Autoria de Lu Dias Carvalho
Todos os três filmes nos prendem de imediato pela narrativa interessante. São metafísicos pelo exemplo, não pela teoria. Kieslowski narra a parábola, não prega a lição. (Roger Ebert)
Kieslowski amava realmente seus personagens e nos convida a tomarmos consciência tanto de nossas limitações quanto de nossa capacidade de transcendência. (Annete Insdorf)
A cineasta polonês Krzysztof Kieslowski (1941 -1996), deixou seu país por motivos políticos, e também em busca de outro que pudesse lhe oferecer melhores condições financeiras para continuar o seu trabalho. Escolheu a França como nova pátria.
A Trilogia das Cores (1993 -1994) é uma homenagem ao país escolhido, tendo sido cada um dos filmes inspirado nas cores que compõem a bandeira francesa e nos três ideais democráticos por elas representados: liberdade, igualdade e fraternidade. São eles: A Liberdade é Azul (1993), A Igualdade é Branca (1994) e A Fraternidade é Vermelha (1994). Os três filmes são ambientados na França, Polônia e Suíça, e as histórias acontecem num período invernal, com dias cinzentos ou encobertos pela névoa. Não tratam de personagens mirabolantes, mas de pessoas comuns com seus dramas cotidianos. Contam também com a trilha sonora deslumbrante do fantástico compositor polonês Zbiniew Preisner.
Embora lide com doenças, perdas, desencantos e mortes em seus filmes, Kieslowski deixa sempre um espaço para o humor. Em A Liberdade é Branca, por exemplo, é impossível não rir das trapalhadas do imigrante polonês, ao voltar para seu país dentro de uma mala, que acaba sendo roubada. Em suma, a Trilogia das Cores mostra que ainda é possível encontrar sensibilidade, poesia, beleza e emoção no cinema.
Embora os filmes que compõem a Trilogia das Cores sejam independentes, com histórias e personagens diferentes, podemos encontrar dois elos que os une: o primeiro, a presença de uma pessoa extremamente idosa, carregando uma bolsa ou sacola, tentando jogar uma garrafa descartável num depósito de lixo reciclável, mas a abertura do recipiente é alta demais para que ela alcance seu intento com facilidade. No último filme, Valentine, a personagem principal, acaba ajudando-a. O segundo elo acontece no último filme, durante um acidente trágico na travessia do Canal da Mancha, quando o cineasta reúne os personagens principais da trilogia, os únicos a serem salvos, para surpresa do espectador.
Kieslowski despede-se do cinema com a Trilogia das Cores. Porém, começa a escrever o roteiro da trilogia “Paraíso, Purgatório e Inferno”, baseada na Divina Comédia de Dante Alighieri, mas morre de um ataque cardíaco, aos 54 anos, dois anos após filmar a Fraternidade é Vermelha.
Sinopse dos três filmes:
Antes, eu era feliz. Eu os amava e eles me amavam. Agora entendi que só farei uma coisa: nada. Não quero bens, presentes, amor ou vínculos. Tudo isso são armadilhas. (Julie)
I – A Liberdade é Azul – ao acordar num hospital, após sofrer um grave acidente, Julie fica sabendo que seu marido, um importante compositor encarregado da composição de uma partitura para comemorar a unificação europeia, e filha pequena morreram no acidente. Tomada por extremo desespero, ela tenta se matar, mas não consegue. Então resolve cortar todos os vínculos com o passado, como forma de sobreviver à dor, pois acha que qualquer forma de vínculo é uma armadilha. Com o tempo, vê que terá que fazer uma opção entre enfrentar a vida com seus desafios ou não. Ela é livre para iniciar ou não uma vida nova, depois das dolorosas perdas. Tem liberdade para fazer a sua própria escolha.
Onde está a igualdade? O fato de eu não falar francês é uma razão para o tribunal não ouvir meus argumentos?(O imigrante)
II – A Igualdade é Branca – conta a história de um cabelereiro, imigrante polonês em Paris, que recebe uma intimação para comparecer ao Palácio da Justiça, onde fica sabendo que a esposa está pedindo o divórcio, alegando que ele não consumou o casamento. O imigrante, que nem domina a língua do país, tenta de todo jeito reabilitar a união, mas a mulher continua irredutível, a ponto de chamar a polícia, quando ele tenta se aproximar. Além disso, põe fogo no salão de beleza, onde os dois trabalhavam, e imputa a culpa a ele. Abandona-o, depois de invalidar seu cartão de crédito, deixando-lhe apenas uma mala na rua. Ele enfrenta o frio, dormindo no metrô, onde encontra um conterrâneo rico. Depois de muitas reviravoltas, o marido desprezado volta para a Polônia, fica rico e arquiteta uma vingança contra a ex-mulher, embora continue apaixonado por ela, numa prova de que o amor não resiste à humilhação. Ao se tornar rico, iguala-se a ela e põe em marcha seus planos. Simula sua morte, e doa seus bens à malvada, que logo parte para a Polônia em busca. Lá, ela é acusada de matar o marido.
Não sei se eu estava do lado do bem ou do mal. Aqui, ao menos, sei onde está a verdade. Tenho uma visão melhor do que no tribunal. […] Mas quantos eu poderia ter salvado? Mesmos culpados. Decidir o que é verdade ou não, agora me parece falta de modéstia.(O juiz )
III – A Fraternidade é Vermelha – uma famosa modelo, atropela uma cadela e, ao socorrê-la, encontra o endereço de seu dono na coleira. Trata-se de um juiz amargo, desencantado com a vida, que passa o tempo interceptando as conversas telefônicas de seus vizinhos e os observando pela janela, acompanhando o desenrolar de suas vidas. A princípio, ele recebe Valentine com muita frieza e doa sua cadela para ela, sem se importar com a saúde do animal. Enquanto passeia com Rita (nome da cadela), ela foge para a casa do antigo dono, tendo Valentine que ir atrás. Aí começam as descobertas em relação ao comportamento ilegal do juiz. Mas uma relação de amizade acaba se estabelecendo entre os dois, o que virá a mudar o curso da vida de ambos. Eles possuem uma fraternidade de almas capaz de superar as barreiras existentes entre ambos.
Prêmios
A Liberdade é Azul ganhou o Leão de Ouro em Veneza como melhor filme e melhor fotografia, tendo Juliette Binoche como melhor atriz. O Cesar foi concedido ao filme nas categorias: melhor atriz, melhor montagem e melhor som. E três indicações ao Globo de Ouro: melhor filme estrangeiro, melhor música e melhor atriz.
A Igualdade é Branca deu o Urso de Prata em Berlim para Kieslowski como melhor diretor.
A Fraternidade é Vermelha ganhou em Cannes como melhor filme; o Cesar pela melhor trilha sonora e foi indicado ao Globo de Ouro como melhor filme estrangeiro e ao Oscar como melhor direção, melhor roteiro e melhor fotografia.
Observação:
Não deixem de ver A Dupla Vida de Veronique que conta a história de duas mulheres de 20 anos, totalmente idênticas. Uma é polonesa e vive em Varsóvia. A outra é francesa e mora em Paris. Todas as duas são cantoras e possuem o mesmo problema de saúde: coração. Uma nada sabe sobre a existência da outra até que, casualmente, elas se encontram durante uma viagem de turismo, o que mudará totalmente o destino de cada uma. E pior, um sacrifício será necessário para que uma delas sobreviva. Imperdível.
Fontes de Pesquisa:
A Magia do Cinema/ Roger Ebert
Tudo sobre Cinema/ Sextante
Cine Europeu/ Folha
Wikipédia
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