Autoria de Lu Dias Carvalho
O homem é frágil e tolo. A todos já nos foi dito que a graça divina encontra-se por todo o universo. Mas em nossa tolice e miopia humanas, imaginamos ser a graça finita. Por esse motivo, trememos antes de fazer nossas escolhas na vida, e após tê-las feito trememos de medo de ter escolhido errado. Mas eis que chega o momento em que nossos olhos estão abertos, e vemos, e percebemos que a graça é infinita. A graça não exige nada de nós, senão que a aguardemos com confiança e a reconheçamos com gratidão. A graça, irmãos, não impõe condições e não escolhe nenhum de nós em particular; a graça toma a todos em seu seio e proclama anistia geral. Aquilo que escolhemos nos é dado, e aquilo que recusamos nos é igualmente, e ao mesmo tempo, concedido. Sim, que o que rejeitamos seja copiosamente vertido sobre nós. Pois que a misericórdia e a verdade encontraram uma a outra e a retidão e a bem-aventurança beijaram uma a outra. (Discurso do general Loewenhielm )
O filme dinamarquês A Festa de Babette (1987), obra do cineasta e roteirista Gabriel Axel, é um dos mais premiados filmes estrangeiros, tendo ganhado o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, o Bafta e a Palma de Ouro.
A história acontece na Noruega, na cidadezinha de Berlevaag, banhada pelo mar e encimada por montanhas. Ali moram as duas irmãs, Martine e Philippa, cujos nomes homenageiam Martinho Lutero e seu amigo Philipp Melanchthon. Eram filhas de um pastor responsável por criar uma seita, que pregava a renúncia aos prazeres, sob a alegação de que o mundo só oferecia ilusões, sendo que a verdadeira vida encontrava-se na Nova Jerusalém, à qual teriam acesso todos que praticassem uma vida modesta e sem deleite.
Quando o filme tem início, o pastor já se encontrava morto, deixando as duas filhas à frente do grupo, cujos membros tornavam-se cada vez mais escassos. Já não havia mais a harmonia de antes, tendo elas que lidar com brigas e descontentamentos. Ainda assim, o pequeno grupo reunia-se para estudar a palavra do antigo mestre.
Martine e Philippa tinha uma criada francesa, apesar de viverem com parcos rendimentos, gastos em obras de caridade. Babette batera à porta das duas irmãs, 12 anos antes, numa noite de intenso temporal. O povo do lugar logo compreendeu que o coração generoso das duas irmãs, que atendiam a todos que a procuravam, era o responsável pela presença da mulher na casa. Porém, a história era muito mais complexa. Retrocedendo no tempo, o filme passa então a narrar a história das duas irmãs e Babette.
Embora muito belas e desejáveis na juventude, Martine e Philippa viviam voltadas apenas para a seita do pai, que via nelas a mão direita e a esquerda, não tendo elas acesso a nenhum tipo de divertimento. Além disso, ele não permitia que alguém pudesse privá-lo de uma das filhas. Mesmo assim, dois cavalheiros chegaram a Berlevaag, em tempos diferentes, e ambicionaram a mão das garotas.
O primeiro deles foi um oficial, Lorens Loewenhielm, envolvido em dívidas, e enviado pelo pai para conviver com a tia no campo, por certo tempo, a fim de refletir sobre sua vida desregrada. Ao ver Martine, a mais nova delas, ele caiu de amores pela moça. Passou então a frequentar a casa do pastor, ouvindo suas pregações, com o intuito de vê-la. Ao findar de sua permanência no lugar, e certo de não obter o amor da moça, agarrou sua mão, dizendo-lhe que nunca mais voltaria a vê-la. Com o passar dos anos, ele se casou com uma dama importante da corte francesa.
Um ano mais tarde, chegou a vez de um grande cantor francês de óperas, Achille Papin, apaixonar-se pela bela voz de Philippa, após ouvi-la cantar na igreja. Com a permissão do pastor, ela chegou a estudar canto com ele, que só pensava em torná-la uma grande dama da ópera, viajando pelo mundo. Mas, quando a beijou, ela, sem dizer nada ao pai, pediu que esse comunicasse ao cantor que não iria mais às aulas. Achille Papin retornou a Paris, sozinho.
Passados quinze anos, numa noite de intenso temporal, uma mulher quase desfalecida, bateu à porta das duas irmãs, com uma carta de Achille Papin, pedindo-lhes que a acolhessem, pois era uma fugitiva francesa, cuja família havia sido fuzilada na guerra civil, e com a sua ajuda e a do sobrinho, que trabalhava como cozinheiro num navio, ela conseguira escapar. As duas irmãs disseram à fugitiva que não poderiam pagar-lhe por seus serviços. Babette afirmou-lhes que trabalharia de graça, e, se elas não a quisessem, ela não trabalharia para mais ninguém. E assim ficou ali por 12 anos, sem ter conseguido aprender a língua daquela gente e, tampouco, abraçar a sua seita, permanecendo católica. Era uma governanta exemplar, ajudando as irmãs em tudo. Segundo ela, a única coisa que a ligava a seu país de origem era um bilhete de loteria, que um amigo renovava a cada ano. Acontece, então, a segunda parte da história.
Martine e Philippa resolveram comemorar o dia em que o pai faria cem anos, como se ele ainda se encontrasse entre elas e seus adeptos, ainda que a discórdia grassasse entre esses. Fariam uma modesta ceia com uma xícara de café. Nesse ínterim, Babette recebeu a notícia de que seu bilhete fora premiado com a quantia de dez mil francos. E, para surpresa das duas irmãs, pediu-lhes para preparar um jantar francês, desconhecido para ambas, em homenagem ao pai delas. Embora relutantes, acabaram aceitando a oferta da governanta. A partir daí desenrola toda a preparação do jantar, com Martine e Philippa apavoradas, pois não imaginavam que fosse daquele porte, onde entraria até vinho. O que pensariam os devotos?
Numa reunião com Philippa, os adeptos prometeram uns aos outros que iriam ao jantar, mas não fariam comentário algum sobre a comida ou bebida, preservando as recomendações do mestre. E assim, com a presença de 12 pessoas, foi realizado o jantar. O resto fica para que o leitor descubra, ao assistir a esse comovente filme.
Nota: Esse filme, narrado em grande parte, tem o roteiro baseado no conto da escritora dinamarquesa Karen Blixen, a mesma autora de A Fazenda Africana, em que foi baseado o filme Entre dois Amores.
Ficha técnica
Ano:1987
Gênero: drama
Direção: Gabriel Axel
Roteiro: Gabriel Axel
Elenco: Bibi Andersson, Ebbe Rode, Gudmar Wivesson, Jarl Kulle, Jean-Philippe Lafont, Stéphane Audran
Produção: Bo Christensen, Just Betzer
Fotografia: Henning Kristiansen
Trilha Sonora: Per Norgaard
Duração: 102 minutos
Views: 12
Lu
O filme é tocante do início ao fim, surpreendente por mostrar um início até massante (há algum tempo tento levar pessoas a vê-lo mas elas falam que o filme não tem ação e nenhum elemento que as prenda). Como já o vi algumas dezenas de vezes, não me canso de dizer que é um desafio, sempre, a novas platéias…
Eu gostaria de saber se, como músico que sou e também religioso (sou protestante), se existe, em algum lugar, os dados das músicas (hinos) que foram cantadas pelo elenco, enquanto reunidos na casa das personagens centrais (que cantam, tocam piano), bem como suas partituras com as letras originais, conforme cantadas. Um dos hinos eu já encontrei e estou buscando pela letra do mesmo que é o hino ‘Herre Gud, Ditt Dyre Navn og Ære’. Diga também, onde encontro o DVD desse filme para comprar?
Obrigado!
Ronaldo
É um grande prazer receber sua visita e comentário.
Amigo, o filme “A Festa de Babette” é também um dos meus preferidos, contudo, reconheço que, para algumas pessoas não afeitas a cinema ou que não gostam de filmes de arte, ele não agrada, pois é muito profundo e requer grande sensibilidade. Trata-se realmente de uma obra belíssima. Quanto aos hinos, o único lugar que posso lhe indicar é o Google ou alguma igreja protestante nos EUA, com a qual deverá entrar em contato.
O filme eu o comprei através da Biblioteca da Folha (via internet). Todos os bons filmes eu compro ali. Além de ter preços ótimos, há sempre boas promoções. As Lojas Americanas (on line) também vendem uma gama enorme de filmes.
Recomendo-lhe também “A Trilogia de Apu” e “Ran”, comentados aqui no blog. Volte sempre!
Abraços,
Lu
Oi Lu!
Melhor propaganda impossível.
Agora a curiosidade é tamanha, que só assistindo ao filme, para ver o desfecho do enredo… kkkk
Um grande abraço.
Pat
O dvd encontra-se à sua disposição. É realmente muito lindo. Não perca!
Abraços,
Lu