressentiu que aquela seria uma longa conversa em se tratando de criaturinhas tão curiosas, ávidas por conhecer os mistérios da língua popular. Respirou fundo, pediu para que alguém lhe trouxesse mais um café e continuou…
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Lu,
O brasileiro adora conversa mole pra boi dormir. Por isso, a nossa população está ao deus dará. O boi agora está em descrédito, mesmo o moldado a ouro. Aonde a vaca vai o boi vai atrás. Só que a vaca foi pro brejo junto com o boi e o “gado” foi atrás.
Adevaldo
Quem fica escutando conversa mole para boi dormir, só pode acabar indo pro brejo com a vaca. Para alguns ainda é pior, acabam indo para os quintos dos infernos.
Abraços,
Lu
Lu
Estes provérbios fazem parte da nossa cultura, enriquecendo o nosso folclore. A preservação da cultura é, de certa forma, uma maneira de homenagear nossos ancestrais, que foram de fundamental importância na criação desses ditos populares. O uso do boi para fazer tais analogias era muito divertido. Infelizmente nos dias atuais tem se usado o coletivo de boi, GADO, para criticar pessoas que são negacionistas, preconceituosas, fanáticas religiosas, enfim pessoas que estão fora da realidade. Não se faz mais GADO como antigamente.
Hernando
Eu não havia me atentado para isto. Ao entrar no coletivo, o boi ficou desembestado, perdeu o rumo. Muuuuu!
Abraços,
Lu
Lu,
todas as histórias que envolvem ditos populares, provérbios, crendices e outros são ótimas. Carregam curiosidades e ensinamentos, quem não gosta? Fazem bem à criança e ao idoso. A todo tipo de gente. É bastante interessante quando o blogue prestigia esses tipos de escrita.
Alf
Eu acho muito interessante pesquisar sobre expressões idiomáticas e provérbios populares. Eles nos trazem grandes surpresas.Também é uma forma de preservar a língua e conhecê-la melhor.
Abraços,
Lu