Historiando Paulo Vanzolini – VOLTA POR CIMA

Siga-nos nas Redes Socias:
FACEBOOK
Instagram

Autoria de Lu Dias Carvalho

Juvenal chegou à rodoviária, vindo da colheita de café no norte paulista, onde permanecera por cinco meses, buscando uma maneira de arranjar a vida cada vez mais difícil para as gentes pobres. Tudo que ganhara estava numa conta no Banco. Comera o pão que o diabo amassou a fim de economizar o que pudesse. Trazia consigo muitos planos. Haveria de dar uma pintura no barraco com pó xadrez. A cor seria conforme a escolha de sua companheira, adornamento que toda mulher gosta de fazer. Compraria para ela um vestido de organdi branco, comprido, com muitas fitas e, finalmente, os dois se casariam no cartório, de modo a parecer gente de bem, e ele não seria qualquer um à toa, sem incumbência com a família.

Mal botou os pés no chão de sua cidadezinha, Juvenal foi cercado por um moleque que se ofereceu para ajudá-lo a levar a mala e o volumoso rádio toca-fitas, que anunciava sua chegada com um meloso bolero, música preferida de sua morena. O menino foi logo soltando o verbo: “O senhor já sabe que sua mulher fugiu com um mascate?”. Uma fincada de dor paralisou o pobre homem. Suas pernas bambearam e ele se sentou no meio-fio. Um golpe desgraçado de doído jogava seus sonhos por terra. Uma torrente de água saltou de seus olhos, mal tendo ele tempo de dar ao garoto uns trocados. Os amigos aproximaram-se dele, mas sem lhe perguntar o porquê, tamanho era a piedade. Sentiam-se constrangidos, pois sabiam o motivo.

Todo alquebrado pela dor, Juvenal dirigiu-se para a casa de sua mãe, encontrando conforto em seu abraço e colo. Mais calmo, ele lhe relatou: “Chorei, ai eu chorei/ Não procurei esconder/ Todos viram, fingiram/ Pena de mim, não precisava ter/ Ali onde eu chorei/ Qualquer um chorava”.  Na semana seguinte recebeu uma proposta de trabalho numa cidade grande. Juntou tudo e partiu. Um ano depois, voltou acompanhado de sua jovem esposa. Todos o elogiavam por seu visível bem-estar. E aos que retornavam ao acontecido, ele dizia: “Dar a volta por cima que eu dei/ Quero ver quem dava.”. E à esposa, que de tudo tomara conhecimento ali, e que o inquiriu pelo fato de nada ter dito a ela, ele explicou: “Um homem de moral/ Não fica no chão/ Nem quer que mulher/ Lhe venha dar a mão/ Reconhece a queda/ E não desanima/ Levanta, sacode a poeira/ E dá a volta por cima.”.

Contam alguns que, dois anos depois, Lindaura voltou de seu embeleco com o mascate, trazendo uma mão na frente e outra atrás. E, com os miolos meio revirados, andava rua acima e rua abaixo, clamando pelo nome de Juvenal.

Obs.: Clique no link abaixo para ouvir:
VOLTA POR CIMA

Nota: Separação, obra Edvard Munch.

Views: 6

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *